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Nova bolsa de valores, 'epicentro' de data centers e inovação: as apostas do Rio para crescer

Em entrevista à EXAME, secretário de desenvolvimento urbano e econômico da Prefeitura, Chicão Bulhões, destrincha as estratégias para reposicionar a capital fluminense no mapa das oportunidade econômicas

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 23 de junho de 2024 às 14h05.

Última atualização em 24 de junho de 2024 às 18h49.

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O Rio de Janeiro é o cartão postal do Brasil para o mundo. Mas a cidade passou por diversas crises nos últimos anos — econômicas, políticas e morais. Palco do encontro do G20 que receberá os chefes de Estado das maiores economias do planeta, em novembro desde ano, o município, sob gestão do prefeito Eduardo Paes, busca apresentar uma narrativa mais otimista sobre a cidade, ligada à inovação e ao soft power. "Somos vitrine e vidraça", diz, em conversa com a EXAME, o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), Chicão Bulhões.

Com o desafio de fazer o segundo maior município do país recuperar o tempo perdido e reencontrar sua vocação econômica, Bulhões destrincha as iniciativas de sua pasta. Uma delas é a criação de uma bolsa de valores no Rio. "Acabamos de mandar um projeto de lei para a Câmara dos Vereadores baixando os impostos para que a gente fique competitivo em relação a São Paulo. O Brasil é um dos poucos países do mundo que só tem uma bolsa", afirma. "A Americas Trading Group (ATG) [controlada pelo Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi], junto com grandes fundos, está fazendo essa nova bolsa para inclusive concorrer no mercado com a B3 e com outras bolsas de valores."

Segundo ele, o anúncio da sede de uma nova bolsa deve ser feito "em breve". "Estamos em fase final de negociação", diz. "Já enviamos a nossa parte para ter impostos competitivos aqui", diz.

Criar uma nova bolsa de valores carioca — que teve sua própria bolsa até que a operação encerrou no ano 2000 — é parte de uma estratégia da prefeitura para tornar o Rio a capital da inovação da América Latina. Com essa narrativa e diversas obras pela cidade, Paes é pré-candidato, e líder nas pesquisas feitas até aqui, nas eleições municipais deste ano.

Durante participação no FII Priority, evento organizado Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês) e que foi realizado na cidade, Bulhões destrincha à EXAME as estratégias para reposicionar a capital fluminense no mapa das oportunidade econômicas.

"Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, chegamos à conclusão que o Rio tinha tudo para ser reconhecido como uma grande capital da inovação e tecnologia da América Latina", afirma. "Temos excepcionais universidades, formamos quadros, o recurso humano no Rio é fantástico. E durante a pandemia ficou muito claro que o Rio, dentro desse novo modelo de trabalho híbrido, tem uma oportunidade para quem trabalha aproveitar um ambiente aberto e que possa ter uma qualidade de vida enquanto abre negócios e gera riqueza."

Novo momento

Segundo Bulhões, a cidade vive um "novo momento". A principal missão desde o início da terceira gestão do prefeito Eduardo Paes era "arrumar a casa" e estabelecer um rumo para o futuro e para a infraestrutura da cidade.

Para tentar medir mensalmente o desempenho da economia municipal, a prefeitura criou o Indicador de Atividade Econômica do Rio (IAE-Rio). Os dados IBGE para o PIB dos estados e municípios é divulgado com frequência anual e com uma defasagem de dois anos. O retrato que o IAE-Rio capturou neste ano foi alvissareiro: a cidade cresceu 1,8% no primeiro trimestre de 2024 na comparação com o trimestre anterior. No Brasil, o PIB avançou 0,8% no primeiro trimestre.

"Do ponto de vista fiscal, na largada, conseguimos organizar muito bem as contas. Esse foi um trabalho feito pelo prefeito junto na época com o secretário Pedro Paulo para que a gente pudesse ter capacidade de investimento novamente. Hoje o Rio tem essa capacidade de investimento. Cerca de 10% hoje do orçamento público do Rio vai para investimentos", diz o secretário.

A estratégia para manter o ritmo tem três pilares, conta Bulhões: atração de eventos; foco em infraestrutura e arcabouço regulatório; e educação e retenção dos talentos na cidade.

"Ter o FII Priority aqui no Rio, por exemplo, mostra que o pilar de atração de eventos está dando muito certo. Primeiro, tivemos a vinda do Web Summit, por exemplo, para o Brasil escolhendo o Rio de Janeiro. Temos novos eventos surgindo, como Rio2C e Rio Innovation Week", afirma Bulhões, que cita também eventos culturais, como o show da cantora Madonna na praia de Copacabana.

