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Pior linchamento do Brasil também foi filmado

Enquanto imagens de linchamentos como o de Guarujá (SP) rodam a internet, uma pequena cidade do MT convive com estigma de ter sido palco do caso de maior repercussão até hoje

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2014 às 11h51.

São Paulo – Linchamentos chamam a atenção da sociedade quando são filmados. Esta parece ser a conclusão deixada pelas chocantes cenas de agressão que terminaram com a morte de Fabiane Maria de Jesus, nesta semana, e também pela filmagem com a morte de três homens por uma população enfurecida em Matupá, no Mato Grosso , há quase 25 anos.

Na época, as imagens de três pessoas queimadas vivas após uma tentativa frustrada de roubo, com um deles pedindo perdão a Deus enquanto agonizava, rodou o mundo e o Brasil .

Foi ainda alvo de atenção da Anistia Internacional.

E marcou para sempre a pequena cidade que vive do garimpo, a quase 700 quilômetros de Cuiabá . O caso ficou conhecido como a Chacina de Matupá.

Segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, nenhum outro caso de linchamento gerou tanta repercussão para o tema na mídia nacional quanto esse. A pesquisa da USP engloba o período de 1980 a 2010.

Este intervalo de tempo é anterior, claro, à onda de linchamentos cujas imagens hoje rodam as redes sociais , como as de um adolescente preso a um poste no Rio de Janeiro.

Algumas das cenas do linchamento no município matogrossense – não as mais fortes, mas ainda sim impressionantes – podem ser vistas em matéria da afiliada da Rede Record , em reportagem de 2011 (veja ao final desta matéria).

As imagens estão suavizadas em preto e branco, mas o vídeo original era colorido. As partes mais chocantes estão disponíveis apenas em alguns sites da internet.

A chacina

A existência de um vídeo contendo toda a longa história ocorrida em novembro de 1990 – que se encerra com os agonizantes 15 minutos finais na vida de um homem, interrogado pelos algozes com o corpo inteiramente queimado – foi essencial para a enorme repercussão do caso.

Este homem era Osvaldo Bachinan, 32 anos. Junto com Ivacir dos Santos, 31 anos e Arci dos Santos, 28 anos, ambos irmãos, ele invadiu uma casa no pequeno município, hoje com 14 mil habitantes.

Queriam roubar ouro e joias, segundo relatos da época. Fizeram refém duas mulheres , uma delas grávida, e quatro crianças.

Mas a empregada da casa fugiu e chamou a polícia. Os seis ficaram sob o poder deles por mais de 15 horas, tempo no qual a casa foi cercada pela Polícia Militar e civis, incluindo pessoas de cidades vizinhas.

Houve então uma longa negociação para que se rendessem.

A filmagem mostra que os ladrões estavam temerosos com o que lhes aconteceria se se entregassem.

Eu te dou garantia, eu tiro esse pessoal daí. Seria muita covardia matar vocês agora. Pare de bobagem: você entrega a família e sai vivo, disse um policial que negociava a rendição.

Os homens se renderam, sob a garantia de que seriam levados para outra cidade em uma pequena aeronave, para serem presos.

Enquanto saíam em direção ao veículo, era possível ouvir a população gritar mata, mata, mata.

A caminho do aeroporto, porém – e aí as informações se desencontram: a polícia alega que houve uma tentativa de fuga, já os promotores que se debruçaram sobre o caso afirmam que os PMs cooperaram para que houvesse o linchamento – os três homens foram capturados pela população.

Diante de centenas de pessoas, apanharam muito. Um deles levou um tiro.

Mas o toque final de crueldade foi o despejo de litros de gasolina nos três, que estavam amarrados. No vídeo, vê-se que um deles começa a movimentar as pernas furiosamente para se desvencilhar das chamas.

Depois que o fogo baixa, ainda se ouvem vários gemidos de dor.

Aí se dá a parte mais impressionante, quando um dos assaltantes – Osvaldo, semi-acordado – começa a responder às demandas daqueles que estavam a ponto de lhe tirar a vida. A câmera foca seu rosto em primeiro plano.

Pede perdão a Deus!, diz um dos homens. Perdão, Deus, por tudo o que eu fiz", replica Osvaldo. "Perdoa, meu pai, completa ainda.

Ele ainda responde outras coisas e agoniza por 15 minutos até morrer, com a pele toda queimada e trajando apenas fiapos da roupa não consumida pelo fogo.

Tabu na cidade
Deste assunto a gente não gosta de falar. A cidade já sofreu demais e agora está superando. Seria muito bom se vocês (jornalistas) ignorassem esse assunto, disse Heleni Mazzonetto ao Diário de Cuiabá, no ano 2000.

Ela foi a dona de casa mantida em cárcere privado.

