Escola: dificuldades das escolas públicas para recuperar aprendizagem e superar desigualdades da pandemia (Pilar Olivares/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 20 de agosto de 2022 às 13h59.
Última atualização em 22 de agosto de 2022 às 16h09.
Passados mais de dois anos do início da pandemia e o primeiro fechamento das escolas no Brasil, a falta de acesso à internet para os alunos segue sendo um dos principais problemas na educação pública. Nova pesquisa com redes municipais mostra que quatro em cada dez redes (42%) classifica a falta de acesso dos alunos à internet como fonte de dificuldade "alta" ou "muito alta".
Os dados são de nova rodada de pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Itaú Social. O questionário foi respondido por 3.245 secretarias municipais de Educação em todo o Brasil.
A falta de internet é classificada como uma dificuldade por mais redes, por exemplo, do que a busca ativa dos estudantes que abandonaram a escola (só 12% das redes classificaram como uma dificuldade "alta" ou "muito alta") ou a motivação de alunos e professores (perto de 30%).
A pesquisa da Undime está em sua oitava rodada, e vem sendo realizada junto às redes municipais desde o início da pandemia. Os municípios atendem sobretudo ensino infantil e anos iniciais do fundamental, com crianças da creche aos 11 anos.
Se antes a internet era base para manter os alunos ligados à escola com as aulas presenciais suspensas, agora, a conexão segue crucial, mas para ajudar a recuperar o atraso dos anos de pandemia, diz Patricia Mota Guedes, gerente de pesquisa do Itaú Social. O diagnóstico vale também para etapas com alunos mais velhos e que não estão nas redes municipais, como os do ensino médio.
"Mesmo com as aulas presenciais de volta, o acesso à internet é importante para alunos no acompanhamento de atividades de reforço que possam ser feita de forma remota, por exemplo", diz Guedes. "Isso já era um desafio na pandemia, e continua. No fim, o acesso à internet entre os alunos segue um grande marcador de desigualdade."
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O presidente da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia, que é ele próprio dirigente municipal de Educação de Sud Mennucci (SP), questiona o fato de, após os anos de pandemia, nenhuma grande política para oferta de internet aos alunos tenha sido gestada no Brasil.
O projeto de lei "da conectividade", que sugeria usar recursos parados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para custeio de internet aos alunos mais pobres das redes, foi vetado pelo governo. O custo estimado na época era de R$ 3,5 bilhões para atender 19 milhões de alunos com planos de dados e tablets. O veto foi depois revertido no Congresso, mas, entre idas e vindas, o projeto, que era de 2020, segue parado na prática, diz Garcia, e cada estado ou município teve de fazer seus projetos próprios.
"Estamos falando de uma coisa que era para ter saído de forma emergencial. Temos dois anos e isso efetivamente não se consolidou", diz o gestor. "É muito sério e mostra o quanto a educação não foi prioridade."
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A falta de estrutura de conectividade faz com que a via online como ferramenta para ajudar a recuperar o tempo perdido da pandemia não seja uma opção na maior parte das escolas. Atividades de recomposição do aprendizagem de forma remota são realidade em somente 4% das redes, segundo a pesquisa.
O acesso à internet é só um dos pontos que ilustram o desafio da volta às aulas.
Os resultados da nova rodada da pesquisa deixam claro como as dificuldades para a educação pública mudaram ao longo dos últimos meses: no começo de 2022, o Brasil viveu o processo de trazer de volta alunos que ficaram sem contato com a escola durante o isolamento, mas essa frente já está muito mais equacionada hoje, aponta Guedes, do Itaú Social.
A pesquisa mostra que em mais de 70% das redes hoje, "todos os alunos" estão frequentando as atividades presenciais.
"Apesar das dificuldades, a política de busca ativa desenvolvida pelas secretarias no Brasil se tornou inclusive uma das referências mundiais citadas pelas Nações Unidas", diz Guedes.
O desafio agora é outro, concentrado sobretudo na busca por recuperar a aprendizagem perdida. Dentre as estratégias que vem sendo usadas, a pesquisa da Undime mostra que 85% das secretarias municipais têm, em vez de deixar que só a escola se responsabilize, acompanhado de perto as unidades e trabalhado para fazer avaliações com os alunos sobre as lacunas deixadas pela pandemia.
Mas essa recomposição esbarra em problemas estruturais. Idealmente, os alunos teriam de passar mais tempo na escola para recuperar o tempo perdido, mas um processo de contraturno é caro e tem dificuldades no Brasil. Dentre eles, as redes apontam na pesquisa como maiores dificuldades a falta de transporte escolar e alimentação no contraturno, além da carga horária dos professores.
No Brasil, muitos docentes trabalham em várias escolas ao mesmo tempo, o que torna o processo de dar atenção exclusiva e ampliada às turmas extremamente desafiador — inclusive financeiramente, diz Guedes.
"Parte das estratégias de recomposição tem acontecido durante o turno regular de aula, dadas as dificuldades. Mas, ainda que seja esse o caso, o professor precisa ter condições de acompanhar os alunos e fazer reuniões constantes com os pares", explica a gerente de pesquisa do Itaú Social.
"Só que isso nem sempre está sendo possível. Às vezes é uma coisa simples: quando os professores trabalham em mais de uma escola, marcar uma simples reunião de professores é muito difícil", diz. "Ou seja, são condições básicas que precisam ser asseguradas ainda."
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Tudo somado, os especialistas ouvidos pela EXAME apontam que o grande pano de fundo é o desafio da escola em reduzir as lacunas entre os estudantes de diferentes níveis socioeconômicos — que se intensificaram na pandemia e cujos reflexos ainda seguirão esses alunos por algum tempo em sua jornada escolar.
As desigualdades não são só entre cidades ou escolas diferentes, mas muitas vezes estão na mesma turma. Pode haver um aluno da mesma série que teve condições de avançar na pandemia e apoio familiar ao lado de outro que ficou estagnado por dois anos, e hoje tem a alfabetização atrasada, ou conteúdos essenciais não aprendidos.
Em um cenário de população brasileira empobrecida e famílias com dificuldades financeiras, a educação também seguirá especialmente afetada.
"O processo da busca ativa é fundamental, mas precisamos também nos preparar para receber os alunos nas condições que ele precisa e merece", resume Garcia, da Undime, que afirma que a educação tem de ser auxiliada por frentes como assistência social e saúde no cenário de recuperação da pandemia.
É o desafio de uma geração no Brasil. As escolas estão reabertas, mas o caminho de volta está só começando. Não dar atenção a esse processo pode fazer os estragos se tornarem duradouros para os alunos e para o futuro do país.