Os mitos de Marina e Bolsonaro perderão força, diz criador do Data Popular
Fundador de instituto de pesquisa afirma que devem ir ao segundo turno um candidato de cada campo político
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2018 às 12h44.
Última atualização em 24 de maio de 2018 às 17h45.
O pesquisador Renato Meirelles se consolidou como um dos principais analistas da sociedade brasileira na última década ao liderar o instituto de pesquisas Data Popular. Com ele, antecipou, e dissecou, a ascensão da nova classe média e como ela mudou os hábitos de consumo e os anseios políticos dos brasileiros. Agora, Meirelles está à frente de outro instituto de pesquisas, o Locomotiva, em que analisa a sociedade não mais por estratos sociais, mas por hábitos e pontos de interesse entre grupos.
Sob essa ótica, tem uma visão muito particular do processo eleitoral: os líderes da pesquisa em intenção de voto, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), podem ficar fora do segundo turno quando os eleitores perceberem que os pré-candidatos são sustentados por ideias míticas de serem antiestablishment. "É uma simbologia que não se sustenta na realidade, nem no dia a dia da política real, que o processo eleitoral força", diz Meirelles.
Em entrevista a EXAME, Renato Meirelles explica os pontos fracos dos pré-candidatos para o brasileiro médio, analisa o potencial de Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Henrique Meirelles (MDB), e diz que "a única oportunidade de reconexão entre a classe política e a população é dar mais poder para a população".
A pesquisa da CNT/MDA divulgada nesta segunda mostrou que, sem Lula, Bolsonaro lidera a corrida eleitoral, com 18,3%. Como entender essa liderança de Bolsonaro, ele capta os votos de Lula?
Tem umas três ou quatro pesquisas de diferentes institutos que colocam o Bolsonaro com um teto que varia entre 18% e 20%. Ele, junto com o Lula, são os únicos que pontuam expressivamente nas perguntas espontâneas [que não oferecem uma lista com o nome dos pré-candidatos]. Isso significa que o Bolsonaro é um candidato com um teto, mas também com um piso, em torno de 10% do eleitorado, que cita ele na pergunta espontânea. Esse eleitorado mais cativo, metade dos que dizem que vão votar nele, se mostra como uma parcela real da população brasileira, que concorda com ele em relação a costumes, valores. É uma parcela de cerca de um décimo do eleitorado total que concorda com os pensamentos expressos por Bolsonaro e que dificilmente vai abandonar a candidatura dele, independente de qualquer denúncia, besteira que ele fale ou ataque que ele possa sofrer dos adversários. A outra metade do eleitorado dele é uma parcela mais antiestablishment que, na ausência de lideranças mais ao centro, se aglutina em torno da candidatura dele. É uma parte de uma direita mais liberal e que, portanto, é mais vulnerável aos posicionamentos dele em relação aos costumes mais para frente. É uma parcela com um potencial maior de mudança de voto. Os pontos vulneráveis da candidatura do Bolsonaro que não me fazem acreditar que ele vá para o segundo turno: existe a possibilidade de uma candidatura de centro-direita se consolidar, seja a do Henrique Meirelles (MDB), seja a do Geraldo Alckmin (PSBD), com tempo de televisão e palanques regionais fortes, o que vai tirar votos do Bolsonaro. Outra coisa é que, hoje, ele ainda não enfrenta uma oposição mais organizada contra sua candidatura. Não temos adversários indo à TV desacreditá-lo, não temos ainda uma TV que mostre denúncias contra o Bolsonaro, mas essa oposição pode vir a acontecer. Outro fator, é que, como mostra o passado, quando o PSDB e o PT se unem contra uma candidatura, eles são bem eficientes nisso. A Marina Silva (Rede) que o diga. Mas não só ela, já foi também o Ciro, o Garotinho.
Mas ele ainda lidera...
