Mensalão: Barbosa acusa Lewandowski de fazer ‘vista grossa’
Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski voltaram a discutir, desta vez sobre provas contra o tesoureiro informal do PTB na época, Emerson Palmieri
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2012 às 19h30.
Brasília - Em mais um - e, talvez, o mais tenso - bate-boca nas sessões plenárias do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), o relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, discutiram nesta quarta-feira sobre a relevância e o descarte de depoimentos de algumas testemunhas. Barbosa chegou a acusar o colega de tribunal de fazer “vista grossa” a interrogatórios relevantes nos autos, como os de Marcos Valério de Souza e sua funcionária Simone Vasconcelos, e insinuou que o magistrado usava de “hipocrisia”.
O embate começou após Ricardo Lewandowski afirmar ter dúvidas sobre a participação do tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri, no controle das finanças do partido e até na distribuição de recursos do valerioduto. O revisor apoiava seu voto num depoimento de José Múcio Monteiro, ex-filiado ao PTB e hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre os reais poderes de Palmieri na legenda.
Foi interrompido prontamente por Joaquim Barbosa. O relator disse que, como contraponto a seu voto, Lewandowski poderia ter divergências jurídicas ou filosóficas, mas nunca interpretações factuais opostas, como no caso da participação de Emerson Palmieri no mensalão. “Divergências factuais não (podem). Não podemos fazer vistas grossas”, disse.
Lewandowski apelou para a ironia: “Se Vossa Excelência não admite divergência, propusesse à comissão de redação do tribunal que abolisse a figura do revisor. Para que a figura do revisor? Quer que eu coincida em todos os pontos de vista com Vossa Excelência? Vossa Excelência disse com todas as letras que eu fiz vista grossa. Não será Vossa Excelência quem dirá o que tenho que fazer”, rebateu Lewandowski.
Em meio ao longo bate-boca, Joaquim Barbosa apontou uma das causas de sua irritação: a busca de Lewandowski por um protagonismo incabido. "É absolutamente heterodoxo um ministro revisor ficar medindo o tamanho do voto do relator para replicar o seu voto do mesmo tamanho. É cansativo”, disse Barbosa. Com a demora no voto do revisor e a discussão desta quarta-feira, o cronograma previsto atrasará ainda mais. Resultado: é possível que José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno só conhecerão seus vereditos depois do primeiro turno das eleições municipais, marcadas para 7 de outubro.
De pé – Joaquim Barbosa acompanha boa parte da sessão plenária nessa posição por conta de dores nas costas – o relator foi interrompido pelo ministro Marco Aurélio de Mello, que pediu que não fossem usadas palavras duras na discussão. “Cuidado com as palavras, ministro. Vossa Excelência está em um colegiado de alto nível. Vamos respeitar os colegas. É a agressividade, ministro. Policie sua linguagem”, pediu um dos mais antigos integrantes da corte.
Joaquim Barbosa rebateu e disse que utilizava muito bem as palavras para aquela ocasião. “Eu estou usando muito bem meu vernáculo”, afirmou se dirigindo a Mello. Em seguida, ainda acusou Ricardo Lewandowski de medir a quantidade de páginas de seu voto para, como em um contraponto, fazer votos longos e cansativos para os demais integrantes do tribunal.
“Não divirjo pelo simples prazer de divergir. Como revisor, estou cumprindo meu papel de rever os autos. Vossa Excelência está dizendo que eu quero induzir meus pares ao erro? Estou estupefato, perplexo com essa afirmação. Não sei se tenho condições de continuar”, disparou Lewandowski em nova réplica. Com intervenção do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, o ministro revisor continuou, então, seu voto sobre réus ligados ao PTB.
O embate entre relator e revisor não foi o primeiro desde o início do julgamento do mensalão, em 2 de agosto. Logo na primeira sessão plenária, Barbosa acusou Lewandowski de “deslealdade” por propor o desmembramento dos autos e a remessa do caso dos réus sem foro à primeira instância.
Palmieri - Ricardo Lewandowski absolveu Emerson Palmieri, que era tesoureiro informal do PTB, da acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro disse que Palmieri agiu todo o tempo sob orientação de Roberto Jefferson – que, em seus depoimentos, assume sozinho a responsabilidade pelos repasses financeiros ao PTB. O revisor citou outros depoimentos para corroborar sua tese de que o réu não ordenou qualquer saque financeiro do valerioduto.
“Os depoentes com toda a firmeza, com toda a convicção, afirmam que Emerson Palmieri nada tinha a ver com as finanças do partido. Não era tesoureiro, era secretário. Era o articulador político”, disse Lewandowksi.
Um ponto do voto do ministro chamou a atenção porque revela parte do voto do ministro sobre José Dirceu: durante a montagem do valerioduto, Palmieri, Marcos Valério e o sócio do publicitário, Rogério Tolentino, foram a Portugal e se reuniram com Miguel Horta, comandante da Portugal Telecom e do Banco Espírito Santo. O Ministério Público Federal diz que a viagem foi uma tentativa de obter recursos para o valerioduto, a mando de Dirceu. Lewandowski, por sua vez, achou uma outra explicação: alega que o encontro dizia respeito aos negócios decorrentes das privatizações na telefonia. Coube ao relator Joaquim Barbosa lembrar o óbvio: nenhum dos três acusados ocupava qualquer cargo no governo brasileiro para poder negociar sobre o tema.
Romeu Queiroz - Lewandowski ainda condenou o ex-deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) por corrupção passiva. O petebista indicou um assessor da legenda em Minas Gerais para sacar dinheiro do valerioduto em benefício do partido, à época presidido por José Carlos Martinez, e negociou para que os repasses do valerioduto fossem retomados após a morte do dirigente. Lewandowski, no entanto, absolveu o ex-deputado do crime de lavagem de dinheiro por considerar que um mesmo réu não pode ser penalizado duas vezes por ter recebido os mesmos recursos.