Segundo o secretário, uma das prioridades é simplificar a burocracia. Uma das mudanças foi unir os licenciamentos urbanísticos com licenciamento ambiental, o que dá segurança jurídica para quem investe, observa. "E para quem quer fazer certo", diz. "Esse é um mote muito importante hoje da prefeitura. Tem que ser fácil para quem quer fazer certo. Não podemos ser tolerantes e não podemos ser hipócritas com a burocracia que empurra as pessoas para informalidade."

Hoje, a cidade do Rio tem 1,2 milhão de trabalhadores informais — grupo mais afetado durante a pandemia de coronavírus. Ou seja, 34,6% da população ocupada é informal. No último trimestre de 2016, por exemplo, esse número era de 900.000 pessoas.

Ao mesmo tempo, há motivos para otimismo. O número de trabalhadores em situação mais vulnerável do mercado de trabalho no Rio — o somatório das pessoas desocupadas, subocupadas, desalentadas e indisponíveis, segundo classificação do Observatório Econômico do Rio — é de 563 mil, uma redução de 336,7 mil em comparação com o primeiro trimestre de 2021.

Além disso, houve aumento de 545 mil pessoas ocupadas no mesmo período e hoje, entre formais e informais, 3,35 o primeiro trimestre de 2024 e o mesmo período de 2021, totalizando 3,35 milhões de pessoas ocupadas (formais e informais) no Rio, o pico da série histórica do Observatório.

"Epicentro" dos data centers na América Latina

Uma aposta da prefeitura é dar incentivos para a criação de um distrito de data centers. O plano foi tema de conversa com investidores sauditas e de outros países durante o evento. "Temos um plano ouvindo investidores, até olhando para inteligência artificial, de ser o epicentro dos data centers na América Latina", diz. "Estamos criando um distrito de data centers."

"Para que a inteligência artificial funcione saia do papel, uma grande demanda global será a construção de novos e mais modernos data centers. Inclusive, olhando pra sustentabilidade, que consigam de alguma maneira consumir menos energia", afirma. .

Os data centers consomem 3% da energia global — um número que deve crescer muito nos próximos anos.

A proposta é fazer esse distrito no Centro Metropolitano, um projeto feito pelo arquiteto Lucio Costa em 1969 para um "segundo centro da cidade" na região oeste da capital e um ponto de ligação entre os bairros da Barra da Tijuca, Curicica, Jacarepaguá e Cidade de Deus.

"Estamos provocando com uma ideia ousada de que os investidores e que o próprio país pense em usar os oceanos para usar a água como um dos elementos para diminuir consumo de energia para esses data centers", afirma o secretário. "Essa é uma região que não queremos adensar com moradores mas que podemos adensar com data centers."

Os data centers submarinos são vistos como a nova fronteira para o armazenamento de dados. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), 40% da energia utilizada por eles vem do resfriamento. E estar na água poderia auxiliar a economizar.

Um experimento da Microsoft também se mostrou mais confiável, com uma taxa de falhas no servidor de 20% em relação à dos data centers que ficam em terra. Partidários desses tipos de data centers também listam vantagens como menor latência na rede e segurança (por serem mais difíceis de acessar).

Nova lógica urbanística

Parte do desenvolvimento acontecerá por meio do zoneamento e a ocupação imobiliária na cidade. À frente das questões urbanísticas, Bulhões chama a atenção para uma mudança de lógica no espalhamento da cidade. Não se trata de uma questão menor no Rio, onde há mais de 700 favelas e territórios irregulares. "Isso virou objeto de exploração do crime organizado", diz Bulhões.

"Quando falamos em habitação em grandes cidades, os problemas das construções ilegais, que incluem essas habitações fora do ambiente da legalidade, há uma exploração grande do crime organizado."

A estratégia da prefeitura, conta o secretário, é regular o uso da terra e tentar trazer a cidade de volta "às suas origens" e dar mais oportunidades para quem quer construir corretamente. O prefeito Eduardo Paes chegou a dizer que a ideia de sua gestão era evitar que a cidade de "espalhasse" horizontalmente, em referência ao crescimento das últimas décadas para a zona oeste carioca.

A região portuária e o centro da cidade do Rio são os destaques desse planejamento. "Agora receberam todos os incentivos urbanísticos e fiscais, além de vários projetos como Reviver Cultural, como o Rua da Cerveja — vai ser um polo de cerveja na Rua da Carioca — para ter moradias no centro", diz. "Estamos incentivando o mercado a construir no centro, no porto e principalmente na zona norte onde já tem infraestrutura. É o conceito de cidade de 15 minutos."

