CAMPANHA DE HADDAD EM SP: a dívida caiu de 74 bilhões para 27,5 bilhões de reais, mas o custeio da folha de pagamento subiu de 26% para 41% – um retrato do Brasil / Paulo Pinto / AGPT
Raphael Martins
Publicado em 1 de outubro de 2016 às 09h31.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Mais saúde, mais educação, mais investimentos, mais transporte. Os candidatos a prefeito nas capitais parecem viver num mundo paralelo. A escolha neste domingo dos novos chefes do executivo municipal acontece em meio ao anúncio de que agosto absorveu o maior déficit para o mês nas contas governamentais desde 1997. Segundo o Tesouro Nacional, o país acumula 71,4 bilhões de reais no negativo em 2016 e deve chegar quase ao limite de 170 bilhões. A arrecadação caiu 10,12% em relação ao oitavo mês de 2015. O número de desempregados chegou a 12 milhões de pessoas.
Nesse cenário, as negociações para um severo ajuste fiscal dominam a agenda de Brasília. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou nesta sexta-feira, no EXAME Fórum, que segunda o governo deve encaminhar o relatório final da PEC dos Gastos para, se possível, votá-la ainda dia 6. “Chegou a hora de resolver o problema”, disse. É, segundo ele, apenas o começo de uma revolução nas contas públicas, para acabar com uma frouxidão nos gastos que vem desde a independência do país. “Nos endividamos para pagar aos portugueses. E não paramos mais”, afirmou.
E como os municípios ficam nessa equação, às portas das eleições municipais? Com a União e os Estados quebrados, e o país mergulhado numa crise profunda há dois anos, era inevitável que os municípios minguassem junto. A dívida previdenciária dos municípios quintuplicou desde 2009 e chegou a 100 bilhões de reais – 84% dos municípios brasileiros estão endividados. Cidades como Rio de Janeiro, Teresópolis e Betim decretaram calamidade financeira.
Como acreditar, então, que candidatos cumprirão promessas de contratação de guardas civis, aumento de salários de médicos e investimento na educação pública com essa baixa no orçamento? São Paulo e Rio de Janeiro, cidades com o maior PIB do Brasil, têm cerca de 15% de todo o orçamento atrelado a verbas federais, cujo caixa passa pela mais grave crise em quase 90 anos.
“O ano que vem e o posterior serão críticos do ponto de vista da iliquidez, falta de recurso, quebra de caixa, incapacidade de arrecadação em inúmeros municípios do Brasil”, diz Istvan Kasznar, professor da FGV/EBAPE e especialista em finanças públicas. É hora, portanto, de promessas pés-no-chão, de criatividade, de olhar para o futuro. Basicamente, de um monte de ações que não entraram nas plataformas dos candidatos.
Entre acusações e trocas de farpas, essas eleições já são um grande desperdício de oportunidade para discutir o futuro econômico das cidades, segundo especialistas ouvidos por EXAME Hoje. No fim das contas, as campanhas oscilam entre promessas vazias e planos para simplesmente enxugar gelo.
Os gargalos, as campanhas
O grande gargalo para as cidades é o raio de ação limitado para cortar. Boa parte dos gastos adquiridos nos últimos anos é de reajustes e reforço no funcionalismo público, despesas muito difíceis de serem alteradas – e assunto vetado em campanhas políticas.
Em São Paulo, Fernando Haddad (PT), conseguiu, nos últimos anos, uma renegociação da dívida, fazendo-a cair para 74 bilhões para 27,5 bilhões de reais. Ainda assim, o custeio da folha de pagamento subiu 15 pontos percentuais do total de despesas, de 26% para 41%, segundo levantamento do Portal Meu Município. No Rio, o gasto com funcionalismo também subiu, de 46,7% para 53% das despesas.
“O papel do prefeito é muito menor que o do presidente nas reformas que geram comportamento de investimento, mas o prefeito tem sua capacidade. Pode fazer uma licitação de ônibus pensando na melhor concorrência para gerar o menor preço e o melhor efeito para a população”, diz Arnaldo Mauerberg Junior, consultor e pesquisador do Portal Meu Município.
