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O que falta para a curva do coronavírus cair no Brasil?

Os números globais mostram que o coronavírus é muito difícil de controlar em países pobres. Ainda assim, o Brasil está falhando em um ponto crucial

Exército desinfeta o Cristo Redentor no Rio: casos de coronavírus vêm caindo no estado, mas novos picos de contágio são risco à reabertura (Ricardo Moraes/Reuters)
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Carolina Riveira

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 11h58.

Última atualização em 13 de agosto de 2020 às 16h48.

Governantes vêm afirmando que o Brasil chegou a um plateau na disseminação do novo coronavírus. Mas é um plateau incômodo, com mais de 1.000 mortes e mais de 30.000 ou até 50.000 casos registrados diariamente. Com a reabertura em algumas cidades e cenas de aglomeração se repetindo, a tendência é que o número de casos não diminua de forma consistente tão cedo em vários lugares.

Na busca pela queda da curva, um novo estudo da consultora Bain&Co mostra que um dos maiores gargalos na luta brasileira contra o coronavírus vai muito além de multidões sem máscara em bares e praias: passados seis meses do começo da disseminação do vírus na China, o Brasil ainda faz pouquíssimos testes.

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Desta vez, o problema não é necessariamente a falta de testes que se viu no começo da pandemia, com dificuldade na importação dos insumos diante da corrida global pelos equipamentos. Agora, o Brasil tem mais testes, mas ainda não conseguiu ao longo dos últimos meses organizar a aplicação.

A cada três testes feitos no Brasil, um é positivo. A taxa de positivos é muito alta se comparada a outros países no mundo. Significa que quem chega ao ponto de fazer um teste no Brasil já está com sintomas ou chances mais altas de ter a doença.

No Reino Unido, a taxa é de 30 testes para 1 positivo, segundo os números compilados pela Bain com base em dados oficiais. Na Itália, 27 para 1. Nos EUA, país similar ao Brasil em população e variação entre regiões, a taxa média do país é 12 testes a cada positivo.

A taxa não é melhor nem em estados ricos no Brasil, como São Paulo (2 testes para 1 positivo), Paraná e Santa Catarina (4 testes para 1) e Rio Grande do Sul (6 para 1, ainda assim o segundo melhor do Brasil). O único estado perto dos países desenvolvidos é a Paraíba, com 11 testes a cada caso positivo. O caso mais alarmante é no Rio de Janeiro, onde a média é de 1 teste para cada 1 positivo, ou seja, quase todos os que testaram estavam contaminados.

Na prática, torna-se muito difícil descobrir um caso assintomático -- e esse único caso pode levar a um caos completo em uma cidade ou bairro. "Esse é um fator que pode atrapalhar muito a reabertura econômica", diz o sócio da Bain&Co, Ricardo Gold, um dos organizadores do estudo.

“O Reino Unido, que é do tamanho de São Paulo e fez tudo errado no começo, depois mudou de rota: chegou a fazer 80.000 testes por dia e contrataram pessoas para rastrear esses diagnósticos positivos, com quem entraram em contato… Teve país que usou app para o mesmo fim. Mas o Brasil nunca fez isso de forma consistente”, diz.

Gold aponta que o Chile também vem empregando boas práticas em testagem, com 25.000 testes por dia e taxa de 12 testes a cada 1 positivo.

A forma mais barata de combater o vírus

Os dados de outros países compilados pela Bain apontam que há três fatores que podem fazer a curva do coronavírus cair. Dois estão fora do controle do Brasil: primeiro, saem na frente os países com uma demografia favorável, com menos idosos, cidades menos cheias e pouco uso do transporte público. Não é o caso das metrópoles brasileiras.

Depois, também conta o número de contaminados anteriormente. Cidades como São Paulo, Rio e Manaus, onde a pandemia foi pior no começo, já passaram por seus picos -- em alguns lugares às custas do colapso do sistema de saúde, como em Manaus. Agora, têm mais pessoas tendo desenvolvido anticorpos à doença.

