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Partidos querem cargos para roubar, diz Abramo

Em entrevista, diretor de ONG de combate à corrupção explica as causas desse crime no Brasil e diz que punir diretores de empreiteiras não resolve o problema.

EXAME.com (EXAME.com)

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Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 4 de dezembro de 2014 às 12h22.

São Paulo - A principal causa de corrupção no Brasil é a indicação de pessoas ligadas a partidos políticos para cargos públicos. Quem diz isso é Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, ONG que há 14 anos atua no combate à corrupção no país.

Ex-diretores da Petrobras indicados por partidos tornaram-se nomes frequentes no noticiário após a Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na estatal. Em entrevista a EXAME.com, Abramo afirma que o interesse dos políticos nessas diretorias é claro: “O que os partidos querem com aquilo? Querem roubar”, afirma.

Ele ressalta, porém, que esse loteamento não é restrito à estatal ou ao governo federal. “Todos os estados e municípios do país funcionam assim”, diz. Questionado se isso significa que há corrupção em todos esses lugares, ele responde: “Completamente. É impossível não ter”. 

Abramo falou também sobre o financiamento de campanha, outro tema que ganhou destaque com o escândalo de corrupção na Petrobras. Esta semana, um executivo admitiu que pagava propina a agentes públicos através de doações oficiais ao PT.

Para o diretor-executivo da Transparência Brasil, impedir que empresas financiem campanhas não vai resolver o problema. "O dinheiro que hoje é de caixa 1 vai se transferir para o caixa 2", argumenta.

Sobre as prisões recentes promovidas pela Lava Jato, Abramo se mostra pouco otimista. Para ele, punir não resolve o problema.

“A gente está ouvindo há 3 mil anos: ‘Não roubarás’. Isso não adianta nada. O que se quer é não ter que punir”, argumenta.

Leia os principais trechos da entrevista:

EXAME.com – Quais brechas permitiram que esse esquema de corrupção se instalasse na Petrobras?

Claudio Weber Abramo - Corrupção não é nada mais do que uma forma de ineficiência do funcionamento das estruturas. E corrupção se deve sempre a causas objetivas.

Ao que parece, e parece muito óbvio, no caso da Petrobras você tem uma causa institucional, que é algo que foi apontado desde 1997. É o regulamento de licitações, que é muito permissivo na Petrobras. Isso sempre foi apontado como vulnerabilidade.

EXAME.com – Permissivo em que sentido?

Abramo - Ele dá excessivas oportunidades para que o gestor, no caso o sujeito da Petrobras, decida quem vai vencer uma licitação, e ele ainda coloca barreiras à contestação dessas decisões dos gestores.

Numa situação como essa, é muito alta a probabilidade de, por um lado, o gestor usar desse poder para cobrar propina e achacar fornecedores, e, por outro, os fornecedores se acertarem entre si na formação de cartel. Isso é claramente uma causa.

EXAME.com – Há outras causas?

Abramo - Outra causa que transpareceu no desenrolar do caso, e que também é muito comum no Brasil, é a inexistência virtual de mecanismos internos de controle.

Quando me refiro a mecanismos de controle não estou falando de uma auditoria após o fato. Em qualquer estrutura, as decisões das pessoas precisam ser checadas. Precisa ter alguém que diga: ‘Como você chegou a essa decisão?’. E as informações que foram usadas para tomar essas decisões também precisam ser sistematicamente checadas. São coisas elementares. 

EXAME.com – Qual o papel das indicações políticas para as diretorias da Petrobras?

Abramo - Esse loteamento é feito para satisfazer as necessidades do governo de ter uma base de apoio no Congresso. E é feito com o entendimento implícito de que eles não serão controlados. Mas por que um partido político quer uma diretoria da Petrobras?

Não se pode imaginar nenhuma espécie de objetivo de natureza ideológica. Porque a Petrobras, afinal, é uma empresa de exploração de petróleo. Então, o que os partidos querem com aquilo? Querem roubar. É isso que eles querem. Muito simplesmente. O loteamento do Estado é feito para permitir aos partidos políticos roubarem. 

EXAME.com – Não há outro objetivo?

Abramo - Também tem outra finalidade, que não se aplica à Petrobras, mas se aplica ao resto do Estado brasileiro – governo federal, governos estaduais e municipais – que é dar emprego para a "cupinchada". Então tem dois objetivos: dar emprego para as pessoas e roubar. É uma situação que não podia dar certo.

