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O pesadelo sem fim de quem perdeu tudo na enchente de 2011

Moradores de Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis perdem o sono a cada chuva, e ainda aguardam o cumprimento das promessas de reconstrução e prevenção

Vanilda Rosa Ferreira, 52 anos, moradora de Teresópolis: ela vê da janela o que restou da casa destruída pela enchente de 2011 (André Oliveira/VEJA.com)
DR

Da Redação

Publicado em 7 de janeiro de 2012 às 12h54.

São Paulo - Da pequena casa que alugou no bairro Campo Grande, em Teresópolis,Vanilda Rosa Ferreira, 52 anos, avista o que sobrou do imóvel onde vivia com a família. A avalanche de água e lama que atingiu a Região Serrana do Rio na madrugada de 12 de janeiro do ano passado só deixou de pé a parede do banheiro. Vanilda não morreu porque não estava em casa, tinha saído para um trabalho em outro ponto da cidade. Quando conseguiu se aproximar da rua onde morava, ficou sabendo que um casal de filhos, três netos (um ainda não encontrado), um genro e uma nora, uma irmã, um cunhado e um sobrinho desapareceram na tormenta, entre outras pessoas da família. Ao todo, como conta, perdeu “16 parentes de sangue”. A chegada das nuvens de janeiro colocou as cidades da serra – e, desde a última semana, também o norte e o noroeste do estado – no centro das atenções do Brasil. Para os sobreviventes de janeiro, no entanto, a tragédia nunca cessou.

“Eu até tento acreditar nas providências, porque a necessidade faz a gente pensar de forma positiva. Deus vai tocar no coração dos homens para que alguma coisa seja feita. Mas na verdade não sei como vou viver. Eu tinha tudo em casa, uma vida estabilizada. Hoje vivo de doações”, conta Vanilda, que faz parte de um contingente dos moradores da serra para quem a ajuda prometida nunca chegou.

Apesar de inscrita no Aluguel Social, até hoje Vanilda não recebe o benefício. “Meu nome saiu na lista do aluguel em fevereiro. Acho que tem alguém recebendo no meu lugar”, suspeita.

Teresópolis, onde morreram 392 pessoas naquela noite, foi duplamente castigada. No momento em que a cidade estava arrasada pelas chuvas e mais precisava de apoio, teve os cofres saqueados. O prefeito Jorge Mário Sedlacek, do PT, foi afastado do cargo em agosto, quando a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou irregularidades no uso de 7 milhões de reais destinados à reconstrução. O vice que deveria ocupar a cadeira, Roberto Pinto (PR), 68 anos, morreu de infarto dias depois, e desde então o presidente da Câmara Muinicipal, Arlei de Oliveira (PMDB), gerencia a crise.

Com as irregularidades, os recursos foram bloqueados. Em Nova Friburgo, onde morreram 404 pessoas, também foram abertos inquéritos para apurar desvios de verbas. O resultado é que, dos 780 milhões destinados para a reconstrução da serra, um ano depois da tragédia, pouco mais de 100 milhões foram aplicados, e obras de contenção, prevenção e criação de novas residências ficaram pelo caminho. Na sexta-feira, o governador do Rio, Sérgio Cabral, pediu ao ministro da Integração, Fernando Bezerra, mais 900 milhões de reais para obras de prevenção. Para resolver um problema histórico, as cifras são altas. E os prazos vão muito além do que deseja a população.


Com o mapa da destruição ampliado nos primeiros dias de 2012, quando a chuva causou inundações em cidades no Noroeste e no Norte do Rio, Sérgio Cabral fez um prognóstico pouco animador para as vítimas da tragédia de um ano atrás. Segundo ele, só daqui a um ano será possível dar algum conforto, e casas novas, à população da serra.

