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"Os partidos acabaram", diz jurista Modesto Carvalhosa

Defensor e idealizador de um novo projeto de país, Carvalhosa insiste na convocação de uma Assembleia Constituinte para 2018. Veja entrevista

Modesto Carvalhosa: "Chegando a 2018, a sociedade civil tem que apresentar candidatos para substituir os políticos profissionais que estão no Congresso" (Jonne Roriz/Divulgação)

Modesto Carvalhosa: "Chegando a 2018, a sociedade civil tem que apresentar candidatos para substituir os políticos profissionais que estão no Congresso" (Jonne Roriz/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 1 de julho de 2017 às 14h35.

Última atualização em 3 de julho de 2017 às 22h27.

Jurista de renome, Modesto Carvalhosa, 85 anos de idade, ofereceu-se a presidente da República, caso o Brasil tenha eleições indiretas em um futuro próximo. O que lhe dá vontade de surfar no mar da política é o completo inconformismo com o status quo, com os partidos políticos, com os líderes de carreira e o sistema corrompido.

Defensor e idealizador de um novo projeto de país, chamado “Brasil: agenda ética”, Carvalhosa insiste na convocação de uma Assembleia Constituinte para 2018. As saídas para eliminar o aparelhamento do Estado, ele detalha em entrevista a EXAME Hoje, em seu escritório em São Paulo. Aproveita também para descarregar sua ira contra as legendas — ao longo da conversa, a palavra “bandidos” aparece sete vezes.

“São inúmeros problemas estruturais que permitem assaltar o Estado. Sem uma renovação, saímos da crise de Temer para uma nova crise no próximo governo”, diz o jurista. “A estrutura é viciadíssima, de total promiscuidade entre o setor privado e público. (…) Quem fez com que houvesse rejeição dos políticos são os próprios políticos, que são corruptos, bandidos, ladrões!”

Leia abaixo a entrevista:

Temos o primeiro presidente indiciado por corrupção passiva. O governo chegou no limite? Como se manter em meio aos escândalos?

Se Temer fosse flagrado naquele áudio nada republicano com um Congresso limpo, já teria caído. Seria o impeachment por crime comum. Mas não caiu porque está apoiado em um número enorme de pessoas na mesma situação criminal dele, em cargos no Congresso, que aprovam a ação chegar no Supremo, e no Executivo, que o pressionam a ficar pelo foro privilegiado. Hoje em dia, a classe política está profundamente envolvida nos crimes de corrupção.

O problema é jurídico, que protege o presidente nesta situação por meio do Congresso, ou político, de sistema eleitoral, cujo financiamento compromete os eleitos?

Começa assim: o Estado brasileiro foi cooptado pelo PT para estar a serviço do partido. Virou um instrumento de cleptocracia. Como tinham que se fixar no poder, aparelharam estatais, ministérios e cargos com verba, para que, com partidos da coligação, pudessem furtar o máximo de dinheiro a ser revertido em campanhas e reiniciar o ciclo. São milhares de atores da corrupção. O que já foi descoberto é só a ponta do iceberg. Todos os setores foram fraudados no mesmo modelo. Nos governos anteriores, existia muita corrupção, mas não eram governos corruptos. Este era um governo corrupto. Os sintomas passam adiante para o governo Temer. A União controla centralizada todas as verbas, que impede que se resolvam as crises e atendem interesses. Os partidos têm monopólio da atividade política. São área de reserva de atuação política e fazem dos cidadãos pagadores de impostos, mesmo sem serviços decentes. Não tem participação da sociedade, que está totalmente afastada. Precisa-se de uma nova Constituição, com inúmeras reformas que acabariam com as relações duvidosas. Inserindo voto distrital puro, impedindo a reeleição, acabando com marketing eleitoral — com candidatos de mesmo tempo de TV e rádio, sem as narrativas malucas e mentiras —, teríamos bons frutos. Tirar a possibilidade de membros do Legislativo exercerem cargos de Executivo acabaria com a barganha por cargos de confiança. São 22.000 comissionados. Poderíamos ter 80, como o ministro e seu chefe de gabinete. O resto seria funcionário de carreira. Acabar com nomeações políticas para o Supremo Tribunal Federal e Procuradoria-Geral da República. São inúmeros problemas estruturais que permitem assaltar o Estado. Sem uma renovação, saímos da crise de Temer para uma nova crise no próximo governo. A estrutura é viciadíssima, de total promiscuidade entre o setor privado e público.

Nenhuma dessas reformas agrada à classe política. Como viabilizá-las, pensando que não conseguimos nem votar uma simples reforma política?

Primeiro de tudo, a sociedade brasileira está desafiada, havendo eleição indireta, a ter um candidato civil para se apresentar ao Congresso. Não-político. Inclusive, ofereci meu nome para a candidatura, para dar uma sinalização. Chegando a 2018, a sociedade civil tem que apresentar candidatos a presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, com quadros completos, para substituir os políticos profissionais que estão no Congresso. É importante, pelo voto, democraticamente, criar condições para uma nova Constituição em 2018. Em 2018, se for eleita essa turminha que está lá — Marina, Lula, Serra, esses caras que estão aí — vai ter crise continuada.

Seu prognóstico para 2018 sem reforma constitucional é de piora, mesmo sem Temer?

Não, pois temos um regime democrático em pleno funcionamento. Um regime pleno de liberdades, de ir e vir, de expressão, de imprensa. E temos uma sociedade que deve votar. A sociedade tem a obrigação, apenas, de botar esse povo para fora. Temos uma chance histórica de melhorar o país. A crise permite que possamos sair dessa rotina aparelhada, apresentando uma série de candidatos. Mas se não fizermos isso, tchau.

