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Moradores de rua tentam driblar frio se juntando para dormir

Para se abrigar do frio intenso que tem atingido a capital paulista nos últimos dias, os moradores de rua contam ter recorrido a algumas estratégias


	Morador de rua: nesta madrugada, a cidade registrou 0°C, na estação meteorológica da Capela do Socorro, na zona sul
 (Nacho Doce / Reuters/Reuters)

Morador de rua: nesta madrugada, a cidade registrou 0°C, na estação meteorológica da Capela do Socorro, na zona sul (Nacho Doce / Reuters/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2016 às 22h22.

Para se abrigar do frio intenso que tem atingido a capital paulista nos últimos dias, os moradores de rua contam ter recorrido a algumas estratégias como: aproximar-se uns dos outros na hora de dormir, a proteção de barracas de camping que lhes foram doadas, a improvisação de barracas com lonas pretas, a proteção de marquises que ajudam a espantar o frio ou o reforço nos cobertores e caixas de papelão.

Nesta madrugada, a cidade registrou 0°C, na estação meteorológica da Capela do Socorro, na zona sul. Foi a temperatura mais baixa em 12 anos, medida pelo Centro de Gerenciamento de Emergência (CGE).

Alguns moradores disseram à reportagem da Agência Brasil que os amigos que encontram nas ruas também ajudam a espantar o frio.

Apesar das baixas temperaturas, muitos evitam ir aos centros de acolhida à noite, e as razões são as mais diversas. Vão desde o fato da rede municipal ser insuficiente, passando pelo fato de algumas estarem muito distantes do centro da capital ou do local onde atualmente eles se encontram até o fato de as redes de acolhimento não aceitarem cachorros – suas companhias constantes.

Eles reclamam também que, nos centros de acolhida, não há um local adequado onde eles possam deixar, por exemplo, os carrinhos onde depositam os materiais recicláveis que eles vão recolhendo pelas ruas da capital e que os ajudam no sustento do dia a dia. Há também os que reclamam dos horários que são estabelecidos nos centros de acolhida.

O catador de produtos para reciclagem José Hortencio dos Santos, 41 anos, é morador de rua há quatro anos. “Trabalho o dia inteiro e um pouco de noite, até meia-noite ou 1h da manhã. Trabalho na região do centro ou em Santa Cecília. Onde posso ir, eu vou. Faço isso há dois anos já”, relatou.

A reportagem encontrou José Hortencio na Praça da República, mas ele costuma passar a noite próximo à estação do metrô São Bento. “Procuro uma marquise para não me molhar, né? No frio, a gente dá um jeito de arrumar umas cobertas e se enrolar. Visto uma blusa, duas ou três e aí dá para passar a noite”.

Santos falou que não vai para um centro de acolhida porque lá não aceitam o seu cachorro. E também porque não teria onde deixar o carrinho com os produtos de reciclagem que vende.

“No albergue não pode porque tenho uma carroça para trabalhar e um cachorro. E lá não aceita”, disse o morador que, no entanto, não se queixa do auxílio da prefeitura, que inclui o lugar pra dormir e a comida. “A prefeitura já está fazendo o suficiente que é dar o pouso e a comida. Mas não é qualquer pessoa que pode ir para o albergue. Tem uma carroça ou cachorro e não tem onde deixar, aí é problema da pessoa”.

Sheila Duarte Amorim, 32 anos, vive desde os 12 nas ruas. Há 15 dias, ela vive em uma barraca de camping que foi instalada embaixo do Viaduto da Major Diogo, na região da Bela Vista, no centro da cidade. “Ganhei uma barraca aqui. Durmo aqui, acordo e vou para a escola, para os meus cursos”, contou ela, que atualmente, está fazendo um curso para auxiliar de limpeza e de conservação de ambientes. Para enfrentar o frio, ela conta que tenta “se proteger ao máximo”.

“Mesmo com uma ou duas cobertas não adianta. O frio bate. E quando ele bate, a gente, que tem uma vulnerabilidade de rua, sofre bastante com isso. Estou me cobrindo com mais de uma manta, mais de um cobertor”, disse.

O desempregado Milton Sérgio, 36 anos, que vive atualmente de bicos, mora há quatro semanas em um coreto na Praça da República, no centro de São Paulo, com outros moradores de rua.

