O Brasil que Temer recebe
No início de 2011, a Primavera Árabe chacoalhava o Oriente Médio, chuvas torrenciais fustigavam a região serrana do Rio de Janeiro e, em Brasília, Dilma Rousseff assumia a Presidência da República. Dilma recebeu o comando de um país onde a economia surpreendia positivamente. O Brasil havia crescido 7,5% em 2010, acima das expectativas de organismos […]
Gian Kojikovski
Publicado em 12 de maio de 2016 às 17h56.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h07.
No início de 2011, a Primavera Árabe chacoalhava o Oriente Médio, chuvas torrenciais fustigavam a região serrana do Rio de Janeiro e, em Brasília, Dilma Rousseff assumia a Presidência da República. Dilma recebeu o comando de um país onde a economia surpreendia positivamente. O Brasil havia crescido 7,5% em 2010, acima das expectativas de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Naquele momento, o Brasil alcançou a posição de sexta maior economia mundial e o próprio FMI previa que o país continuaria sua trajetória ascendente nos anos seguintes a um ritmo de pelo menos 4% ao ano. As contas públicas estavam em dia, o desemprego e a inflação se mantinham estáveis e controlados. O futuro parecia ser brilhante e o país vislumbrava voos maiores no cenário internacional. Mas, como hoje se sabe, nada disso aconteceu.
Michel Temer assume o poder num cenário oposto. Em 2015, a economia andou para trás 3,8%, pior do que apontavam todas as previsões. De acordo com o FMI, o tombo deve ser o mesmo neste ano. A inflação bateu 10,7% no ano passado e em dezembro deste ano deve estar próxima de 7%, acima ainda do máximo da meta estabelecida, que é 6,5%. Trajetórias de deterioração parecidas se deram com todos os outros principais índices econômicos, como desemprego, atividade da indústria e dívida pública.
“A presidente Dilma assumiu o país com uma boa possibilidade de administrar a economia, que vinha no rumo certo. Temer pega uma economia com sérios problemas. Sem dúvida, a situação é muito mais complicada e desafiadora agora”, diz Fabio Klein, analista de finanças públicas da consultoria Tendências.
Como a economia se deteriorou dessa forma? O governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pela bonança no mercado internacional graças à força da China. O Brasil foi particularmente beneficiado pela alta no preço de commodities como o petróleo e o minério de ferro. O final do governo Lula, porém, ficou marcado por uma mudança na política econômica. Para superar a crise financeira de 2008, o país passou a adotar o que mais tarde seria chamado de Nova Matriz Econômica, que consistiu em adotar políticas que incentivam o consumo, como o aumento do crédito por meio dos bancos estatais, uma política fiscal expansionista, com aumento dos gastos públicos e desoneração de setores da indústria, e uma taxa Selic forçosamente baixa.
As medidas foram, em parte, responsáveis pelo fato de a crise internacional não ter sido sentida aqui de maneira tão forte como em outros lugares do mundo — a tal “marolinha”. O problema é que Dilma continuou acreditando que elas seriam o remédio para qualquer situação.
Depois de 2008, como se sabe, o mundo passou a crescer de maneira mais lenta do que na década anterior, a China desacelerou e isso puxou os preços das commodities para baixo. O minério de ferro, por exemplo, chegou a ser cotado a quase 190 dólares por tonelada no começo de 2011 e, desde então, está em trajetória descendente. Hoje, a tonelada está na casa dos 60 dólares.
O governo entendeu os sinais de crescimento vagaroso como uma perpetuação da crise e dobrou a aposta na Nova Matriz, com o aumento das tarifas de importação, o controle dos preços e a regulação da taxa de retorno de concessões. A promessa era que essas medidas onerosas para o caixa, que causariam aumento da dívida pública e da inflação, resultariam num crescimento pujante, que mais tarde compensaria os investimentos. O resultado é o desastre que conhecemos hoje. A dívida pública, que era de 51% do PIB em 2013, deve chegar a 73% no final deste ano. O conjunto da obra acabou levando ao impeachment de Dilma Rousseff.
Agora, com o país afundado numa crise política e econômica, Michel Temer tem uma tarefa ingrata pela frente. Como presidente, tudo indica que terá de tomar medidas impopulares, como aumento de impostos e corte de custos do Orçamento. Isso deverá servir para, pelo menos, estancar a sangria do déficit primário. “A economia está num ciclo vicioso e isso não pode ser mudado no curto prazo. Veremos o aumento da dívida pública pelos próximos anos de qualquer jeito, mas alguns índices podem começar a melhorar se o governo tomar atitudes corretas logo de cara”, diz Klein, da Tendências. De acordo com a GO Associados, o ideal é que a dívida estabilize até 2018 — antes disso é impossível. Como o sistema tributário brasileiro é muito complexo, não é impossível fazer uma reforma sem aumentar os impostos, mas as respostas seriam muito mais lentas.
Montar a equipe econômica com nomes de confiança do mercado, como Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, certamente ajuda. Por outro lado, um presidente interino não traz confiança se suas decisões não tiverem um efeito rápido. As medidas que podem ser sentidas no curto prazo, como a criação de impostos — a CPMF é o mais provável — e a adoção de reformas que permitam mais flexibilidade no Orçamento da União — 90% das despesas são obrigatórias —, precisam da aprovação do Congresso, por isso uma boa articulação política será fundamental nas primeiras semanas. Os deputados e senadores sabem disso, e podem cobrar caro. E a Câmara, não custa lembrar, está num imbróglio para lá de bigodudo.
Uma iniciativa potencialmente transformadora é atrair de volta ao país os investidores internacionais. De acordo com a GO Associados, há 70 bilhões de reais em projetos que já foram anunciados pelo Programa de Investimento em Logística (PIL) para concessões e parceria público-privadas que teriam atratividade financeira para investidores e poderiam ser executados até 2018. Esses projetos criariam 4 milhões de postos de trabalho e ajudariam a resolver outro problema que aflige a economia, o desemprego — que, na atual toada, pode chegar a 12% em 2017.
A boa notícia é que, em qualquer cenário traçado por consultores e analistas, a situação vai parar de piorar. Parte disso porque creem que Temer terá força para fazer as mudanças que Dilma não quis ou não conseguiu realizar por falta de articulação política, mas também porque o país está num ponto que só uma nova sucessão de erros inexplicáveis — como os cometidos na Venezuela e na Argentina — tornaria o buraco ainda mais fundo. É esperar para ver até onde os interesses políticos deixarão o novo governo chegar.
(Gian Kojikovski)