O que faz o Bolsonaro liderar hoje é um mito, que, como todo mito, pode se desfalecer com a proximidade das eleições. Por outro lado, por ele ter um piso (esses 10% de eleitorado cativo), ele pode se beneficiar de uma eleição fragmentada, na qual teremos dois candidatos com menos de 20% dos votos indo para o segundo turno. O que fica claro para mim é que é difícil não termos, no segundo turno, um candidato do campo vermelho e um candidato do campo azul.
O que são esses campos?
O campo vermelho é formado por eleitores de renda média baixa ou baixa, de cidades menores com uma maior concentração no Nordeste do país. Já o eleitor do campo azul é o das grandes regiões metropolitanas, mais ao sul do país, de renda média.
O eleitor do Bolsonaro é de qual desses campos?
Muito mais do campo azul, sem dúvidas. É um eleitorado masculino, mais rico que a média nacional das grandes regiões metropolitanas. Uma parcela considerável desse eleitorado azul, uma parcela antipetista, tende a se aglutinar em outra candidatura do centro.
Essa última pesquisa já mostrou quem ganha com a desistência de Joaquim Barbosa (PSB)?
É muito cedo para avaliar quem realmente ganha seja com o Lula seja com o Barbosa fora da disputa. A princípio, quem ganha com a desistência do Barbosa é o Alckmin e o Meirelles. Mas nenhum deles tem a força que o Barbosa teria, no longo prazo, mais adiante na campanha, de trafegar no eleitorado vermelho, por conta da sua história de vida.
Marina Silva aparece em segundo lugar, com 11%. O que explica esse desempenho, mesmo Marina sendo a pré-candidata que menos aparece?
A Marina tem esse desempenho muito por conta do recall, por ter sido candidata duas vezes à Presidência da República e não ter ocupado nenhum cargo público desde então, o que a afasta de denúncias de corrupção e também a distancia do noticiário político, que virou policial nos últimos tempos. Ela acaba ficando distanciada da política tradicional por estar tanto tempo afastada e não é associada com esse campo. Mas a Marina Silva não tem ainda uma imagem de força, que é um pouco o que os brasileiros esperam pro próximo presidente. Não tem uma estrutura partidária forte e também não vai ter muito tempo de televisão. A tendência, aos poucos, é que o desempenho dela em intenção de votos diminua. Então, o que está em segundo lugar nas pesquisas também é um mito, um mito da Marina.
No cenário com Lula, ele aparece com 32% das intenções de voto e também fica em primeiro no cenário espontâneo, com 18%. Esses votos vão ser transferidos a quem ele indicar?
O Lula é a principal personalidade da campanha eleitoral, disputando ou não a eleição no final. Hoje, seu voto vai majoritariamente para brancos e indecisos. Um pouco vai para o Ciro e para a Marina, já que os dois foram ministros dele. Mas esse é o cenário nas condições normais de temperatura e pressão. Apesar de o Lula ter potencial de transferência de voto, as condições dessa transferência ainda não estão claras. Por exemplo: ele vai estar preso ou não, vai poder gravar vídeo ou não vai, só uma carta do Lula indicando seu sucessor terá o mesmo efeito que se ele gravasse um vídeo? Tudo isso fará diferente. Tem ainda outro fator: ao se aproximar da eleição, o eleitorado do lula, que é também bastante pragmático, não pode, ao se dar conta que o indicado por Lula não tem condições de ganhar, ter um movimento de voto útil?
Quem é o eleitorado do Lula?
O eleitorado do Lula, basicamente todo do campo vermelho, pode ser dividido em três. Um terço é o eleitorado mais ideológico, mais de esquerda, com pensamento mais progressista. Tem outros 10% do eleitorado que são os trabalhadores de classe média baixa das regiões metropolitanas, que é o pessoal que mais aproveitou o crescimento da economia no governo Lula. E o outro terço que é classe C e D em cidades menores no interior do país, principalmente no Nordeste. Uma transferência de votos sem televisão, por exemplo, não fala com esse último público. As condições dessa transferência de votos vão dizer se ele vai conseguir transferir 5, 10 ou 30 pontos percentuais. Mas, de qualquer maneira, acho que dificilmente um candidato do PT faz menos de 10 pontos percentuais.
