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Paes de Barros: “precisamos de mais escolas privadas”

Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor titular do Insper, é um dos criadores do Bolsa Família e uma das vozes mais sensatas a defender o aprofundamento dos programas sociais – e sua revisão em um período de reavaliações como o atual. Em entrevista a EXAME HOJE, ele falou sobre como […]

RICARDO PAES DE BARROS: “não ter as melhores mentes do país trabalhando em educação é um problema” / Divulgação

RICARDO PAES DE BARROS: “não ter as melhores mentes do país trabalhando em educação é um problema” / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2016 às 19h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor titular do Insper, é um dos criadores do Bolsa Família e uma das vozes mais sensatas a defender o aprofundamento dos programas sociais – e sua revisão em um período de reavaliações como o atual. Em entrevista a EXAME HOJE, ele falou sobre como nosso planejamento em educação precisa ser mais ambicioso e que não ter as melhores do mentes país trabalhando em educação é um problema.

A desvinculação dos recursos da União, para dar maior margem de manobra ao governo no ajuste de contas, pode afetar os investimentos em educação?
Acima de tudo, estamos precisando de um projeto de meritocracia. Precisamos que o dinheiro vá para a educação porque existe um projeto. Assim, a educação brasileira poderia ter mais recursos mesmo sem a vinculação. E tem que ter cobrança no andamento, pois se não houver resultados o dinheiro tem que ser realocado para outra iniciativa. Não tem área no Brasil que deveria ser mais candidata a bons projetos e canalização de recursos que educação.

O Plano Nacional de Educação, que estabelece metas de longo prazo, não é um bom projeto?
Bom ele é. Mas poderia ser muito melhor. É relativamente pouco arrojado e modesto. Precisávamos de um projeto mais agressivo. As metas deveriam ser mais ambiciosas, porque com o estabelecido atualmente não vamos alcançar o Chile, por exemplo. Muitas escolas brasileiras já alcançaram as metas do PNE, mas ainda estamos uma geração atrás do Chile. É um projeto para caminhar na velocidade do Chile e manter a distância. Nós precisamos de um plano arrojado que nos permita caminhar 50% mais do que o PNE e ir reduzindo a distância do Chile de tal maneira que daqui a 20 anos nós estejamos menos defasados.

Em educação, pensa-se a longo prazo. Existe algo efetivo que pode ser feito no curto prazo e que seja visível em pouco tempo?
Nós temos uma riqueza de bons exemplos sensacional. Temos vários lugares no Brasil com renda muito baixa e poucos recursos que conseguem educar muito bem, alcançando níveis chilenos e da OCDE. Por que o Brasil não está copiando, de maneira adaptativa, essas experiências? Se fôssemos um país que documenta muito bem os casos de sucesso, divulga e incentiva outras escolas a adotarem essas ideias poderíamos ter um impacto de curto prazo muito grande. Para saber que esses casos existem, é preciso um sistema de monitoramento. Isso nós já temos. O que falta agora? Falta documentar esses casos de sucesso. O Brasil é um laboratório de pesquisas educacionais meio maluco. Existem 5.500 municípios fazendo experimentos, muitos fantásticos. O mesmo Inep que mostra que Brejo Santo é tão bom não explica o porquê Brejo Santo, no Ceará, é tão bom.

Recentemente, o senhor afirmou que todo processo de privatização é bem-vindo. Diminuir os entraves estatais para que tenhamos mais escolas privadas no Brasil pode melhorar o nível e o número de alunos? Proliferar escolas privadas seria bom para o Brasil?
A resposta é sim. Mas ela é maior do que isso. O estado de São Paulo tem 200.000 professores. Gerenciar esse número de funcionários é difícil. Na Holanda, por exemplo, não há nenhuma escola estatal. O nosso erro é achar que o acesso público à escola tem que se dar por escolas estatais. Pode ser perfeitamente uma escola privada, com um serviço regulado pelo Estado, em que ele entra pagando a conta, sem discriminar alunos. Um secretário de educação tem que cuidar da qualidade dessas escolas. Quem cuida do professor é o gestor privado, quem cuida se tem que pintar uma parede é a escola. Não existe razão para as escolas serem estatais, mas existe uma boa razão para elas serem públicas. Mas é preciso tomar cuidado, porque esse processo de privatização pode ser desastroso. É necessário que haja um bom provedor de serviços para isso. É um mercado: o provedor não pode falir no meio do ano, não pode dar um balão no Estado, não pode acordar algo em contrato e não cumprir.

No ensino superior, como as universidades públicas podem aumentar o rendimento sem necessariamente cobrar mensalidade?
O gasto por aluno na educação superior brasileira é muito alto, como porcentagem do PIB comparado com outros países. Em certo sentido, é difícil argumentar que a universidade pública brasileira está recebendo pouco dinheiro. Logo, deve ter um problema grande de ineficiência. Seja porque gasta-se muito com o pagamento dos aposentados, seja porque o tamanho da sala de aula é pequeno, ou porque ela usa muito pouco intensivamente o quadro de professores. O Brasil tem poucos alunos em educação superior e a fração financeira é muito grande. É preciso transformar alguns pesquisadores em professores em tempo integral, para que possamos colocar mais alunos no ensino público. Foi o que o Reuni [programa do governo federal] tentou fazer, baixando o custo por aluno. Fora essas ineficiências, o financiamento da universidade poderia ser aumentado de duas maneiras: cobrando daquelas pessoas que pagam pela escola quando estavam no ensino médio e tendo relações entre a universidade pública e as empresas privadas que permitam o financiamento.

Alguns críticos do FIES afirmam que o projeto é um “cheque em branco”. O senhor concorda com essa afirmação?
Eu não analisei o FIES no detalhe. Mas eu posso dizer que todo país que tem um sistema universitário majoritariamente privado precisa do FIES. O desenho do projeto parece ter sido muito pouco bem cuidado, o que elevou o preço da educação para o governo. Isso leva à insolvência do sistema. Se precisamos de um projeto como esse, ele tem que ser bem desenhado. Isso não é uma ciência espacial, já foi feito em vários países do mundo. Já resolvemos problemas no país muito mais complicados do que esse. 

A possível venda da Estácio para a Kroton, que levaria a uma alta concentração do mercado de educação superior, é prejudicial ao sistema educacional?
Não deve ser muito saudável. Essa parcela de mercado nas mãos de um grupo com fins lucrativos deve ser ainda mais difícil de regular. Se existisse uma boa agência pode ser que ela impedisse isso. Nós não estamos tratando esse caso da Estácio com a importância que estaríamos se fosse na indústria petroquímica, por exemplo. A educação devia ter mais importância, seja pra distribuir renda, seja para reduzir a pobreza. Não ter as melhores mentes do país trabalhando em educação é um problema.

(Luciano Pádua e Thiago Lavado)

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