EXAME.com – Como evitar que surjam novos casos de corrupção no futuro?

Abramo – É preciso trabalhar com as causas. No meu entender, dentre as causas para a corrupção no Brasil, em primeiro lugar está a facilidade com que os chefes de Executivo nomeiam pessoas para ocupar cargos de responsabilidade na administração. São nomeações livres e isso é uma garantia constitucional.

No governo federal, só os cargos elevados na administração são 22.500. Esses são os cargos que são loteados. Depois você tem uma porção de cargos que não estão nessa categoria, mas que também são de nomeação. 

Estendendo isso para todos os estados e municípios brasileiros, porque todos funcionam assim, isso vai dar mais de milhão de pessoas que estão aí se aproveitando do Estado. São pessoas que não estão servindo ao interesse público, mas ao interesse partidário. Porque esses são cargos que foram loteados para satisfazer os interesses dos partidos políticos. Essa é uma causa óbvia de corrupção.

EXAME.com – Considerando que esse loteamento de cargos existe no governo federal, em todos os estados e em todos os municípios, podemos presumir que em todos esses lugares há corrupção?

Abramo - Completamente. Como, presumir? É praticamente um teorema. É impossível não ter. Porque, se você dá a oportunidade, haverá um contingente que se aproveitará. É inevitável que isso gere corrupção, porque você dá liberdade, e ainda tem um compromisso implícito de não vigilância. Só pode dar nisso, em roubalheira.

EXAME.com – Acha que é possível melhorar esse quadro?

Abramo - Numa situação em que um ministério ou secretaria estadual ou subprefeitura é loteada partidariamente, a última coisa que aquele gestor quer é que a estrutura se modernize, que se torne mais eficiente, que melhore seus mecanismos de controle.

Essas forças todas agem contra a modernização do Estado, porque isso seria contra os seus interesses. Esse é um obstáculo muito sério.

Mas, mesmo se você conseguir fazer uma redução do loteamento, é preciso contar que existirá um prazo relativamente longo, de mais de década, eu diria, para que a estrutura do Estado se adapte a isso.

Se você tem uma estrutura que tem muita gente incompetente, e são pessoas que têm direitos, a única coisa que vai resolver isso é se as pessoas morrerem. As pessoas vão ter que se aposentar, morrer e tal para serem substituídas gradualmente. Não acontece de uma vez só.

Não entenda que eu estou pregando o fuzilamento coletivo de funcionários públicos... 

EXAME.com – Faz sentido falar em cultura da corrupção?

Abramo - Não adianta falar em cultura da corrupção, como é tão comum. Ongueiros de todo o tipo [dizem isso], o ministro da Justiça, e o advogado do cara ladrão lá, que disse: ‘é a cultura’, ou então: ‘são os hábitos’.

Eu acho particularmente deletéria essa história de cultura da corrupção, porque desculpa todo mundo. Afinal, eu só roubei porque todo mundo rouba! É mais ou menos isso, não? Eu só direcionei licitação, ou então só fiz cartel porque essa é a regra do jogo, essa é a cultura.

Cada vez que você ouvir “cultura da corrupção”, você logo pense: isso é embromação. Isso aí não quer dizer nada.

EXAME.com – O nosso sistema de financiamento de campanha facilita a corrupção?

Abramo - Vamos dizer que não possa haver financiamento privado de campanha eleitoral. Por favor, alguém poderia me explicar por que isso evitaria que um grupo de empresas se reunisse em cartel para fraudar uma licitação pagando propina para agente público? O que o financiamento eleitoral tem a ver com isso?

O financiamento eleitoral pode ser usado para alavancar direcionamento de licitação pública? Claro que sim. Mas isso não significa que a recíproca, de que a corrupção se deve a isso, seja verdadeira.

EXAME.com – Fala-se em proibir o financiamento de empresas.

Abramo - Se isso for para frente, vai acontecer que o dinheiro que hoje é de caixa 1 vai se transferir para o caixa 2. Porque o interesse das empresas em influenciar as eleições não vai desaparecer por conta de um pedaço de papel. Nem o interesse dos políticos de receber esse financiamento vai desaparecer.

Agora, é certamente prejudicial que o capital tenha algo a dizer com respeito a eleições. Melhor seria se o capital não pudesse fazer isso. Só que não é viável, esse ideal não é atingível.