Os debates da última quinta-feira escancararam a distância entre esse mundo real e as campanhas. Em São Paulo, a única voz lúcida ao falar de políticas públicas foi o candidato do Solidariedade, Major Olímpio. Em todos os momentos, ao falar de suas promessas, evocava a restrição orçamentária para conduzir seu eventual governo. Marta Suplicy (PMDB) chegou a dizer que “educação não tem preço”, Celso Russomanno (PRB) falou em implementar um sistema de saúde integrado por “nuvem e chip”, sem expor os custos para a operação. João Doria (PSDB) promete mais creches do que o caixa permite. Em seu mandato, Haddad apenas iniciou, mas, por falta de dinheiro, abandonou o Arco do Futuro, que pretendia distribuir os polos industriais pela cidade para gerar trabalho perto da periferia, e preferiu, mais uma vez, focar na mobilidade.
No Rio, o líder Marcelo Crivella (PRB) promete criar 40.000 vagas na pré-escola e 20.000 nas creches, por meio de PPPs (Parcerias Público-Privadas). Pedro Paulo (PMDB) quer construir 314 escolas para universalizar o ensino em tempo integral e contratar 12.000 professores, além de 33 bilhões de reais em investimentos, focando nas zonas Norte e Oeste. Marcelo Freixo (PSOL) fala em rever contratos com Organizações Sociais, que pode sinalizar mais estatização. Jandira Feghali (PCdoB) quer dar o “Passe Livre Social”, política de ampliação na isenção de passagens de transporte público, que aperta as contas em época de queda de arrecadação.
Indo adiante, em Belo Horizonte, o candidato Reginaldo Lopes (PT) pretende extinguir PPPs para trabalhar apenas com entidades comunitárias. Raul Pont (PT), em Porto Alegre, fala concluir as obras inacabadas da atual gestão, como o BRT prometido para a Copa do Mundo de 2014, sem dizer de onde vem o dinheiro e “exigir” repasse de 1 bilhão de reais para o metrô.
Dá para governar?
Para especialistas em políticas públicas consultados por EXAME Hoje, em face à crise, a primeira medida do candidato deveria ser um estudo completo de seu próprio plano de governo para manter a transparência do que é viável. O prefeito Fernando Haddad é exemplo. Ganhou a eleição de 2012 prospectando uma plataforma de governo contando com caixa e suporte da União que não teve.
“O que estou vendo é que candidatos têm diagnósticos interessantes, mas esquecem de propostas realistas. Falam em contratar 1.000 médicos, abrir 15 hospitais, mas se esquecem que a maior parte que os problemas de saúde não é só atendimento, é saneamento”, afirma Marco Antonio Teixeira, professor do departamento de Gestão Pública da FGV de São Paulo. “A sociedade não vai entender o que é factível ou não, por isso é tão importante o trabalho da sociedade organizada para esclarecer, com o balanço a cada debate do que é possível ou não fazer”.
Teixeira faz referência a ONGs como Minha Sampa e serviços de checagem (fact-checking), como fizeram a Agência Lupa e Pública. As entidades fizeram cobertura nas redes sociais contrapondo números corretos com exageros e mentiras de candidatos. O problema é que o alcance de iniciativas como essa nem se compara à exposição que tem o candidato na TV. “Não ajuda também ter 11 candidatos. Isso mais confunde que esclarece o eleitor. Com menos gente, haveria mais tempo para debater o que interessa. Por isso, o segundo turno é sempre mais efetivo”, diz ele.
Para que a discussão fosse feita de forma adequada, Naercio Menezes Filho, economista e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper sugere a criação de um conselho independente para avaliar políticas públicas. Para o especialista, grandes metrópoles poderiam reunir membros do governo, da sociedade civil e especialistas para estudar quais medidas seriam interessantes ou não manter e priorizar dentro do orçamento.
“Funcionaria como o Copom ou o Ipea. Com todos os dados da prefeitura, esse conselho teria avaliação completa. Em São Paulo, haveria um número confiável se as mortes caíram com a redução de velocidade nas Marginais, se o tempo para chegar no trabalho aumentou, se uso de ônibus subiu”, afirma Menezes Filho. “Países como o México, Chile e Austrália têm um sistema de avaliação muito bom, mas em nível federal. Seria algo inovador e demandaria coragem da classe política, porque medidas que não tiverem impacto, vão pegar mal para a prefeitura”.
A instauração de um modelo de auditoria como esse poderia ser comparável no quesito de programa de governo ao efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal para manter as contas no lugar. Para os analistas, é esse o caminho para encaminhar as verbas para o local certo, que são as políticas públicas focadas na primeira infância, consideradas as que têm maior retorno para o município. As campanhas, por consequência, perderiam o caráter populista e vazio. É algo que certamente ajudaria o eleitor a votar com mais convicção no domingo.