Avião da Azul (NurPhoto / Contributor/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 8 de maio de 2022 às 19h52.
Chancelando decisão que autorizou o coelho ‘Blu’ a viajar na cabine com sua tutora, uma advogada e professora residente na capital mineira, em voo para Florianópolis, o juiz Leonardo Guimarães Moreira, do Juizado Especial de Pedro Leopoldo, afirmou que é ‘incabível’ que empresas aéreas ‘considerem os animais como objetos’.
"Não se trata aqui de transporte de coisa, nem de bagagem, mas sim de uma vida, que faz parte da denominada família multiespécie", pontou ao magistrado em mais uma decisão proferida na esfera do chamado Direito Animal.
No despacho, o juiz ainda ressaltou que, segundo estimativa do IBGE feita em 2019, 139,3 milhões de lares brasileiros contam com animais de estimação.
O magistrado tornou definitiva uma liminar que havia concedido no sentido de determinar que a Azul Linhas Aéreas permitisse o embarque do coelho na cabine, mediante o pagamento da taxa de transporte de R$ 250 pela tutora, sob pena de multa de R$ 5 mil.
Entre a concessão da liminar, em 22 de setembro de 2021, e a sentença dada na quarta-feira, 4, a Agência Nacional de Aviação Civil alterou a regulamentação, de modo a liberar os coelhos em voos em território brasileiro. Nesse meio tempo, a tutora de Blu conseguiu embarcar com o coelho, mas a Azul contestou a decisão provisória dada por Moreira, o que levou ao prosseguimento da ação.
A mudança na regra da Anac se deu em razão de uma decisão proferida pela 6ª Vara Federal de Curitiba no dia 8 de março a pedido das ONGs Sou Amigo e Grupo de Apoio aos Coelhos. As entidades acionaram a Justiça para que a agência e expedisse regulamentação disciplinando a autorização para o transporte de coelhos em cabines de aeronaves.
Segundo Guimarães, tal despacho citou ‘grande parte’ da decisão provisória concedida no caso de ‘Blu’. O magistrado também indicou que, ao ingressarem com a ação na Justiça, as ONGs mencionaram não só o coelho da advogada mineira, mas também o caso de ‘Alfredo’, coelho que foi impedido de viajar na cabine do avião em novembro de 2021, mesmo com decisão liminar autorizando o embarque.
O juiz ressaltou ainda que, antes da edição da resolução pela Anac, ‘houve uma verdadeira avalanche de ações’ pedindo o embarque de coelhos nas cabines. Segundo Guimarães, tal movimentação demonstra não só o ‘anseio’ de tantos tutores, mas a ‘injustiça cometida com os coelhos até então, que foram submetidos à viagem como objetos no porão, muitas vezes acarretando em óbito desses animais’.
"Posiciono-me na corrente de vanguarda na qual os animais devem ter consideração moral também com relação ao seu bem-estar, e conforme informado no relatório veterinário, o coelho não tem condições de viajar num porão de uma aeronave sem que sua própria vida seja comprometida. Ou seja, infere-se do citado atestado que os coelhos são seres extremamente frágeis e que, consequentemente, teriam seu bem-estar prejudicado caso fossem compelidos a viajar como bagagem num porão", ressaltou.
No caso em questão, a tutora de Blu ingressou com a ação alegando que foi impedida de comprar um bilhete de viagem para seu coelho de estimação, apesar de cumprir todos os requisitos para transporte de animais na cabine do avião. O argumento para barrar ‘Blu’ foi o de que coelhos não eram considerados animais de estimação pela Anac.
A advogada argumentou que a negativa era ‘injusta’, uma vez que seu coelho ‘não emite sons, é de pequeno porte, está saudável’. Além disso, no curso da ação, juntou aos autos, fotos da família com o coelho, atestado de saúde de Blu e um relatório da veterinária que dizia que o coelho não poderia ser transportando no porão e correria risco de óbito caso não viajasse na cabine.
Em resposta, a Azul alegou que não houve ‘falha na prestação do serviço’ e que os argumentos da tutora de Blu não seriam capazes de comprovar a tese de que coelhos devem ser considerados aptos para transporte em cabines de aeronaves. A empresa também argumentou que o fato de coelhos serem considerados animais domésticos pelo Ibama não justifica seu transporte no interior do avião, além de sustentar que não havia comprovação de que o coelho seja ‘um animal de suporte emocional’ e o poderia ser alocado no porão de cargas.
O juiz Leonardo Guimarães Moreira considerou que o que estava sendo analisado no processo é a ‘forma como a empresa aérea determinou como um membro de uma família multiespécie fosse transportado como carga no porão’. O magistrado disse não ver ‘qualquer razoabilidade’ em tal entendimento.
"Não encontramos nenhuma justificativa - a não ser o especismo (discriminação em razão da espécie) - para que um coelho, um ser sensível e frágil, que pesa menos de 2 quilos, não emite som, não perturba o sossego nem a higiene dos passageiros, fosse compelido a passar pelo estresse de ficar num porão, misturado às malas e a outros objetos, sem iluminação, sem garantia de temperatura regulada durante a permanência na pista de pouso/decolagem, no meio de ruídos, entre outros incômodos e com risco de morte, conforme atestou a médica veterinária", ponderou.
Segundo o juiz, a Azul não comprovou a diferença entre o transporte de gatos e cachorros para o transporte de coelhos, ‘mesmo mais fácil de transportar, devido ao seu tamanho menor que um gato’. O magistrado disse ainda que a companhia não apresentou um motivo para que o transporte do coelho Blu fosse inviável na cabine e também não conseguiu comprovar a segurança no transporte de um coelho de menos de 2 quilos num porão juntamente com bagagens e objetos.
"Restando comprovado nos autos que o coelho Blu gozava de boa saúde, não apresentando risco à saúde humana, e que, 6 (seis) meses após a concessão da tutela, a Anac regulamentou a autorização do transporte dos coelhos em cabines de aeronaves. Portanto, ficou evidente a ausência de justificativa para o impedimento do embarque", ressaltou.
COM A PALAVRA, A AZUL
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