Maquete do edifício Heitor dos Prazeres: maior lançamento da Cury no Porto Maravilha contará com mural do artista na lateral do empreendimento (Leandro Fonseca/Exame)

Como a EXAME mostrou, a incorporadora e construtora Cury foi a primeira a apostar na zona portuária — uma aposta alta e, no início, solitária. Dos 13 empreendimentos já lançados no porto, 12 são da Cury. O primeiro veio em junho de 2021, e, de lá para cá, a empresa aumentou o apetite na área, lançando 6.007 unidades. 

Para Bulhões, a Cury — a quem o prefeito Paes se refere como a mais "carioca das empresas paulistas" — abriu o caminho para novos projetos e investidores na região portuária e no centro.

"Um desses investidores, o grupo Opportunity, lançou o empreendimento Casa Mauá. Em seis dias, 95% dos apartamentos estavam vendidos", afirma o secretário. "O Porto Maravilha deu certo, mas as pessoas acham que a gente estala os dedos e as coisas acontecem. Precisa de gestão, segurança jurídica e mensagem clara ao setor privado. Isso traz a confiança porque muito se resolve também com base na confiança e sinais claros aos investidores de que aquilo vai valer a pena e é um projeto de longo prazo."

O secretário reconhece que ainda há muitas terras sem utilização na zona oeste da cidade, o que diminui o preço da terra e a torna atraente para o mercado privado.

"Mas do ponto de vista de crescimento da cidade é um grande problema. Faz um nó", afirma. "Para isso, a prefeitura criou todos os incentivos para que o mercado a preços competitivos aumente a oferta de imóveis nessas regiões infraestruturadas."

Desburocratização

Segundo Bulhões, a prefeitura tem buscado simplificar o ambiente de negócios na capital. Hoje, por exemplo, pode-se abrir uma empresa com baixo risco de impacto em qualquer lugar da cidade.

"Acabou aquela história de consulta prévia de local para empresas de baixo risco. As pessoas hoje estão montando seu negócio dentro de casa", diz, ressalvando que a regra só não vale caso o condomínio específico proíba negócios no prédio.

O objetivo é ampliar a formalização, a oferta de imóveis e diminua o custo de vida da cidade. "E que o Rio volte a crescer. O Rio cresceu o dobro da velocidade do Brasil. Precisamos também crescer em população, queremos jovens aqui".

O momento enseja algum otimismo. De janeiro de 20021 a março de 2024, foram criados 280 mil novos empregos. "Temos 3,5 milhões de pessoas ocupadas, trabalhando na cidade", diz. "Tivemos um crescimento do setor de serviços reiterado, inclusive no momento de pandemia."

Nesse ponto, os dados do censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram a capital teve uma queda 100 mil habitantes em relação a 2010. "Queremos reter os jovens, mantê-los aqui, trazer mais empresas para cá", afirma.

Inovação

A ideia é utilizar a rede de universidades que a cidade já tem para atrair e reter talentos, em especial os vinculados em tecnologia e que desejem aproveitar do estilo de vida proporcionado pela capital fluminense. Nesse bojo, a prefeitura lançou o Porto Maravalley, um hub de tecnologia no porto, que também uma nova — e prestigiada — universidade: uma unidade do Instituto de Matemática Pura e Aplica (Impa), uma das mais tradicionais graduações do país.

A diferença recente, avalia Bulhões, foi a entrada do governo federal como um apoiador para viabilizar o projeto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, esteve na inauguração da nova unidade do Impa

"Estruturamos o Porto Maravalley, que é a ideia de incentivar uma maior densidade desse ecossistema de empresas voltadas para tecnologia e também de ter a primeira graduação do IMPA, que é um instituto globalmente conhecido, que tinha sua pós-graduação no Jardim Botânico, mas que a gente queria colocá-lo no centro do palco", diz Bulhões. "Começamos esse projeto em 2021, conceitualizando-o junto com o Impa. Ele topou o desafio ter um hub de tecnologia junto com essa universidade para transformar conhecimento em negócio. Hoje, a garotada mora no porto, vive o porto e já começou as aulas no porto em matemática da tecnologia."

Segundo Bulhões, até 2028, a expectativa é que 400 se formem anualmente. "São quatro ênfases: ciência de dados, ciência da programação, física e matemática, conectados com as maiores empresas em um local em que as universidades cariocas e nacionais possam se encontrar e aumentar os relacionamentos.

Para uma cidade acostumada a notícias desabonadoras de violência e mau uso de dinheiro público, o plano pode ser um alento. Afinal, o cartão postal do Brasil pode mais do que nos últimos anos.

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