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Mendes no auge da polêmica

Sucessão de controvérsias envolvendo o ministro faz juristas consultados entenderem que suas declarações ficam "longe da discrição desejada para o cargo"

GILMAR MENDES: em 15 anos no Supremo, o ministro coleciona polêmicas / Ueslei Marcelino/ Reuters (Ueslei Marcelino/ Reuters/Reuters)

Raphael Martins

Publicado em 3 de maio de 2017 às 17h32.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

A metralhadora giratória Gilmar Mendes atacou novamente nesta terça-feira. O ministro do Supremo Tribunal Federal somou mais uma polêmica às tantas que acumula nos 15 anos de Corte. Mendes, agora, disparou contra a força-tarefa da Operação Lava-Jato: chamou de “brincadeira quase juvenil” a nova denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-ministro José Dirceu no mesmo dia que a Segunda Turma do Supremo, da qual é presidente, julgaria um habeas corpus em seu favor.

Mendes foi um dos três ministros — junto com Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski — que votou por soltar Dirceu, que agora vai aguardar o julgamento em segunda instância longe da prisão onde estava desde 2015. Como não é dado a modéstias, Mendes chamou, nesta quarta, seu voto de “histórico”. “Creio que o Tribunal está dando uma lição ao Brasil. Há pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República, como a ninguém, pressionar o Supremo Tribunal Federal”. Procurado, o ministro não concedeu entrevista.

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A rispidez de sua fala, como era de se esperar, colocou o MPF em sua longa lista de desafetos. O coordenador da força-tarefa no MPF, Deltan Dallagnol, foi ao Facebook dizer que foi “frustrada” a esperança de que o Supremo “julgará com coerência” as ações da Lava-Jato.

Ato contínuo, Mendes virou alvo dos grupos de extrema direita que protestaram ontem na porta do Supremo, chamando-o de “traidor”. O site O Antagonista afirmou que, junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ele está determinado a melar a Lava-Jato. Logo ele que, em janeiro, num evento do Instituto de Direito Público, em São Paulo, respondeu a perguntas sobre seu histórico de confrontos digno do cartel de um boxeador. “De petista, nunca fui acusado”. Pois bem, ontem foi.

Neste mesmo evento, arrumou outro conflito com um colega de corte. O contexto era o clima amargo entre Legislativo e Judiciário, apimentado pela liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, que pedia o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. Mendes juntou-se aos senadores ao criticar a decisão monocrática de Marco Aurélio, dizendo ao jornal O Globo que “não se corre atrás de doido porque não se sabe para onde ele vai”. Chegou a sugerir o impeachment do colega.

No repertório estão ainda outros ataques aos ministros do Supremo. Definiu como “surto decisório” a determinação de Luiz Fux de voltar a tramitação das 10 Medidas na Câmara dos Deputados e de “bizarra” a decisão de Ricardo Lewandowski de fatiar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O tema, inclusive, foi centro de um bate-boca em Plenário entre os ministros. “Basta ver o que vossa excelência fez no Senado”, disse Mendes. “Basta ver o que vossa excelência faz diariamente nos jornais”, respondeu Lewandowski. Num debate acalorado, em 2009, o ex-ministro Joaquim Barbosa sugeriu que Mendes baixasse o tom porque não estava falando “com seus capangas do Mato Grosso”.

O histórico

Gilmar Mendes de fato é mato-grossense. Formado em direito, mestre pela Universidade de Brasília e doutor pela alemã Westfälische Wilhelms – Universität zu Münster, Mendes atuou boa parte da vida em cargos de direito público, angariando contato com o mundo político de Brasília. Foi Procurador da República entre 1985 e 1988, até chegar a adjunto da Subsecretaria-Geral da Presidência da República, em 1990. Depois, consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência da República (1991 e 1992) e assessor técnico na Câmara dos Deputados (1993 e 1994). Já no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que mais tarde o nomearia ministro do Supremo, foi assessor técnico do Ministério da Justiça (1995 e 1996), chegou a subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (1996 a 2000) e Advogado-Geral da União (2000 a 2002). Presidiu o Supremo de 2008 a 2010, parte do período de julgamento do mensalão.

Nos últimos anos, a Lava-Jato é um de seus alvos preferidos. A proposta das Dez Medidas contra a Corrupção, encampadas intensamente por Dallagnol, foram atacadas à exaustão. “Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de sistema, é um cretino absoluto”, disse sobre a proposta que validava prova ilícita feita de “boa fé”. Ainda sobre o assunto, disse que “isso aí é um AI-5 do Judiciário. Nós estamos fazendo o que os militares não tiveram condições de fazer. Eles foram mais reticentes em fechar o Congresso do que nós”.

“Gilmar Mendes tem um perfil agressivo. Em 20 anos de atuação, nunca vi um juiz que vai à mídia para criticar acusação ou a defesa. Não nos cabe uma resposta. Precisamos investigar, processar e lamentar”, afirma a procuradora da República com atuação no Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Thaméa Danelon.

Para juristas consultados por EXAME Hoje, o peso das declarações de Gilmar Mendes varia, mas sempre ficam longe da discrição desejada para o cargo. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Ivar Hartmann entende que a lei proíbe os juízes de falar publicamente sobre o mérito de casos que virão a julgar mais tarde.

“O grau de influência das declarações como estas é avassalador. Na Lava-Jato, a consequência dessa postura é colocar em questionamento a imparcialidade do Supremo. O cidadão vê Gilmar Mendes tomando posição diariamente em público e pensa ‘será que os outros ministros são diferentes ou fazem o mesmo?’”, diz Hartmann.

Fora a língua solta, a agenda de Mendes também é alvo constante de críticas em meio à Lava-Jato. Ele também é, vale lembrar, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, responsável por julgar a cassação da chapa Dilma-Temer. Ainda assim, jantou diversas vezes com o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE)

Durante a colheita de depoimentos da Odebrecht ao tribunal, o ministro e Temer reuniram-se fora dos registros da agenda oficial. Além disso, Mendes atuou ativamente na escolha de Alexandre de Moraes como ministro do Supremo no início do ano.Em março de 2016, um seminário do IDP, do qual Mendes é sócio, reuniu (em tempos de impeachment) Temer e líderes do atual governo em Portugal. Neste ano, foi a vez de incluir no time o prefeito tucano de São Paulo, João Doria (PSDB). Ganhou fama de tucano.

“Ministros não podem se encontrar com as pessoas que julgam em clima de amizade, não podem negociar com parlamentares como se fossem jogadores da política. Infelizmente, Gilmar Mendes faz exatamente isso”, diz Hartmann.

Para Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ainda que o ministro tenha alguma proximidade com o PSDB, “nenhuma ação de Mendes mostra claramente que haja favorecimento nos julgamentos”. “Ele é um antigo crítico da Lava-Jato e das prisões demoradas. O problema é que há muitos outros réus em mesma situação, que vão pedir igualdade de tratamento e habeas corpus”. Oportunidade para apertar o gatilho de sua metralhadora, portanto, não vai faltar a Mendes.

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