Mesmo o Haddad?
Mesmo o Haddad, com grande transferência do PT ele pode crescer. Acho que, depois do Lula, ele é o político que mais tem placa com o nome dele em escola técnica e universidade no país. E ele é o autor de uma das marcas do governo petista, que é o ProUni.
Uma coisa que não foi falada sobre a pesquisa é que, no cenário sem Lula e de resposta não estimulada, os indecisos são 39,6%. Brancos e nulos, 21,4%. Somando os dois, são 61% do eleitorado sem votos. O que isso indica?
Primeiro, vamos entender o que é o voto do Bolsonaro e o do Lula. O voto do Bolsonaro é um que se divide na aglutinação de um pensamento mais conservador de um lado, e antiestablishment do outro. Já o Lula representa a memória da última vez que o Brasil melhorou versus a ausência de novos líderes. Ao não ter referências claras de novas lideranças esse eleitor, por enquanto, não sabe para onde ir, por isso tantos indecisos. A questão do voto estimulado é muito importante para saber a consolidação do voto. Já o voto espontâneo serve para entender mais ou menos o piso das candidaturas. Mas o fato é que a grande maioria dos brasileiros ainda não está pautando as eleições.
Essa quantidade de nulos, brancos e indecisos deve diminuir com a proximidade da eleição e o início da campanha?
Sim, tende a diminuir com o inicio da campanha e, também, com a definição da candidatura do Lula. Mas mesmo assim, no final do processo eleitoral, ainda teremos um terço de brancos e nulos.
Por quê?
Porque a política está muito distante de representar os anseios do eleitor hoje. Se 92% dos brasileiros acham que político é ladrão, 70% afirmaram que não vão votar em quem já tem um mandato de parlamentar e 9 em cada 10 brasileiros dizem que o Brasil está no rumo errado, é natural que a quantidade de votos brancos e nulos seja maior que a porcentagem de votos de quem for realmente eleito.
Isso é ruim para quem for eleito?
É péssimo para quem é eleito, porque a pessoa já vai sair com 2/3 de desconfiança do eleitorado. Foi o que aconteceu com a Dilma, mas que também teria acontecido com o Aécio.
Qual o tema, ou os temas, que estão na cabeça do eleitor neste ano? Que assunto tem potencial de fazer diferença na eleição?
Tem uma diferença entre os que os candidatos querem falar e o que eleitores querem ouvir. Os eleitores querem ouvir uma discussão de futuro e de saída para a crise política, enquanto os candidatos querem falar do passado, em quem é o responsável pela crise. Os eleitores querem discutir a renovação da política e os políticos querem fugir desse tema como o diabo foge da cruz. Os eleitores querem discutir medidas para eles participarem mais das decisões e da fiscalização do estado, os candidatos não querem abrir mão do poder. Além disso, vamos ter os temas transversais de sempre, com a violência urbana ganhando relevância especial. A violência virou uma epidemia nos grandes centros urbanos e, apesar de ser um tema que foge da esfera federal, terá que ser abordado pelos candidatos.
Mesmo sem Barbosa, estamos com mais de dez pré-candidatos à eleição. Esse número deve diminuir?
Vai diminuir, mas mesmo assim teremos uma eleição fragmentada. E fragmentada não pela quantidade de candidaturas, mas pela ausência de polarização entre os candidatos. De alguma forma, o Lula servia para estruturar o outro lado. Para combater o Lula, era necessário o anti-Lula, sem ele, essa polarização fica mais difícil.
O Bolsonaro pode causar essa polarização?