EXAME.com – Qual seria uma solução viável?

Abramo – O que se verifica é que existe uma grande disparidade no montante que as empresas aplicam em eleições. Nas últimas eleições, os dados da segunda prestação de contas parcial davam conta de que, das várias milhares de empresas doadoras até aquela data, 30 tinham sido responsáveis por 50% do total arrecadado.

Então, o que acontece? Elas têm um poder de fogo absurdo. Como é que você mexe com isso? Você estabelece um teto absoluto. Uma empresa só pode dar R$ 1 milhão. Assim, você reduz enormemente essa disparidade e dilui o poder de influência dos doadores.

O problema com o poder de influência não é que muitos tenham, é que poucos tenham. Se você faz com que o poder de influência seja de muitos, você protege mais o político contra a pressão.

EXAME.com – A Operação Lava Jato tem sido comparada à Operação Mãos Limpas, que ocorreu na Itália nos anos 1990 e também investigou esquema de corrupção envolvendo empreiteiras. O senhor vê semelhanças?

Abramo - A ver. O caso italiano resultou na destruição do Partido Socialista e do Partido Democrata Cristão, que eram os partidos dominantes no país. E isso deu no Berlusconi [primeiro-ministro da Itália de 2001 a 2008]. Então, não se tem uma coisa que seja puramente benéfica.

EXAME.com – A Itália continua convivendo com casos de corrupção, inclusive que envolveram Berlusconi. O que podemos aprender com isso?

Abramo - Na Itália e no Brasil, temos a tendência de achar que punir resolve. A gente está ouvindo há 3 mil anos: “Não roubarás”. Isso não adianta nada. Proselitismo de natureza moral não resolve. Punir é importante, mas não é a solução. O que se quer é não ter que punir e não usar a punição como se fosse a panaceia. O mundo não muda por punição.

EXAME.com – As prisões de presidentes de construtoras e ex-diretores da Petrobras não terão efeito no longo prazo, então?

Abramo - Isso não resolve o problema no longo prazo. É evidente que há um valor simbólico nisso. Mas o efeito disso, o significado histórico, isso é impossível responder agora.

Uma das coisas que me parece improvável é que esses exemplos sirvam de desincentivo de natureza moral. Esses caras estão aparecendo em escândalos há décadas, eles não se lixam! É muito comum no setor privado achar que existe risco reputacional. Não existe.

EXAME.com – É possível saber se o Brasil tem mais corrupção do que outros países no mundo?

Abramo - Não dá para saber no sentido material, da evidência empírica. Mas sabemos o seguinte: para que corrupção possa ser mais bem controlada, você precisa de um arcabouço legal normativo que seja menos ineficiente, e precisa de um aparelho de Estado que seja eficiente, do ponto de vista de vigiar bem se a alocação dos recursos é racional ou não, por exemplo.

Onde é que você encontra situações em que isso esteja dado? Nos países ricos. País pobre não tem isso. Não tem recurso para ter. Portanto, onde vai encontrar corrupção? Nos países pobres. Então, entre os países, o Brasil está num lugar mais ou menos. Não é o Togo, mas não é a Noruega.

EXAME.com – É uma questão de recursos, então?

Abramo - É desenvolvimento econômico. Vamos transportar esse raciocínio da comparação entre países para a comparação entre municípios brasileiros. Aproximadamente 40% dos municípios brasileiros dependem de repasses da União ou dos estados em mais 90% dos seus orçamentos.

Isso quer dizer que o dinheiro que vem não foi gerado no município, porque não tem atividade econômica no lugar. Numa situação como essa, você acha que existe ali a possibilidade de se criar alguma espécie de grupo de vigilância do que acontece na prefeitura? Uma ONG, por exemplo? Como isso poderia acontecer, se todo mundo depende da prefeitura, direta ou indiretamente? Ou a pessoa trabalha para a prefeitura, ou vende para a prefeitura ou ainda tem uma irmã, um cunhado que depende da prefeitura.

Nesse lugar não vai acontecer contraditório. Aí dizem que isso é a democracia. Nada, isso é a esculhambação completa. Não vai acontecer nada ali que seja propício à racionalização do uso do dinheiro público. Por isso que, se um dinheiro não é gerado num lugar, esse lugar não pode gerir o dinheiro.

Veja trechos da entrevista no vídeo:  

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