Jair Bolsonaro: a fala do presidente recebeu críticas da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Carolina Antunes/PR/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de fevereiro de 2020 às 19h59.
Última atualização em 6 de fevereiro de 2020 às 12h20.
Brasília — O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta quarta-feira (05) que uma pessoa portadora de HIV representa "uma despesa para todos no Brasil", além de "um problema sério para ela mesma".
Bolsonaro fez o comentário ao defender a ideia da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que a abstinência sexual deve ser apresentada como método contraceptivo.
"O próprio Alexandre Garcia, ele fala que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com 12 anos de idade. Outro com 15, e no terceiro, que a esposa dele atendeu, ela já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil", disse o presidente.
Segundo dados do portal da Transparência, em 2019 o governo gastou R$ 1,8 bilhão na compra de remédios para pacientes com HIV, o que representou 0,06% de todos os gastos públicos do ano.
A estimativa do Ministério da Saúde é que há 866 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil, dos quais cerca de 135 mil não o sabem.
Bolsonaro foi inicialmente questionado sobre reportagem do Estado que revelou uma redução expressiva para políticas de combate à violência contra a mulher.
Segundo ele, Damares "é (nota) 10" nessa questão. Na visão do presidente, a área não precisa de dinheiro ou de recursos, e sim de "postura", "mudança de comportamento" e "conscientização". Em seguida, mencionou a atuação da ministra em defesa da abstinência sexual.
"Quando ela (Damares) fala em abstinência sexual, esculhambam ela. Quem quer... Eu tenho uma filha de nove anos, você acha que eu quero minha filha grávida no ano que vem? Não tem cabimento isso aí. É essa a campanha que ela faz", declarou o presidente sobre Damares.
Em resposta ao presidente, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) afirmou que sua fala reforça "o estigma, o preconceito e a discriminação contra as pessoas que vivem com HIV/Aids neste País".
Sustentou, ainda, que políticas de abstinência sexual não reduzem as taxas de infecção pelo HIV e que Bolsonaro lidera um governo que "ignora cotidianamente os direitos humanos fundamentais".
"Ao dizer que as pessoas vivendo com HIV causam prejuízo à sociedade, o presidente autoriza tacitamente o estigma, a discriminação e a violação dos seus direitos humanos", disse a entidade, em nota.
A ABIA afirmou esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) e demais instituições jurídicas "se mantenham alinhados à Constituição e garantam o acesso ao SUS e a proteção de todos os direitos fundamentais lá garantidos, inclusive das pessoas que vivem com HIV/Aids".
Desde a década de 80, quando a AIDS foi descoberta, o Brasil se tornou referência internacional no tratamento da doença, principalmente por marcos como a Lei 9.313 de 1996, que garantiu a distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais, e a definição em 2013 do tratamento universal com a terapia unificada, conhecida como coquetel.
A estratégia deu resultado. No início dos anos 90, Brasil e África do Sul tinham taxas similares de infecção por HIV. Hoje, 18% da população da África do Sul tem o vírus, contra 0,4% da população brasileira.
Já nos últimos cinco anos, o número de mortes pela doença no país caiu 22,8%, de 12,5 mil em 2014 para 10,9 mil em 2018.
Decisões recentes, no entanto, despertaram entre especialistas o temor de que as políticas públicas na área não continuariam sendo baseadas nas melhores evidências disponíveis e referências internacionais.
Em maio, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV e Hepatites Virais foi transformado no Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, que também agrupou tuberculose e hanseníase, que não são de transmissão sexual. Com isso, a área de HIV/Aids foi rebaixada a uma coordenação.
O país também não tem ampliado de forma consistente o acesso às novas terapias de prevenção pré-exposição, que tem tido resultados promissores em vários lugares do mundo.
Outra crítica, comum entre pessoas da área e que vem de antes deste governo, é que as campanhas de prevenção ao HIV são centradas apenas em datas como carnaval e no Dia Mundial da Aids.
Se soma a isso o veto do governo a campanhas direcionadas a grupos vulneráveis à infecção, como homossexuais, frequentemente atacados por Bolsonaro ao longo de toda a sua carreira política.