Como eu acredito que no segundo turno teremos um representante do eleitor azul e outro do eleitor vermelho, vai existir uma briga interna grande no campo azul para conquistar os votos, o que fará com que o Bolsonaro comece a sofrer críticas de candidatos mais de centro-direita, que disputam o mesmo campo que ele. Isso vai obrigar o Bolsonaro a se posicionar cada vez mais sobre os temas, o que pode fazer ele perder os votos daquela parcela de eleitores que hoje dizem que votam nele, mas que não são seu eleitorado cativo.
Os dois campos parecem fragmentados. O campo azul está mais?
Sim, o campo azul está bem mais fragmentado. Mas temos possibilidades interessantes aí. O campo azul é mais embolado que o vermelho. No campo azul tem o Bolsonaro, o Alckmin, o Meirelles… No vermelho, só tem realmente um nome competitivo, o de Ciro, e outro que pode vir a crescer, que seria o representante do Lula e do PT. Com relação ao Alckmin, por exemplo, existem pontos favoráveis e desfavoráveis. Os desfavoráveis, para ele, são: o Álvaro Dias (Podemos), que tira votos no Sul do país, o Bolsonaro, que também tira votos do Sul, o PSDB longe do governo de Minas Gerais e, ainda, dois palanques em São Paulo [Doria, pelo PSDB, e Márcio França, pelo PSB]. Além disso, o Aécio está com uma rejeição fortíssima e tem muitas fotos tanto do Alckmin quanto do Anastasia ao lado do Aécio. A favor de Alckmin tem um partido de estrutura nacional, e o fato de ele ainda estar com um patamar muito baixo em São Paulo, podendo crescer mais uns 3%. Além disso, tem a articulação feita para que o blocão do centrão articule com o PSDB.
E se o MDB tiver candidatura própria?
Se o MDB entrar na disputa e levar os partidos do centrão, dificilmente o Alckmin estará no segundo turno. E eu não acho isso tão improvável, porque para o MDB é mais negócio ter uma candidatura própria, a do Henrique Meirelles.
Por quê?
Porque o Meirelles pode negociar um apoio no segundo turno. O Meirelles tem condição de negociar com o centro. Nesse cenário em que todos queriam um "não político" para disputar a eleição e ninguém se apresentou, abre-se espaço para o "supra político": o cara que não serve aos partidos, mas serve ao país. É o discurso do Meirelles: "Quando o Lula não sabia o que fazer, me chamou e o Brasil cresceu como nunca. Quando o Temer não sabia o que fazer, também me chamou e começamos a colocar a economia nos trilhos". Esse discurso, de ser o plano final da vida de ser eleito para realizar um mandato e colocar ordem no Brasil, é uma narrativa que cola, cola bem.
Mas a figura do Meirelles não tem lá muito apelo...
Não, mas é uma campanha curta, ele é muito bom de teleprompter. E, não podemos esquecer, foi deputado mais votado de Goiás quando disputou, então ele tem uma experiência grande de palanque. É muito diferente o tom, o discurso como ministro da Fazenda do tom como político, como candidato com experiência no processo eleitoral.
Tem chances de essa candidatura vingar?
Acho que que tem, sim. O MDB é incerto desde que o mundo é mundo. Nunca vi uma eleição na qual o MDB não foi incerto. Mas faz mais sentido pro MDB ter um candidato próprio, porque significa o número 15 aparecer na televisão e o número 15 na TV beneficia todos os candidatos a governador do MDB. É uma chance de os governadores do Nordeste, por exemplo dizerem que estão apoiando um ministro do Lula. E o Henrique não vai precisar do dinheiro do MDB, ele bancaria a própria candidatura. Eu acho ele competitivo pra ir ao segundo turno. Mas vamos supor que ele não vá pro segundo turno, o apoio dele vale mais, muito mais do que o do Temer. Ninguém vai querer colar no Temer, que tem alta rejeição. Mas a candidatura do Meirelles tem um monte de vantagens pro MDB.
Faz mais sentido para o PT ter ou não ter uma candidatura própria?