Numa demonstração do ritmo da justiça brasileira, 17 dos 18 réus envolvidos no caso só foram julgados em outubro de 2011. Vinte e um anos, portanto, após o assassinato que foi veiculado por televisões estrangeiras e virou debate nacional.

Segundo o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, apenas três foram condenados. Um deles, Valdemir Pereira Bueno, recebeu a maior pena: oito anos de prisão. Ele aparece no vídeo jogando gasolina nas vítimas.

Réu confesso, disse que se arrependeu, e que ficou furioso ao reconhecer em um dos homens o bandido que havia causado terror a ele e à família um dia antes.

Outros sete PMs envolvidos ainda aguardam julgamento, suspeitos de terem "dado" os três homens para a turba raivosa.

Em artigo publicado quatro meses após a tragédia na revista Veja , o cinegrafista Lenon José Durrewald e autor da gravação, que ganhava a vida filmando festas e casamentos em Matupá, deu um relato simplesmente revelador do comportamento coletivo envolvido nos linchamentos.

Seguem transcritas algumas de suas palavras à revista.

O que houve ali foi uma barbárie, algo que nunca tinha visto antes em minha vida. Muitas pessoas que estiveram na cidade queriam saber por que não larguei minha câmara e tentei impedir a tragédia. Na verdade, tentei sim, fui ajudado por uma senhora de 25 anos. Senti medo de ser agredido se tomasse uma atitude mais dura.

A maioria das pessoas observava apenas, enquanto dois ou três homens pegaram a gasolina, jogaram sobre os assaltantes e atearam fogo. Na memória da multidão estavam certamente outras inúmeras cenas de violência que todos os dias deixam cadáveres pelas ruas da cidade. É difícil achar uma família que não tenha uma história triste de assassinato ou assalto a um parente ou vizinho para contar. Acho que foi um comportamento inconsciente, como se todo mundo tivesse perdido, por alguns momentos, a noção da gravidade do que estava acontecendo ali.

Ao final, quando os três já estavam mortos, uma outra senhora chegou ao local e ficou chocada. Chorava e gritava que todos ali eram assassinos. Já de volta do transe, conscientes do que haviam feito, as pessoas nada disseram. Foram embora caladas. Firmei a câmera com o sacrifício de quem se sente obrigado a documentar uma barbaridade que, certamente, o Brasil não conheceria se eu tivesse simplesmente ido embora. Suava, sentia-me mal e cheguei a desligar a câmera várias vezes.

//www.youtube.com/embed/I2ql0CUxXKw

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São Paulo – Linchamentos chamam a atenção da sociedade quando são filmados. Esta parece ser a conclusão deixada pelas chocantes cenas de agressão que terminaram com a morte de Fabiane Maria de Jesus, nesta semana, e também pela filmagem com a morte de três homens por uma população enfurecida em Matupá, no Mato Grosso , há quase 25 anos.

Na época, as imagens de três pessoas queimadas vivas após uma tentativa frustrada de roubo, com um deles pedindo perdão a Deus enquanto agonizava, rodou o mundo e o Brasil .

Foi ainda alvo de atenção da Anistia Internacional.

E marcou para sempre a pequena cidade que vive do garimpo, a quase 700 quilômetros de Cuiabá . O caso ficou conhecido como a Chacina de Matupá.

Segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, nenhum outro caso de linchamento gerou tanta repercussão para o tema na mídia nacional quanto esse. A pesquisa da USP engloba o período de 1980 a 2010.

Este intervalo de tempo é anterior, claro, à onda de linchamentos cujas imagens hoje rodam as redes sociais , como as de um adolescente preso a um poste no Rio de Janeiro.

Algumas das cenas do linchamento no município matogrossense – não as mais fortes, mas ainda sim impressionantes – podem ser vistas em matéria da afiliada da Rede Record , em reportagem de 2011 (veja ao final desta matéria).

As imagens estão suavizadas em preto e branco, mas o vídeo original era colorido. As partes mais chocantes estão disponíveis apenas em alguns sites da internet.

A chacina

A existência de um vídeo contendo toda a longa história ocorrida em novembro de 1990 – que se encerra com os agonizantes 15 minutos finais na vida de um homem, interrogado pelos algozes com o corpo inteiramente queimado – foi essencial para a enorme repercussão do caso.

Este homem era Osvaldo Bachinan, 32 anos. Junto com Ivacir dos Santos, 31 anos e Arci dos Santos, 28 anos, ambos irmãos, ele invadiu uma casa no pequeno município, hoje com 14 mil habitantes.

Queriam roubar ouro e joias, segundo relatos da época. Fizeram refém duas mulheres , uma delas grávida, e quatro crianças.

