O que a lei permite ou não nas carnes que você come
Para o Ministério da Agricultura, operação Carne Fraca exagerou na narrativa; mas, afinal, o que está liberado (ou não) no processamento das carnes?
Valéria Bretas
Publicado em 24 de março de 2017 às 10h44.
Última atualização em 24 de março de 2017 às 12h49.
São Paulo – Na última semana, a Operação Carne Fraca , a maior da história deflagrada pela Polícia Federal, levantou uma série de dúvidas sobre o que pode ou não ser adicionado na elaboração de carnes.
O Ministério da Agricultura, contudo, avaliou como exagerada a narrativa sobre o caso.
Segundo o ministro Blairo Maggi, algumas das medidas apontadas como irregularespelos investigadores são, na verdade, práticas autorizadas no setor. Além disso, segundo ele, os problemas eram pontuais e não refletiam a realidade dos mais de 4 mil frigoríficos do país.
Mas, afinal, o que está liberado (ou não) no processamento das carnes?
EXAME.com conversou com especialistas em inspeção de produtos de origem animal e engenheiros de alimentos para esclarecer o que é permitido nesses casos. Veja a seguir.
Conservantes: itens necessários dentro de um limite
Algumas substâncias são adicionadas nas carnes com o objetivo de conservar o alimento, realçar o sabor e até mesmo controlar bactérias. O ácido ascórbico, popularmente conhecido como vitamina C, por exemplo, é um desses ingredientes químicos que são utilizados para conservar o alimento.
De acordo com Afonso de Liguori, médico-veterinário, Professor Titular do Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a indústria coloca esse elemento nas carnes para evitar que ocorra a oxidação, que nada mais é do que uma reação de degradação das gorduras no produto.
“O ácido ascórbico é uma substância antioxidante de origem natural que tem a função de garantir que não haja alteração no sabor do produto” afirma.
Liguori explica que, respeitando a dosagem, os antioxidantes e conservantes não oferecem risco à saúde. A mesma lógica vale para o nitrito e o nitrato, que auxiliam no controle de bactérias e também servem para manter a cor rosada nos produtos cozidos, como no presunto.“Essas substâncias só se tornam tóxicas ou cancerígenas se usadas em grande quantidade, acima dos limites legais permitidos”, diz.
A proporção máxima para esses aditivos é de 150 miligramas para cada quilo de produto. Segundo os investigadores da operação Carne Fraca, produtos de uma das empresas suspeitas apresentavam proporção superior ao limite permitido. Segundo os especialistas, o aumento na dosagem ajuda a estender a validade da carne, e, nesse caso, pode ser cancerígeno.
Veja aqui o regulamento técnico que estabelece os limites para cada aditivo.
Água nos frangos: um tipo de fraude comum
Especialistas consultados por EXAME.com relataram que a absorção irregular de água em frangos é um tipo de fraude comum, e antiga, realizada pelos frigoríficos. Em termos práticos, a injeção do líquido na carne serve para aumentar o peso.
“O processo de resfriamento do frango passa por uma imersão em tanques de água, o que gera uma absorção natural de líquido no produto”, descreve Anirene Galvão, engenheira de alimentos e doutora em Tecnologia dos Alimentos.
Segundo ela, o Ministério da Agricultura determina que o volume de água não pode ultrapassar 8% do peso total da carcaça de ave.
Para ela, a brecha para fraudes pode acontecer por conta de falhas na fiscalização. “Existem máquinas com pequenas agulhas que perfuram e fazem a ‘injeção extra’ de água no frango”, diz. “Para barrar a absorção superior ao índice permitido, o fiscal precisa acompanhar todo o processo e retirar algumas amostras nos frigoríficos para análise”.
O transporte dos frangos é outra operação que exige cuidados específicos. De acordo com a legislação vigente, o alimento deverá ter uma embalagem primária antes de seguir para o depósito onde é feita a montagem em caixas de papelão (embalagem secundária).
Segundo Anirene, o frango não deve entrar em contato com o papelão em hipótese alguma. “Esse material é reciclado e não pode ser higienizado. O contato direto pode contaminar a carne”, afirma.
Linguiças, salsichas e mortadelas: do que elas podem ser feitas
Cada um desses produtos possui uma composição diferente de matéria-prima. No caso de alguns tipos de linguiça cozida, como a calabresa, por exemplo, é permitido usar até o limite de 20% de Carne Mecanicamente Separada (CMS), que consiste em uma mistura com outros tipos de carne retiradas dos ossos do boi, frango ou porco.
A CMS, porém, é proibida em linguiças que não foram submetidas ao processo cozimento e permanecem cruas e dessecadas.
O regulamento técnico também detalha quantidades mínimas de nutrientes. No caso das linguiças, o teor de gordura deve estar entre 30% e 35%, a proteína entre 12% e 14% e o cálcio entre 0,1% e 0,3%. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Já na fabricação das salsichas, as CMS de diferentes espécies de animais são permitidas entre o limite de 40% a 60% da sua composição. A legislação exige que o teor de gordura não ultrapasse 30% e que haja, pelo menos, 12% de proteína. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Na matéria-prima das mortadelas, as carnes mecanicamente separadas também podem ser adicionadas com limites entre 20% e 60%. O regulamento exige que a gordura do produto fique entre 30% e 35% e que tenha no mínimo 12% de proteína. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Salmonela em carne de aves: coloca no fogão
De acordo com o Ministério da Agricultura, a Salmonela é uma bactéria comum no trato gastrintestinal dos animais e, no caso das aves, é um problema mundial para o qual não há medidas efetivas para eliminá-la da carne crua.
“Quando detectados lotes positivos para as salmonelas de relevância em saúde pública, a legislação prevê que os produtos sejam destinados ao processamento térmico de cozimento que assegure a destruição dopatógeno”, afirma o ministério em nota enviada a EXAME.com.
Segundo o médico-veterinário da UFMG Afonso de Liguori, quando o produto não é armazenado em sua temperatura adequada, a bactéria que vive naturalmente dentro da carne pode se multiplicar.
Por isso, a forma mais eficaz de eliminar a Salmonela é consumindo o alimento cozido e bem passado. “Com o aquecimento adequado da carne, a bactéria sempre vai morrer”, diz.
Recomendações básicas para consumidores
Liguori ressalta algumas recomendações de segurança para o consumidor: segundo ele, os brasileiros devem observar a integridade da embalagem da carne, checar as datas de fabricação e validade do produto e verificar se o rótulo de qualidade não foi modificado.
“O ideal é que haja uma co-participação entre o cidadão e o agente fiscal na hora de fiscalizar os alimentos de origem animal”, diz Liguori.
A engenheira de alimentos Anirene Galvão acrescenta que também é importante ficar de olho na coloração. “Se a cor da carne está muito vermelha, esse pode ser um sinal de presença de corantes no produto”, afirma. “Além da cor, a textura e o cheiro precisam ser verificados pelo consumidor. E claro: em caso de irregularidade, o cidadão deve acionar o gerente do estabelecimento”.