O que faz sentido pro PT é apoiar alguém para se manter. Porque, hoje, eles não tem uma liderança forte consolidada, fora o Lula. Para o PT fazer uma campanha enquanto o Lula esta preso, sem vídeo, sem palanque, sem poder apoiar explicitamente os candidatos aos governos estaduais e o candidato à presidência, faz muito mais sentido para o PT apoiar outra candidatura no plano da esquerda e dar apoio aos seus candidatos estaduais. Já que o lula tem uma aprovação muito maior e uma preferência maior do que o PT, a candidatura do Lula poderia servir para melhorar a imagem do PT. Mas uma candidatura puro sangue do PT prejudica o Lula e o próprio partido.
O candidato do PSOL, Guilherme Boulos, esteve muito próximo de Lula nos episódios antes da prisão. Há chances de Lula consolidar esse apoio ao PSOL?
O Lula fala muito do Boulos, mas também fala muito da Manuela D'Ávila e o PCdoB é um aliado muito mais histórico do PT do que o PSOL, que é uma dissidência do PT. Tanto o Boulos quanto a Manuela poderiam significar uma renovação da esquerda com suas candidaturas, mas ambos estão errando numa defesa do ex-presidente Lula ao falar muito mais para uma militância já convertida, que é só uma pequena parcela do eleitorado, que é essa parte dos eleitores do Lula mais ideológica e que, por consequência, é vai votar em quem o Lula indicar, em vez de fazer uma defesa que dialogue com a classe C e D do nordeste ou com a classe de renda média/baixa das grandes cidades.
Falou-se muito que o candidato com recurso pró-reforma levaria a eleição. Qual é o discurso que teria mais impacto entre os eleitores?
Sem dúvidas, é o discurso de dar mais poder para as pessoas, da radicalização da democracia. O discurso econômico ressoa, mas não o discurso que explica tabela do Excel, que só aponta quais reformas devem ou não ser feitas, mas qual o sentido das reformas. Um discurso que explique que as reformas vão melhorar as condições de igualdade para todos os brasileiros. Eu não vi nenhum candidato falando isso, mas é um discurso que cabe bem na boca de quem não vem da política. A construção de oportunidade que existe é: população não confia no políticos. Se ela não confia nos políticos, em quem ela confia? Nela mesma, no seu trabalho, no seu esforço. Então a única oportunidade de reconexão entre a classe política e a população é dar mais poder para a população.
O pesquisador Renato Meirelles se consolidou como um dos principais analistas da sociedade brasileira na última década ao liderar o instituto de pesquisas Data Popular. Com ele, antecipou, e dissecou, a ascensão da nova classe média e como ela mudou os hábitos de consumo e os anseios políticos dos brasileiros. Agora, Meirelles está à frente de outro instituto de pesquisas, o Locomotiva, em que analisa a sociedade não mais por estratos sociais, mas por hábitos e pontos de interesse entre grupos.
Sob essa ótica, tem uma visão muito particular do processo eleitoral: os líderes da pesquisa em intenção de voto, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), podem ficar fora do segundo turno quando os eleitores perceberem que os pré-candidatos são sustentados por ideias míticas de serem antiestablishment. "É uma simbologia que não se sustenta na realidade, nem no dia a dia da política real, que o processo eleitoral força", diz Meirelles.
Em entrevista a EXAME, Renato Meirelles explica os pontos fracos dos pré-candidatos para o brasileiro médio, analisa o potencial de Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Henrique Meirelles (MDB), e diz que "a única oportunidade de reconexão entre a classe política e a população é dar mais poder para a população".
A pesquisa da CNT/MDA divulgada nesta segunda mostrou que, sem Lula, Bolsonaro lidera a corrida eleitoral, com 18,3%. Como entender essa liderança de Bolsonaro, ele capta os votos de Lula?