O último estudo da Unifesp e da USP na capital paulista estimou que 18% da população já têm anticorpos contra o vírus. Estimativas variam e ainda não são comprovadas, mas apontam entre 5 e 10% e até mais de 50% de taxa de imunização para reduzir o contágio. Em estados no interior, ainda não se chegou a esse ponto.

Por fim, dentre todos esses aspectos, o último é reabrir com controle e estar preparado para novos picos em lugares específicos. Mesmo com a reabertura, serão mais bem-sucedidos os países que implementarem medidas como máscaras, distanciamento em espaços públicos e o já citado rastreamento dos infectados. É o ponto mais crucial e o mais possível de ser feito sem depender de fatores externos.

"Dada a experiência dos outros países, há algum aumento no número de casos na reabertura, mas a chave é compensar a flexibilização da quarentena com medidas de mitigação", diz Gold. "Essa é a forma mais barata de combater o vírus e recuperar a economia."

Restaurante: reabertura sem política de rastreamento dos infectados é gargalo do Brasil (Germano/Exame)

A saída é a regionalização

Nesse contexto, ter dados transparentes sobre cada lugar é importante porque pode ajudar governantes a responder localmente aos problemas. Na Alemanha, o governo decidiu por implementar lockdown novamente em duas regiões onde havia picos de casos, ainda que pequenos perto dos números do Brasil. A Nova Zelândia, que passou 100 dias sem casos, fechou Auckland depois de dois novos contágios. A Austrália também fechou Melbourne, uma de suas principais cidades.

Gold aponta que é difícil comparar o Brasil com países do exterior por características socioeconômicas e de tamanho, mas é justamente por isso que a resposta precisa ser regionalizada. “Não existe uma curva Brasil. Existe cidade versus interior, estado a estado, existem os microcosmos”, diz.

No Brasil, embora haja planos regionalizados, é mais difícil para os governantes acertar a mão e prever picos de contágio se só quem tem sintomas será diagnosticado.

Gold também aponta que o acesso a testes ficou muito centralizado no governo federal, que tinha mais recursos no começo da pandemia, e que há uma dificuldade grande em ter números confiáveis sobre os testes privados, o que inviabiliza os esforços de rastreamento pós-teste.

Para reduzir a curva, é preciso que o R, a taxa de contágio, fique abaixo de 1, isto é, uma pessoa transmita a menos de outra pessoa. É preciso não só testar, mas verificar com quem os infectados tiveram contato, que locais frequentaram, quem mais precisa ser isolado.

Um agravante é que a covid-19 é mais rapidamente transmissível do que outras pandemias que o mundo já viveu. Uma pessoa infectada sem distanciamento social (no chamado R zero, ou contágio inicial) pode infectar entre quase quatro e nove pessoas. O R zero da gripe espanhol ficava entre 1,5 e 1,8 e o da gripe suína, entre 1,3 e 1,7.

Isso tudo faz com que seja muito difícil controlar a pandemia em países pobres e sem medidas de mitigação.

Apesar da reabertura longe do ideal, pistas do que pode acontecer com as cidades da "primeira onda" brasileira, como São Paulo e Rio, dificilmente estarão em pequenas cidades da Europa, mas podem estar em cidades igualmente lotadas e desiguais, como Nova York, diz Gold.

Por lá, o comércio já reabriu há mais de dois meses e, enquanto o resto dos EUA sofre com uma segunda onda do vírus, Nova York segue com números estáveis.

Mas, também em Nova York, o número de testes é maior do que nas capitais brasileiras. Como a taxa de mortes foi muito maior do que em São Paulo, o número de habitantes com contato com o vírus chegou a 70% em algumas regiões, o que também facilita neste momento. "Se Nova York vai ter ou não uma segunda onda é uma pergunta que diz muito sobre São Paulo", diz Gold.

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