Nova Friburgo – Quem sentiu na pele os efeitos da chuva mais violenta de que se tem notícia no Brasil não consegue ter paz. Quando a chuva cai em Nova Friburgo, a pedagoga Neuza Lúcia Silva não consegue dormir. No início da primeira semana do ano, Neuza passou as noites monitorando a situação do bairro Duas Pedras, onde mora, e que foi fortemente atingido pela tragédia de janeiro de 2011. A nova temporada de chuvas veio acompanhada da inauguração de um sistema de sirenes – que não funcionou. Neuza não ouviu o alarme, mas foi avisada por um vizinho da necessidade de sair de casa. É essa a rede que funciona de verdade. Os vizinhos fizeram um pacto: se algo de grave acontecer, uma família chama a outra e todos fogem juntos para a parte mais alta da localidade. “Agora eu tenho um ‘kit de guerra’ no carro, com água, biscoito salgado e doce, documentos e uma muda de roupa”, afirma.

Petrópolis – Após perder tudo na tragédia que arrasou o Vale do Cuiabá, a dona de casa Antoniele Costa conta com a ajuda do aluguel social. O terreno onde antes havia o imóvel de dois andares da família está vazio. O anexo na parte de cima havia sido construído há pouco tempo para Antoniele morar com o marido e a filha Clarice, que nasceu em dezembro de 2010 – pouco mais de um mês antes de o lar da família ser destruído pela chuva. A força da água foi tamanha que a casa foi carregada por cerca de 8 metros, até bater no prédio vizinho, onde a família buscou abrigo. Antoniele não quer mais erguer um imóvel no local. “Nosso terreno está lá, mas não serve para nada. Não vamos mais construir na beira do rio”, afirma. A dona de casa vive na expectativa de receber uma indenização pelo terreno ou as chaves de uma casa popular, para poder retomar sua vida.

Marcas - Em Teresópolis, a manicure Juliana Xavier esperou 11 meses para conseguir a assinatura do atestado de óbito de 8 familiares que morreram nos bairros Campo Grande, Posse e Santa Rita e não tiveram seus corpos encontrados. No total, ela perdeu 17 parentes e 23 amigos, mas nenhum bem material. Seu maior desejo é não conviver com este sofrimento novamente. “Em todas as pessoas vemos um sofrimento muito grande, e mesmo sem conhecer sofremos com elas”, diz. Já a friburguense Neuza não quer presenciar novamente as imagens do dia seguinte à tragédia. “O que mais choca é ver os restos de uma família no chão: o caderno de uma criança, uma camisa no cabide, um utensílio de cozinha”, relembra.

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São Paulo - Da pequena casa que alugou no bairro Campo Grande, em Teresópolis,Vanilda Rosa Ferreira, 52 anos, avista o que sobrou do imóvel onde vivia com a família. A avalanche de água e lama que atingiu a Região Serrana do Rio na madrugada de 12 de janeiro do ano passado só deixou de pé a parede do banheiro. Vanilda não morreu porque não estava em casa, tinha saído para um trabalho em outro ponto da cidade. Quando conseguiu se aproximar da rua onde morava, ficou sabendo que um casal de filhos, três netos (um ainda não encontrado), um genro e uma nora, uma irmã, um cunhado e um sobrinho desapareceram na tormenta, entre outras pessoas da família. Ao todo, como conta, perdeu “16 parentes de sangue”. A chegada das nuvens de janeiro colocou as cidades da serra – e, desde a última semana, também o norte e o noroeste do estado – no centro das atenções do Brasil. Para os sobreviventes de janeiro, no entanto, a tragédia nunca cessou.

“Eu até tento acreditar nas providências, porque a necessidade faz a gente pensar de forma positiva. Deus vai tocar no coração dos homens para que alguma coisa seja feita. Mas na verdade não sei como vou viver. Eu tinha tudo em casa, uma vida estabilizada. Hoje vivo de doações”, conta Vanilda, que faz parte de um contingente dos moradores da serra para quem a ajuda prometida nunca chegou.

Apesar de inscrita no Aluguel Social, até hoje Vanilda não recebe o benefício. “Meu nome saiu na lista do aluguel em fevereiro. Acho que tem alguém recebendo no meu lugar”, suspeita.