Tem umas três ou quatro pesquisas de diferentes institutos que colocam o Bolsonaro com um teto que varia entre 18% e 20%. Ele, junto com o Lula, são os únicos que pontuam expressivamente nas perguntas espontâneas [que não oferecem uma lista com o nome dos pré-candidatos]. Isso significa que o Bolsonaro é um candidato com um teto, mas também com um piso, em torno de 10% do eleitorado, que cita ele na pergunta espontânea. Esse eleitorado mais cativo, metade dos que dizem que vão votar nele, se mostra como uma parcela real da população brasileira, que concorda com ele em relação a costumes, valores. É uma parcela de cerca de um décimo do eleitorado total que concorda com os pensamentos expressos por Bolsonaro e que dificilmente vai abandonar a candidatura dele, independente de qualquer denúncia, besteira que ele fale ou ataque que ele possa sofrer dos adversários. A outra metade do eleitorado dele é uma parcela mais antiestablishment que, na ausência de lideranças mais ao centro, se aglutina em torno da candidatura dele. É uma parte de uma direita mais liberal e que, portanto, é mais vulnerável aos posicionamentos dele em relação aos costumes mais para frente. É uma parcela com um potencial maior de mudança de voto. Os pontos vulneráveis da candidatura do Bolsonaro que não me fazem acreditar que ele vá para o segundo turno: existe a possibilidade de uma candidatura de centro-direita se consolidar, seja a do Henrique Meirelles (MDB), seja a do Geraldo Alckmin (PSBD), com tempo de televisão e palanques regionais fortes, o que vai tirar votos do Bolsonaro. Outra coisa é que, hoje, ele ainda não enfrenta uma oposição mais organizada contra sua candidatura. Não temos adversários indo à TV desacreditá-lo, não temos ainda uma TV que mostre denúncias contra o Bolsonaro, mas essa oposição pode vir a acontecer. Outro fator, é que, como mostra o passado, quando o PSDB e o PT se unem contra uma candidatura, eles são bem eficientes nisso. A Marina Silva (Rede) que o diga. Mas não só ela, já foi também o Ciro, o Garotinho.
Mas ele ainda lidera...
O que faz o Bolsonaro liderar hoje é um mito, que, como todo mito, pode se desfalecer com a proximidade das eleições. Por outro lado, por ele ter um piso (esses 10% de eleitorado cativo), ele pode se beneficiar de uma eleição fragmentada, na qual teremos dois candidatos com menos de 20% dos votos indo para o segundo turno. O que fica claro para mim é que é difícil não termos, no segundo turno, um candidato do campo vermelho e um candidato do campo azul.
O que são esses campos?
O campo vermelho é formado por eleitores de renda média baixa ou baixa, de cidades menores com uma maior concentração no Nordeste do país. Já o eleitor do campo azul é o das grandes regiões metropolitanas, mais ao sul do país, de renda média.
O eleitor do Bolsonaro é de qual desses campos?
Muito mais do campo azul, sem dúvidas. É um eleitorado masculino, mais rico que a média nacional das grandes regiões metropolitanas. Uma parcela considerável desse eleitorado azul, uma parcela antipetista, tende a se aglutinar em outra candidatura do centro.
Essa última pesquisa já mostrou quem ganha com a desistência de Joaquim Barbosa (PSB)?
É muito cedo para avaliar quem realmente ganha seja com o Lula seja com o Barbosa fora da disputa. A princípio, quem ganha com a desistência do Barbosa é o Alckmin e o Meirelles. Mas nenhum deles tem a força que o Barbosa teria, no longo prazo, mais adiante na campanha, de trafegar no eleitorado vermelho, por conta da sua história de vida.
Marina Silva aparece em segundo lugar, com 11%. O que explica esse desempenho, mesmo Marina sendo a pré-candidata que menos aparece?
