Hamilton Mourão: vice-presidente quer parcerias com a China, especialmente em obras de infraestrutura (Romero Cunha/Agência Brasil)
Reuters
Publicado em 14 de junho de 2019 às 09h15.
BRASÍLIA — O vice-presidente Hamilton Mourão avalia que o investimento de empresas chinesas no Brasil é bem-vindo desde que seja realizado dentro das regras brasileiras e que beneficie as duas nações.
Ele ressalvou, entretanto, não ter havido na viagem à China, maior parceiro comercial do país, uma conversa específica sobre áreas de investimentos, mas espera que, na próxima rodada de concessões, principalmente na área de rodovia, em setembro, a China possa se inserir.
"Eu deixei claro (na viagem à China) que o Brasil tem problemas sérios na infraestrutura, é um dos nossos gargalos e que torna a nossa produtividade baixa e que as empresas chinesas que quiserem investir no Brasil dentro regras brasileiras serão bem-vindas", disse Mourão em entrevista à Reuters. No mês passado o vice fez uma visita oficial ao gigante asiático.
Mourão afirmou que o Brasil não quer o pacote que os investidores chineses realizam em países africanos, quando levam cidadãos do seu país para trabalhar lá. Segundo ele, o país quer "juntar a fome com a vontade de comer" e garantir novos postos de trabalhos a brasileiros em razão de eventuais investimentos do país asiático.
"A empresa chinesa não pode chegar aqui e trazer 100.000 chineses para trabalhar no Brasil. Então, foi uma coisa que eu falei para eles. As empresas chinesas geram emprego para os chineses lá na China e queremos emprego para brasileiros no Brasil", afirmou.
O vice-presidente exemplificou que os chineses podem atuar na melhoria dos portos e da malha ferroviária a fim de escoar grãos do Centro-Oeste para o gigantesco mercado consumidor chinês, o que interessaria aos dois lados.
Mourão, que presidiu na China a reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), disse que quer levar adiante essas discussões que vão reduzir o custo do produto brasileiro para a exportação e também reduzir o custo do transporte.
O vice-presidente considera que sua viagem à China serviu para dissipar um eventual ruído vindo da época da campanha de que um eventual governo Jair Bolsonaro iria se afastar do país asiático e se alinhar aos Estados Unidos, no momento em que as duas potências travam uma guerra comercial de "forma bem intensa". Segundo ele, a ida à China serviu para reativar a Cosban, parada há quatro anos, e mandar uma mensagem política ao governo chinês de manter a parceria estratégica com eles.
"Então nós consideramos que os objetivos da missão foram cumpridos, o governo chinês entendeu o nosso posicionamento e a parceria prossegue na busca cada vez mais de uma intensificação da corrente de comércio e também de outros instrumentos que nos aproximem mais ainda", disse, ao destacar ter sido "extremamente" bem recebido, com um tratamento acima do cargo dele, pelo fato de ter sido recebido pelo presidente chinês, Xi Jinping. "Não é um fato normal."
O vice-presidente ressaltou que, na disputa comercial Estados Unidos-China, a posição do Brasil é "flexível e pragmática". Isso significa, segundo ele, tirar o melhor desse processo sem tomar partido.
"Se o Estados Unidos vão taxar produtos da China que vão chegar mais caros lá, é uma oportunidade para nós vendermos os nossos lá mais barato. Se a China vai deixar de importar alimentos que os Estados Unidos produzem, é mais oportunidade para nós colocarmos mais alimentos lá. A gente tem que ter mais flexibilidade de ver isso aí", disse.
Apesar das sinalizações positivas da viagem, o vice-presidente disse não ter visto ainda predisposição para avanço da China em negociações referentes a barreiras não-tarifárias. Ele disse ter falado na viagem sobre a certificação de frigoríficos brasileiros para exportar para o país asiático.
Mourão lembrou que a China passa por momento complicado, pois a produção de suínos está afetada pela peste africana e eles precisam substituir por outra matriz alimentar. Ele defende que o país asiático aceite a certificação que os frigoríficos brasileiros já possuem para exportar para a União Europeia e admitiu que é preciso aperfeiçoar o processo de empresas brasileiras de obtenção de certificados de exportação para a China.
"É mandado questionário para o frigorífico e aí a pessoa não responde ou responde incompleto, entendeu? Tem que melhorar o nosso processo também", reconheceu. Após a viagem, ele disse ter enviado ofícios aos ministérios envolvidos nas discussões para saber o que tem sido feito em cada uma dessas áreas para se ter uma coordenação e controle e não perder os esforços de avanço nessas áreas.
O vice-presidente destacou que o Brasil - que tem excedente na produção agrícola - tem um papel importante na questão da segurança alimentar da China. Ele avaliou que esse é um ponto fundamental para o país asiático e que o governo de lá "não pode se dar o luxo de ter instabilidade social" por isso.
Segundo Mourão, ele também tratou na viagem do fato de aeronaves da Embraer ainda não terem sido certificadas e que não há prazo para que isso ocorra.
Para o vice, a área de ciência e tecnologia é uma das que tem maior potencial de crescimento nos próximos anos na relação com a China. Mourão destacou que eles estão "evoluindo" na fabricação e uso de satélites, já tendo até parcerias com o Brasil, e convidaram o país para participar do programa de exploração do lado oculto da lua. "Esse intercâmbio é favorável para a gente", disse.
Mourão reiterou na entrevista ter dito ao presidente-executivo da multinacional chinesa Huawei, Ren Zhengfe, que a empresa tem de passar confiança na eventual implantação da tecnologia 5G nos países, mas fez questão de ressaltar que não há "nenhuma restrição" para a companhia atuar no país.
"O problema todo está centrado na ligação da Huawei com o governo chinês. Essa é a grande barreira, fora a disputa pela tecnologia", disse.
"Agora eu falei claramente para o CEO da Huawei que eles têm que passar confiança de que o acesso que eles terão ao implantar essa tecnologia nos países não será para simplesmente pegar todos aqueles dados que têm e colocar tudo na mão dos chineses", completou.
Um dos grandes mercados mundiais de uso de aparelhos celulares móveis, o Brasil vai promover a escolha da nova frequência de internet de quinta geração somente em 2020.
O vice-presidente, entretanto, destacou que não há "nenhuma restrição" para a multinacional operar no país e frisou que já está em atividade no Brasil, gerando empregos e vendendo componentes por aqui.
Questionado se haveria algum motivo para cautela, Mourão respondeu: "Por enquanto, não. Por isso que eu disse para ele (CEO da Huawei), a confiança é o fundamental disso aí."