Marina: "se reduzirmos a eleição a pessoas, ainda que sejam muito importantes, a gente vai diminuir a importância do debate para os problemas que estamos vivendo" (Wilson Dias/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 08h12.
São Paulo - A pré-candidata da Rede à Presidência da República, Marina Silva, defendeu que a "lei deve ser para todos", mesmo se significar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP).
"Não temos que ter uma lei para o Lula, para o Aécio, para o Jader Barbalho ou para o Renan Calheiros", disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a ex-ministra do Meio Ambiente na gestão do petista.
Ao lado do ex-governador Ciro Gomes (PDT), Marina é a maior herdeira do eleitorado petista, em um cenário de ausência de Lula nas urnas, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Questionada como pretende arregimentar esses votos, ela afirma que "o voto não pertence nem aos partidos, nem às figuras políticas". A disputa, segundo diz, segue aberta até outubro.
O ex-presidente Lula foi condenado na segunda instância e corre risco de não concorrer nas eleições de outubro. Como seria uma eleição sem Lula?
Se reduzirmos a eleição a pessoas, ainda que sejam muito importantes, a gente vai diminuir a importância do debate para os problemas que estamos vivendo.
Lula está fazendo aquilo que a lei lhe assegura, que é buscar todos os mecanismos de revisão para as decisões que foram tomadas pela Justiça.
Meu entendimento, com base nos autos, é que foi uma decisão técnica. Obviamente que ele tem o direito de fazer esse percurso, mas chegará o momento em que teremos que nos deparar com o cumprimento da lei e eu advogo que a lei deve ser cumprida por todos, independente do poder econômico ou político. Espero que nessas eleições cada candidatura se coloque independente dos concorrentes.
A sra concorda com a condenação? Se ela for confirmada, após recursos, Lula deve ser preso?
A lei deve ser para todos. Não podemos ter dois pesos e duas medidas, essa é a minha posição. Você não pode ter a demanda por impunidade em função de quem está sendo julgado, nem a demanda por justiça, por vingança em função da pessoa que está sendo punida.
Temos que ter o correto equilíbrio - justiça é reparação. Quem errou vai cumprir sua pena de acordo com o que é estabelecido pela lei, assegurados todos os direitos da democracia.
Obviamente que a gente precisa agora cumprir com o imperativo ético do fim do foro privilegiado. Com certeza, com isso, não teríamos seis ministros escondidos no Executivo, o próprio presidente da República e cerca de 200 parlamentares investigados na Lava Jato.
Os parlamentares que têm foro, alguns deles investigados, se não fosse o autoinduto que lhes deram, estariam provavelmente nas mesmas condições que está o ex-presidente Lula.
Nós não temos que ter uma lei para Lula, para Aécio (Neves), para Jader Barbalho ou para Renan Calheiros.
A Lava Jato é alvo de crítica de setores da política. A operação cometeu algum excesso?
A ação do MP, de parte da Justiça, da Polícia Federal, que se materializou em uma frente chamada Lava Jato é uma das maiores contribuições que nós temos para o País desde a retomada da democracia.
E hoje ela (Lava Jato) está sob ameaça, porque há uma aliança dos grandes partidos, das lideranças dos grandes partidos, porque todos estão envolvidos, em enfraquecer os trabalhos.
A sra se arrepende de ter apoiado no segundo turno, em 2014, Aécio Neves (PSDB-MG)?
Se fosse hoje, jamais teria dado o apoio. Se tivéssemos as informações que foram trazidas pela Lava Jato, com certeza a maioria (da população) não teria votado, declarado apoio, nem na Dilma, nem no Aécio. Porque ambos eram praticantes dos mesmos males e mazelas da corrupção e do caixa 2.
Jair Bolsonaro (PSC-RJ) aparece liderando o primeiro turno nas pesquisas eleitorais. O deputado também disputa com a sra o eleitorado evangélico?
É um momento difícil, em que a sociedade está envergonhada, decepcionada com tudo que aconteceu. Nesses momentos, sempre surgem aqueles que querem evocar o lado cinza da força.
Vou entrar nessa campanha oferecendo, literalmente, a outra face. Para a face do ódio, a face do amor. Porque eu já sei o que me espera. Me dirijo aos cidadãos debatendo ideias e respeitando cada uma dessas pessoas.
Nós estamos num Estado laico. Estado laico não é Estado ateu, devemos ter respeito pela liberdade de expressão, inclusive a religiosa. Sou cristão evangélica. Nunca fiz do púlpito um palanque e do palanque um púlpito.
Num cenário sem o Lula, a sra e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) seriam os maiores beneficiados. Como pretende atrair o eleitor simpático a Lula e ao PT?
Desde 2010, digo que o voto não pertence nem aos partidos, nem às figuras políticas. Eu tenho uma atitude de respeito por todos os eleitores, seja do Lula, do Ciro, do Bolsonaro.
O cidadão brasileiro ainda não fechou em quem ele vai votar, ele só vai fazer isso no dia das eleições quando apertar o botão na urna. Até lá, temos que ter uma atitude de diálogo com as pessoas, porque o voto não pode ser privatizado.
Como vai superar o pouco tempo de TV e de fundo partidário na sua campanha?
Com a participação do povo brasileiro. Acho que esses que fazem campanhas com montanhas de dinheiro, apostando apenas no marqueteiro, é que levaram o Brasil pro buraco.
Como vê uma eventual candidatura de Luciano Huck e Joaquim Barbosa?
A renovação política é necessária, é preciso que se recrute novos quadros para a política. Ainda que uma figura como o Joaquim Barbosa venha para a política e possa contribuir sim, nós temos que olhar para a estrutura institucional que está sendo pensada, para que a renovação não seja apenas nominal.
Quando falamos de renovação política na Rede, estamos falando de novos processos e novas estruturas. Tenho muito respeito pelo ministro, pela contribuição que deu para a sociedade, e respeito o processo que ele está vivendo, em busca de alternativa para viabilizar sua candidatura. Sou da natureza de que "quanto mais estrelas no céu, mais claro o caminho".
Políticos citados na entrevista de Marina Silva rebateram as declaração da ex-ministra. A assessoria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse: "A lei é para todos, por isso mesmo que não se sustenta uma condenação que não apresenta provas nem atos criminosos, sobre um apartamento que não é do ex-presidente Lula. Justamente pela lei ser a mesma para todos que Lula tem direito de disputar as eleições em 2018".
Em nota, Renan Calheiros (MDB-AL) disse defender o fim do foro privilegiado para todas as categorias. "Marina está enganada.
Ela não deveria fazer acusação a esmo, sem conhecer caso a caso. É irresponsável." Aécio Neves e Jader Barbalho não se manifestaram. O Palácio do Planalto não quis comentar a declaração de Marina.