A Marina tem esse desempenho muito por conta do recall, por ter sido candidata duas vezes à Presidência da República e não ter ocupado nenhum cargo público desde então, o que a afasta de denúncias de corrupção e também a distancia do noticiário político, que virou policial nos últimos tempos. Ela acaba ficando distanciada da política tradicional por estar tanto tempo afastada e não é associada com esse campo. Mas a Marina Silva não tem ainda uma imagem de força, que é um pouco o que os brasileiros esperam pro próximo presidente. Não tem uma estrutura partidária forte e também não vai ter muito tempo de televisão. A tendência, aos poucos, é que o desempenho dela em intenção de votos diminua. Então, o que está em segundo lugar nas pesquisas também é um mito, um mito da Marina.
No cenário com Lula, ele aparece com 32% das intenções de voto e também fica em primeiro no cenário espontâneo, com 18%. Esses votos vão ser transferidos a quem ele indicar?
O Lula é a principal personalidade da campanha eleitoral, disputando ou não a eleição no final. Hoje, seu voto vai majoritariamente para brancos e indecisos. Um pouco vai para o Ciro e para a Marina, já que os dois foram ministros dele. Mas esse é o cenário nas condições normais de temperatura e pressão. Apesar de o Lula ter potencial de transferência de voto, as condições dessa transferência ainda não estão claras. Por exemplo: ele vai estar preso ou não, vai poder gravar vídeo ou não vai, só uma carta do Lula indicando seu sucessor terá o mesmo efeito que se ele gravasse um vídeo? Tudo isso fará diferente. Tem ainda outro fator: ao se aproximar da eleição, o eleitorado do lula, que é também bastante pragmático, não pode, ao se dar conta que o indicado por Lula não tem condições de ganhar, ter um movimento de voto útil?
Quem é o eleitorado do Lula?
O eleitorado do Lula, basicamente todo do campo vermelho, pode ser dividido em três. Um terço é o eleitorado mais ideológico, mais de esquerda, com pensamento mais progressista. Tem outros 10% do eleitorado que são os trabalhadores de classe média baixa das regiões metropolitanas, que é o pessoal que mais aproveitou o crescimento da economia no governo Lula. E o outro terço que é classe C e D em cidades menores no interior do país, principalmente no Nordeste. Uma transferência de votos sem televisão, por exemplo, não fala com esse último público. As condições dessa transferência de votos vão dizer se ele vai conseguir transferir 5, 10 ou 30 pontos percentuais. Mas, de qualquer maneira, acho que dificilmente um candidato do PT faz menos de 10 pontos percentuais.
Mesmo o Haddad?
Mesmo o Haddad, com grande transferência do PT ele pode crescer. Acho que, depois do Lula, ele é o político que mais tem placa com o nome dele em escola técnica e universidade no país. E ele é o autor de uma das marcas do governo petista, que é o ProUni.
Uma coisa que não foi falada sobre a pesquisa é que, no cenário sem Lula e de resposta não estimulada, os indecisos são 39,6%. Brancos e nulos, 21,4%. Somando os dois, são 61% do eleitorado sem votos. O que isso indica?
Primeiro, vamos entender o que é o voto do Bolsonaro e o do Lula. O voto do Bolsonaro é um que se divide na aglutinação de um pensamento mais conservador de um lado, e antiestablishment do outro. Já o Lula representa a memória da última vez que o Brasil melhorou versus a ausência de novos líderes. Ao não ter referências claras de novas lideranças esse eleitor, por enquanto, não sabe para onde ir, por isso tantos indecisos. A questão do voto estimulado é muito importante para saber a consolidação do voto. Já o voto espontâneo serve para entender mais ou menos o piso das candidaturas. Mas o fato é que a grande maioria dos brasileiros ainda não está pautando as eleições.
Essa quantidade de nulos, brancos e indecisos deve diminuir com a proximidade da eleição e o início da campanha?
Sim, tende a diminuir com o inicio da campanha e, também, com a definição da candidatura do Lula. Mas mesmo assim, no final do processo eleitoral, ainda teremos um terço de brancos e nulos.
Por quê?