“Tem feirinha de domingo aqui, a gente vai lá e desmonta as barracas e consegue algum dinheiro. Não roubamos ninguém aqui”, disse.

Nos dias frios, contou, ele e os demais moradores de rua que vivem ali se aproveitam, principalmente, das doações. “É triste. Mas, aqui, a gente é muito unido. Pegamos uma esfirra e dividimos em quatro ou seis. Tem marmitas que o pessoal também dá pra gente. Tem cobertores também. No sábado, trouxeram uns cobertores e roupas para o pessoal. Quando está muito frio, a gente se une. E aí a gente se aquece”, disse Milton, relatando que a união na hora de dormir também ajuda.

Milton também alegou a distância do abrigo em relação ao centro da cidade para explicar o porquê de dormir na rua. “Em albergue, muitas vezes, eles te deslocam para um lugar muito longe. Aí você tem que voltar andando e é muito complicado. Aqui temos um lugar para pegar água, temos um lugar onde um rapaz pega comida, banho a gente toma em uma tenda na 9 de Julho [avenida no centro da capital]”, relata o morador de rua que mostrou os amigos que buscam alimento e água para todos.

Já na Praça Princesa Isabel, também no centro da capital, a reportagem se deparou com Maria, 50 anos, e João, 21 anos, [nomes fictícios que foram usados para preservar a identidade já que as famílias de ambos não sabem que eles vivem nas ruas].

Ambos estavam enrolados em um cobertor e sentados sobre outro cobertor, que foi estendido na grama. Maria está desempregada e carrega consigo todos os documentos para quando conseguir algum trabalho. Ela conta que  foi casada, teve filhos e sua família vive em Santos, no litoral paulista. Morando atualmente na rua, ela conta que os dias de frio “estão sendo puxados”.

“Muito frio. Temos muita coberta e dormimos não aqui, mas do outro lado [da rua], onde é mais coberto”.

Para ela, a prefeitura poderia fazer mais pelos moradores de rua. “Podia sim, para quem quer uma outra oportunidade e tem objetivo bom, dar uma chance para a pessoa trabalhar, ter um serviço”.

Seu amigo João está nas ruas há quatro meses. “Eu vim da Bahia, atrás de emprego. Cheguei aqui e nada”, disse. Enquanto escreve músicas em seu caderno, João relata como enfrenta o frio. “Está difícil, hein? Se não tiver coberta, passa frio. Tem dias que conseguimos almoçar e tem dias que a gente não janta porque não é todo dia que passa a doação. Mas hoje já almoçamos”. João prefere não ir para um centro de acolhida porque não se sente bem lá. “Albergue eu não gosto não. Albergue não presta. É ruim. Tudo lá é zuado. A comida é pouca”.

Mortes por causa do frio

Desde a última quinta-feira (9), quatro moradores de rua já morreram em São Paulo. As causas da morte ainda estão sendo investigadas, mas a Arquidiocese de São Paulo acredita que a razão são as baixas temperaturas. Com recordes de frio, São Paulo registrou 0ºC hoje (13), às 3h30, o que deixa os moradores de rua ainda mais vulneráveis.

O catador José Hortencio dos Santos, o primeiro ouvido hoje pela reportagem quando vinha o fim da tarde e o início da noite já trazendo uma temperatura mais baixa, soube das mortes dos moradores de rua. Para ele, não havia alternativas para eles que não fosse tentar enfrentar o frio. “A pessoa não está tendo condições para estar em uma casa ou pagar hospedagem para passar a noite. Então o jeito é encarar o frio”, disse.

Em entrevista hoje à Agência Brasil, o frei Agostino, da Comunidade Voz dos Pobres, disse que a rede de acolhimento da cidade é insuficiente para atender os moradores de rua, que somam quase 16 mil pessoas, segundo um censo divulgado pela Secretaria Municipal da Assistência Social.

Segundo a prefeitura, a Operação Baixas Temperaturas, iniciada em 16 de maio, recolhe, em média, mais de 9 mil pessoas por dia. A administração municipal informou que ampliou em 1,2 mil as vagas nos 79 centros de acolhida da capital. No total, a cidade tem 10 mil vagas fixas.

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