Teresópolis, onde morreram 392 pessoas naquela noite, foi duplamente castigada. No momento em que a cidade estava arrasada pelas chuvas e mais precisava de apoio, teve os cofres saqueados. O prefeito Jorge Mário Sedlacek, do PT, foi afastado do cargo em agosto, quando a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou irregularidades no uso de 7 milhões de reais destinados à reconstrução. O vice que deveria ocupar a cadeira, Roberto Pinto (PR), 68 anos, morreu de infarto dias depois, e desde então o presidente da Câmara Muinicipal, Arlei de Oliveira (PMDB), gerencia a crise.

Com as irregularidades, os recursos foram bloqueados. Em Nova Friburgo, onde morreram 404 pessoas, também foram abertos inquéritos para apurar desvios de verbas. O resultado é que, dos 780 milhões destinados para a reconstrução da serra, um ano depois da tragédia, pouco mais de 100 milhões foram aplicados, e obras de contenção, prevenção e criação de novas residências ficaram pelo caminho. Na sexta-feira, o governador do Rio, Sérgio Cabral, pediu ao ministro da Integração, Fernando Bezerra, mais 900 milhões de reais para obras de prevenção. Para resolver um problema histórico, as cifras são altas. E os prazos vão muito além do que deseja a população.


Com o mapa da destruição ampliado nos primeiros dias de 2012, quando a chuva causou inundações em cidades no Noroeste e no Norte do Rio, Sérgio Cabral fez um prognóstico pouco animador para as vítimas da tragédia de um ano atrás. Segundo ele, só daqui a um ano será possível dar algum conforto, e casas novas, à população da serra.

Nova Friburgo – Quem sentiu na pele os efeitos da chuva mais violenta de que se tem notícia no Brasil não consegue ter paz. Quando a chuva cai em Nova Friburgo, a pedagoga Neuza Lúcia Silva não consegue dormir. No início da primeira semana do ano, Neuza passou as noites monitorando a situação do bairro Duas Pedras, onde mora, e que foi fortemente atingido pela tragédia de janeiro de 2011. A nova temporada de chuvas veio acompanhada da inauguração de um sistema de sirenes – que não funcionou. Neuza não ouviu o alarme, mas foi avisada por um vizinho da necessidade de sair de casa. É essa a rede que funciona de verdade. Os vizinhos fizeram um pacto: se algo de grave acontecer, uma família chama a outra e todos fogem juntos para a parte mais alta da localidade. “Agora eu tenho um ‘kit de guerra’ no carro, com água, biscoito salgado e doce, documentos e uma muda de roupa”, afirma.

Petrópolis – Após perder tudo na tragédia que arrasou o Vale do Cuiabá, a dona de casa Antoniele Costa conta com a ajuda do aluguel social. O terreno onde antes havia o imóvel de dois andares da família está vazio. O anexo na parte de cima havia sido construído há pouco tempo para Antoniele morar com o marido e a filha Clarice, que nasceu em dezembro de 2010 – pouco mais de um mês antes de o lar da família ser destruído pela chuva. A força da água foi tamanha que a casa foi carregada por cerca de 8 metros, até bater no prédio vizinho, onde a família buscou abrigo. Antoniele não quer mais erguer um imóvel no local. “Nosso terreno está lá, mas não serve para nada. Não vamos mais construir na beira do rio”, afirma. A dona de casa vive na expectativa de receber uma indenização pelo terreno ou as chaves de uma casa popular, para poder retomar sua vida.

Marcas - Em Teresópolis, a manicure Juliana Xavier esperou 11 meses para conseguir a assinatura do atestado de óbito de 8 familiares que morreram nos bairros Campo Grande, Posse e Santa Rita e não tiveram seus corpos encontrados. No total, ela perdeu 17 parentes e 23 amigos, mas nenhum bem material. Seu maior desejo é não conviver com este sofrimento novamente. “Em todas as pessoas vemos um sofrimento muito grande, e mesmo sem conhecer sofremos com elas”, diz. Já a friburguense Neuza não quer presenciar novamente as imagens do dia seguinte à tragédia. “O que mais choca é ver os restos de uma família no chão: o caderno de uma criança, uma camisa no cabide, um utensílio de cozinha”, relembra.

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