Brasil

Morte de Ágatha põe pacote de Moro na berlinda

Grupo de trabalho na Câmara que analisa o pacote anticrime deve derrubar já na terça-feira trecho que reduz ou anula a pena de policiais e militares

Manifestação pela morte de Ágatha: cinco crianças já foram mortas em operações policiais no Rio em 2019  (Pilar Olivares/Reuters)

Manifestação pela morte de Ágatha: cinco crianças já foram mortas em operações policiais no Rio em 2019 (Pilar Olivares/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 23 de setembro de 2019 às 06h43.

Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 10h26.

São Paulo — Quando as revelações do site The Intercept sobre os métodos de trabalho de Sergio Moro na Lava-Jato começaram a sair dos holofotes, o ministro da Justiça deve ser pressionado agora em outra frente. A morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, deve reabrir os debates sobre seu pacote anticrime.

A expectativa é que parlamentares dediquem especial atenção ao excludente de ilicitude, que abranda penas a policias e militares que cometem excessos no exercício da função.

Segundo a Folha, o grupo de trabalho na Câmara que analisa o pacote deve derrubar já na terça-feira trecho que reduz ou anula a pena de agente que agir por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O texto, afirmam parlamentares e especialistas, pode dar um salvo-conduto para ações violentas uma vez que é muito difícil delimitar o que é “violenta emoção”. Ágatha, por exemplo, morreu durante uma operação da política militar no Complexo do Alemão.

O porta-voz da corporação afirmou que havia intensa troca de tiros com criminosos e que não há indício de participação de um policial na morte.

Ágatha estava em uma Kombi com o avô na noite de sexta-feira quando foi atingida por um tiro de fuzil nas costas. Familiares afirmam que a polícia fez o disparo na tentativa de acertar um motociclista.

A Polícia Civil e o Ministério Público vão apurar se o tiro partiu da arma dos PMs. Só este ano, ao menos 16 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio — cinco morreram, diz a plataforma Fogo Cruzado, que monitora tiroteios. O caso motivou críticas de autoridades.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que o caso reforça a necessidade de se avaliar de forma criteriosa o excludente de ilicitude. Segundo o deputado Capitão Augusto (PSL-SP), relator do projeto, o excludente de ilicitude não passará porque já havia maioria formada contra a proposta.

O pacote anticrime de Sergio Moro é uma das primeiras grandes medidas do governo de Jair Bolsonaro, apresentada no dia 4 de fevereiro como parte de uma das principais bandeiras da gestão, a segurança pública.

O plano do ministério da Justiça era que o pacote tramitasse antes da reforma da Previdência — o que não aconteceu, como se sabe. Dos três projetos do pacote, um, que estabelece a competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral, está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

A morte de Ágatha também coloca em xeque a política de segurança do governador do Rio, Wilson Witzel. Além dela, dois policiais foram enterrados no fim de semana, levando a 45 o número de policiais mortos este ano no estado.

O Brasil teve 57.341 mortes violentas em 2018, uma queda de 10% em relação a 2017. A violência policial, por outro lado, subiu 20%, com 6.220 pessoas assassinadas.

Investigação

Em nota, a gestão de Witzel disse ter determinado "máximo rigor" na apuração. Parentes de Ágatha e testemunhas já prestaram depoimento. Nesta segunda-feira (23) serão ouvidos os PMs e suas armas, recolhidas.

Witzel defende abertamente atiradores de elite em operações policiais em comunidades e para abater bandidos. Em 2018, disse que "a polícia vai mirar na cabecinha e...fogo!".

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes também comentou a morte de Ágatha no Twitter. "Uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana."

Emoção

O enterro de Ágatha foi marcado por comoção e protestos neste domingo no cemitério de Inhaúma, zona norte do Rio.

"Ela está no céu, o lugar que ela merece", disse o avô, Ailton Félix, ao lado de outros parentes, inconsoláveis. O cortejo até o cemitério reuniu uma pequena multidão.

"A polícia matou um inocente. Não teve tiroteio. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!", gritava um homem, que seria o motorista da Kombi onde estava a menina. O ator Fábio Assunção também foi ao local e disse que "a sociedade tem de se pronunciar".

No fim de semana, moradores do Complexo do Alemão, onde vivia Ágatha, fizeram protestos contra a violência policial e o uso de helicópteros que estariam disparando contra as favelas.

No domingo, uma operação policial na Cidade de Deus, zona oeste, deixou um morto, de 18 anos, e outro ferido, um morador da comunidade atingido nas costas quando ia à igreja.

Segundo a TV Globo, a PM disse que a vítima era um suspeito de tráfico. Os policiais disseram que foram recebidos a tiros.

(Com Estadão Conteúdo)

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeMortesPolícia MilitarRio de JaneiroRodrigo MaiaSergio MoroWilson Witzel

Mais de Brasil

Desde o início do ano, 16 pessoas foram baleadas ao entrarem por engano em favelas do RJ

Justiça suspende revisão que permitiria construção de condomínios nos Jardins

Dino convoca para fevereiro audiência com nova cúpula do Congresso para discutir emendas

Em decisão sobre emendas, Dino cita malas de dinheiro apreendidas em aviões e jogadas por janelas