Mas a empregada da casa fugiu e chamou a polícia. Os seis ficaram sob o poder deles por mais de 15 horas, tempo no qual a casa foi cercada pela Polícia Militar e civis, incluindo pessoas de cidades vizinhas.

Houve então uma longa negociação para que se rendessem.

A filmagem mostra que os ladrões estavam temerosos com o que lhes aconteceria se se entregassem.

Eu te dou garantia, eu tiro esse pessoal daí. Seria muita covardia matar vocês agora. Pare de bobagem: você entrega a família e sai vivo, disse um policial que negociava a rendição.

Os homens se renderam, sob a garantia de que seriam levados para outra cidade em uma pequena aeronave, para serem presos.

Enquanto saíam em direção ao veículo, era possível ouvir a população gritar mata, mata, mata.

A caminho do aeroporto, porém – e aí as informações se desencontram: a polícia alega que houve uma tentativa de fuga, já os promotores que se debruçaram sobre o caso afirmam que os PMs cooperaram para que houvesse o linchamento – os três homens foram capturados pela população.

Diante de centenas de pessoas, apanharam muito. Um deles levou um tiro.

Mas o toque final de crueldade foi o despejo de litros de gasolina nos três, que estavam amarrados. No vídeo, vê-se que um deles começa a movimentar as pernas furiosamente para se desvencilhar das chamas.

Depois que o fogo baixa, ainda se ouvem vários gemidos de dor.

Aí se dá a parte mais impressionante, quando um dos assaltantes – Osvaldo, semi-acordado – começa a responder às demandas daqueles que estavam a ponto de lhe tirar a vida. A câmera foca seu rosto em primeiro plano.

Pede perdão a Deus!, diz um dos homens. Perdão, Deus, por tudo o que eu fiz", replica Osvaldo. "Perdoa, meu pai, completa ainda.

Ele ainda responde outras coisas e agoniza por 15 minutos até morrer, com a pele toda queimada e trajando apenas fiapos da roupa não consumida pelo fogo.

Tabu na cidade
Deste assunto a gente não gosta de falar. A cidade já sofreu demais e agora está superando. Seria muito bom se vocês (jornalistas) ignorassem esse assunto, disse Heleni Mazzonetto ao Diário de Cuiabá, no ano 2000.

Ela foi a dona de casa mantida em cárcere privado.

Numa demonstração do ritmo da justiça brasileira, 17 dos 18 réus envolvidos no caso só foram julgados em outubro de 2011. Vinte e um anos, portanto, após o assassinato que foi veiculado por televisões estrangeiras e virou debate nacional.

Segundo o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, apenas três foram condenados. Um deles, Valdemir Pereira Bueno, recebeu a maior pena: oito anos de prisão. Ele aparece no vídeo jogando gasolina nas vítimas.

Réu confesso, disse que se arrependeu, e que ficou furioso ao reconhecer em um dos homens o bandido que havia causado terror a ele e à família um dia antes.

Outros sete PMs envolvidos ainda aguardam julgamento, suspeitos de terem "dado" os três homens para a turba raivosa.

Em artigo publicado quatro meses após a tragédia na revista Veja , o cinegrafista Lenon José Durrewald e autor da gravação, que ganhava a vida filmando festas e casamentos em Matupá, deu um relato simplesmente revelador do comportamento coletivo envolvido nos linchamentos.

Seguem transcritas algumas de suas palavras à revista.

O que houve ali foi uma barbárie, algo que nunca tinha visto antes em minha vida. Muitas pessoas que estiveram na cidade queriam saber por que não larguei minha câmara e tentei impedir a tragédia. Na verdade, tentei sim, fui ajudado por uma senhora de 25 anos. Senti medo de ser agredido se tomasse uma atitude mais dura.

A maioria das pessoas observava apenas, enquanto dois ou três homens pegaram a gasolina, jogaram sobre os assaltantes e atearam fogo. Na memória da multidão estavam certamente outras inúmeras cenas de violência que todos os dias deixam cadáveres pelas ruas da cidade. É difícil achar uma família que não tenha uma história triste de assassinato ou assalto a um parente ou vizinho para contar. Acho que foi um comportamento inconsciente, como se todo mundo tivesse perdido, por alguns momentos, a noção da gravidade do que estava acontecendo ali.

Ao final, quando os três já estavam mortos, uma outra senhora chegou ao local e ficou chocada. Chorava e gritava que todos ali eram assassinos. Já de volta do transe, conscientes do que haviam feito, as pessoas nada disseram. Foram embora caladas. Firmei a câmera com o sacrifício de quem se sente obrigado a documentar uma barbaridade que, certamente, o Brasil não conheceria se eu tivesse simplesmente ido embora. Suava, sentia-me mal e cheguei a desligar a câmera várias vezes.

//www.youtube.com/embed/I2ql0CUxXKw

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