Mercadante no BNDES: entenda qual foi a reação do mercado
Presidente eleito diz que banco de fomento precisa de alguém que pense em reindustrializar o Brasil
Agência O Globo
Publicado em 15 de dezembro de 2022 às 07h43.
Última atualização em 21 de dezembro de 2022 às 17h45.
Quatro dias depois de anunciar que Fernando Haddad será o titular do Ministério da Fazenda, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o ex-ministro Aloizio Mercadante assumirá o comando do BNDES, o banco de desenvolvimento.
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Lula defendeu o fim de privatizações e a reindustrialização do país. O anúncio deixa mais claro o perfil da equipe econômica do futuro governo e foi feito no mesmo dia em que Haddad apontou alguns dos principais nomes da pasta, como Bernard Appy e Gabriel Galípolo.
— Aloizio, eu tenho escutado críticas sobre você ser presidente do BNDES. Eu quero dizer para você que não é mais boato, você será presidente do BNDES — afirmou Lula.
Bolsa zera ganhos no ano
O presidente eleito voltou a prometer crescimento com igualdade e defendeu uma economia com mais participação do Estado:
— Vai acabar com as privatizações nesse país e vamos poder provar que empresas públicas podem mostrar sua rentabilidade — disse Lula.
O nome de Mercadante não foi bem recebido pelo mercado financeiro. Desde segunda-feira, investidores davam sinais de nervosismo com a possibilidade de ele assumir o posto. Na terça-feira, a Bolsa, que alternou altas e baixas antes da declaração de Lula em evento de agradecimento aos grupos da transição, fechou em baixa de 1,71%, aos 103.540 pontos, e zerou os ganhos do ano.
O dólar subiu 0,05%, a R$ 5,31, na contramão do movimento visto no exterior, de queda da moeda americana após a divulgação de dados de inflação nos EUA. No mercado de juro futuro, houve aumento das taxas para os próximos anos. O contrato do depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 subiu de 13,41% para 13,65%.
Existe ainda preocupação de que a indicação resulte em mudanças na Lei das Estatais, criada para proteger a governança das empresas públicas de intervenções políticas. Mercadante atuou na campanha e é presidente da Fundação Perseu Abramo, órgão de assessoramento do PT.
A rigor, o artigo 17 da lei veda a indicação “de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”. Mas o governo já articula estratégia para viabilizar a nomeação.
Mercadante contesta restrição
Em nota, assessoria de Mercadante nega que ele tenha restrições legais que o impeçam de assumir o BNDES.
"O inciso II do §2º do art. 17 da Lei das Estatais veda a indicação 'de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral'; Neste sentido, informamos que Aloizio Mercadante ocupa o cargo de presidente da Fundação Perseu Abramo, fundação que não faz parte da estrutura decisória do PT; Mercadante não exerceu qualquer função remunerada na campanha vitoriosa do Presidente Lula, não tendo sido vinculado a qualquer atividade de organização, estruturação ou realização da campanha; Na campanha, o ex-ministro limitou-se a colaborar para a elaboração do programa de governo, função esta não abarcada nas limitações da Lei das Estatais; e por fim, como é de conhecimento público, Aloizio Mercadante é doutor em economia e possui notório saber na área de atuação do BNDES", informa o documento.
O temor do mercado é que a indicação de Mercadante reforce uma política de caráter mais intervencionista no banco de desenvolvimento. Nos governos do PT, o BNDES foi um dos principais instrumentos de aumento da presença do Estado na economia. O receio é que o ex-ministro leve o banco a retomar a política de crédito subsidiado e incentivo aos investimentos em grandes empresas de alguns setores.
Contra BNDES 'acanhado'
Desde o governo de Michel Temer, o banco de fomento vem reduzindo sua participação no mercado de crédito e se desfez de participações acionárias em parte das grandes empresas que compõem sua carteira. Na visão de analistas do mercado, isso permitiu maior abertura ao mercado de capitais e mais eficiência na concessão de crédito. Há ainda o receio de mudanças na Taxa de Longo Prazo (TLP), em vigor desde 2018 e que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Na semana passada, Mercadante fez críticas à TLP e afirmou ser contra a visão de um BNDES “acanhado”, “sem capacidade de financiamento ou impulso à indústria”. Na véspera do anúncio de seu nome, ele se reuniu com a Febraban, a federação dos bancos, e, segundo interlocutores, disse não haver espaço para a volta de políticas de subsídios nos moldes das que foram praticadas nos bancos em gestões anteriores do PT.
Lula disse que o papel do banco em seu governo será promover a reindustrialização do país:
— Nós estamos precisando de alguém que pense na indústria brasileira, que pense em reindustrializar este país. De alguém que pense na inovação tecnológica, que pense na geração de financiamento ao grande e ao médio empresário para que este país volte a gerar emprego.
Fiel escudeiro
Lula indicou o presidente do BNDES antes de anunciar o titular do Ministério da Indústria e Comércio, pasta a qual o banco estará subordinado. Um dos cotados para o posto é o empresário Josué Gomes, presidente da Fiesp e filho do ex-vice-presidente José Alencar.
Mercadante volta ao governo federal seis anos após ter deixado o posto de Ministro da Educação do governo Dilma Rousseff. Integrante do círculo mais próximo do presidente eleito, Mercadante foi coordenador do plano de governo. E acompanha Lula em corridas presidenciais desde a década de 1980.
No governo Dilma, o economista foi o fiel escudeiro da ex-presidente até seu último dia de mandato em 2016, quando deixou cargo após impeachment.
Lula e Mercadante se conheceram na metade dos anos 1970, quando o ex-presidente era dirigente sindical e Mercadante presidente do Centro Acadêmico da USP. Entre petistas, o economista é reconhecido por não ter se afastado de Lula na época da prisão em Curitiba e ter sido um dos nomes que fez a defesa pública do presidente eleito.