Mas há uma crise de lideranças no país. Os partidos hoje quebram a cabeça para achar um candidato. Como pensar em alguém com legitimidade, mas totalmente fora do sistema?

O Brasil tem centenas de pessoas competentes para assumir o poder. Centenas de centros de excelência, de estudos de políticas públicas, de educação, higiene, saneamento, transportes, urbanismo. São centenas de estudos da maior profundidade. Um país com uma massa crítica e gente competentíssima para assumir. Como não tem?

Algum nome?

Tem tanto nome, é só ver e escolher. Aparecendo um nome realmente de peso, honesto, correto, decente, com conhecimento de políticas públicas, vai ganhar votos. O povo quer votar em não-político. A França está aí. O povo votou no Emmanuel Macron porque não era político. Donald Trump não é político. O João Doria ganhou porque se apresentou como não-político. Mas tem que ter coragem. Não precisa ter horas de televisão, falar aquelas mentiras, tipo Dilma com aqueles marqueteiros sórdidos. Nada! Votarão no outro. Votaram até no Trump, que é um cafajeste, mas não é político! Há um levante mundial contra os partidos tradicionais e contra os políticos. É um fenômeno geral da democracia no século XXI. Os partidos são fatores de atraso, não de progresso, na sociedade.

A rejeição aos políticos não lhe preocupa, com a possibilidade de aparecimento de um populista ou aventureiro?

Não. Quem fez com que houvesse rejeição dos políticos são os próprios políticos, que são corruptos, bandidos, ladrões!  Eles criaram essa rejeição, não a sociedade. Agora, não quer dizer que a sociedade se despolitizou. A sociedade está politizada como nunca. Não é rejeição à participação política. É a rejeição a eles, que são uns bandidos. Já viu uma sociedade mais politizada que a brasileira? A classe D e E estão atentas. Pega o trem lotado e pergunta se o passageiro não sabe quem é o responsável. Para um nome bom ganhar a eleição, é só aparecer.

Em qualquer partido?

Em nenhum desses. Se entrar em partido corrupto, não ganha. Tem que ser fora dos tradicionais. O próprio Trump foi eleito falando mal do Partido Republicano. Só pegou a carona, com o partido contra ele. Tem que ser de fora dos partidos ou um partido novo. Tem iniciativas ótimas, que estão zero quilômetro.

Mas a máquina partidária ainda é muito forte em um momento de eleição.

As redes sociais elegem esse cara. Não adianta mais ter dinheiro e fazer marketing canalha, porque as redes sociais conseguem checar. Até índio tem computador e WhatsApp. Acabou a necessidade de acesso físico.

Temos estrutura para nos livrarmos assim de partidos políticos?

Temos estrutura e temos que nos mobilizar para acabar com eles. Como está, não dá. Com a Operação Mãos Limpas, dissolveram-se oito partidos tradicionais por falta de eleitor. Então é isso aí. O Partido Socialista francês, que não é corrupto como estes daqui, foi dizimado na eleição agora. Ficou com um décimo dos deputados. No Brasil, ninguém quer porque são bandidos, que vendem leis e horário de TV na campanha. Isso é partido político? O PSDB é partido político? O PMDB? O PT? São organizações criminosas. Não sobrou nada. São todos corruptos, mas acabou para eles.

Nas últimas eleições, só o PT sentiu esse efeito de encolhimento. Por quê?

Porque ainda não se acreditava, ou não se sabia, que os outros eram ladrões também. Que tinha o Aécio Neves no meio, que tinha recebido 80 milhões de reais, que recebeu tanta grana quando a Dilma. Que puseram dinheiro no bolso. Em 2016, não se sabia que o PSDB era bandido, que o Aécio era bandido. E é tão bandido, que nem tiraram o cara da Presidência do partido. E ainda estão pensando em aliança com o PMDB, do jeito antigo de fazer política. Mal sabem que o eleitor não vai votar neles.

A sociedade está se mobilizando de forma organizada? Os protestos minguaram.

O problema do protesto é que as bandeiras se misturaram. Como vai sair esse “Fora, Temer” se o lado do PT quer eleição direta para trazer de volta o Lula? Vai sair na rua misturado? Não dá.

Mas a mistura de bandeiras existia nas manifestações contra Dilma. Havia alas que iam do PSDB até os que queriam intervenção militar.

Acredito que falte coragem de fazer as manifestações devidas. Há um medo porque o destino é incerto. Sai o Temer para votar o Lula? O que é pior? Um é um bandido e o outro é um projeto de acabar com a burguesia e fazer um regime populista. É difícil. Creio que o importante é mobilizar para a eleição indireta, se houver.

Se houvesse essa mobilização, Temer teria caído?

Com certeza. A própria queda da Dilma foi resultado disso. Eram 1 milhão de manifestantes na mesma pauta. Tenho a impressão que qualquer vacilo econômico, Temer cai. Se o ministro da Fazenda resolve sair, não tem mais jeito. O que segura é a excelente equipe econômica, que dá confiança para o empresariado. Se por ventura o Meirelles tentar aumentar impostos e for barrado, pode cair fora. Sem reformas e sem ministro, acabou o governo. O problema é que as classes produtoras preferem que Temer fique aí e administre a possibilidade de reformas e certa estabilidade. E com medo de Lula. Não deixa de ser legítimo o raciocínio, mas é uma visão muito curta do problema.

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