Porque a política está muito distante de representar os anseios do eleitor hoje. Se 92% dos brasileiros acham que político é ladrão, 70% afirmaram que não vão votar em quem já tem um mandato de parlamentar e 9 em cada 10 brasileiros dizem que o Brasil está no rumo errado, é natural que a quantidade de votos brancos e nulos seja maior que a porcentagem de votos de quem for realmente eleito.
Isso é ruim para quem for eleito?
É péssimo para quem é eleito, porque a pessoa já vai sair com 2/3 de desconfiança do eleitorado. Foi o que aconteceu com a Dilma, mas que também teria acontecido com o Aécio.
Qual o tema, ou os temas, que estão na cabeça do eleitor neste ano? Que assunto tem potencial de fazer diferença na eleição?
Tem uma diferença entre os que os candidatos querem falar e o que eleitores querem ouvir. Os eleitores querem ouvir uma discussão de futuro e de saída para a crise política, enquanto os candidatos querem falar do passado, em quem é o responsável pela crise. Os eleitores querem discutir a renovação da política e os políticos querem fugir desse tema como o diabo foge da cruz. Os eleitores querem discutir medidas para eles participarem mais das decisões e da fiscalização do estado, os candidatos não querem abrir mão do poder. Além disso, vamos ter os temas transversais de sempre, com a violência urbana ganhando relevância especial. A violência virou uma epidemia nos grandes centros urbanos e, apesar de ser um tema que foge da esfera federal, terá que ser abordado pelos candidatos.
Mesmo sem Barbosa, estamos com mais de dez pré-candidatos à eleição. Esse número deve diminuir?
Vai diminuir, mas mesmo assim teremos uma eleição fragmentada. E fragmentada não pela quantidade de candidaturas, mas pela ausência de polarização entre os candidatos. De alguma forma, o Lula servia para estruturar o outro lado. Para combater o Lula, era necessário o anti-Lula, sem ele, essa polarização fica mais difícil.
O Bolsonaro pode causar essa polarização?
Como eu acredito que no segundo turno teremos um representante do eleitor azul e outro do eleitor vermelho, vai existir uma briga interna grande no campo azul para conquistar os votos, o que fará com que o Bolsonaro comece a sofrer críticas de candidatos mais de centro-direita, que disputam o mesmo campo que ele. Isso vai obrigar o Bolsonaro a se posicionar cada vez mais sobre os temas, o que pode fazer ele perder os votos daquela parcela de eleitores que hoje dizem que votam nele, mas que não são seu eleitorado cativo.
Os dois campos parecem fragmentados. O campo azul está mais?
Sim, o campo azul está bem mais fragmentado. Mas temos possibilidades interessantes aí. O campo azul é mais embolado que o vermelho. No campo azul tem o Bolsonaro, o Alckmin, o Meirelles… No vermelho, só tem realmente um nome competitivo, o de Ciro, e outro que pode vir a crescer, que seria o representante do Lula e do PT. Com relação ao Alckmin, por exemplo, existem pontos favoráveis e desfavoráveis. Os desfavoráveis, para ele, são: o Álvaro Dias (Podemos), que tira votos no Sul do país, o Bolsonaro, que também tira votos do Sul, o PSDB longe do governo de Minas Gerais e, ainda, dois palanques em São Paulo [Doria, pelo PSDB, e Márcio França, pelo PSB]. Além disso, o Aécio está com uma rejeição fortíssima e tem muitas fotos tanto do Alckmin quanto do Anastasia ao lado do Aécio. A favor de Alckmin tem um partido de estrutura nacional, e o fato de ele ainda estar com um patamar muito baixo em São Paulo, podendo crescer mais uns 3%. Além disso, tem a articulação feita para que o blocão do centrão articule com o PSDB.
E se o MDB tiver candidatura própria?
Se o MDB entrar na disputa e levar os partidos do centrão, dificilmente o Alckmin estará no segundo turno. E eu não acho isso tão improvável, porque para o MDB é mais negócio ter uma candidatura própria, a do Henrique Meirelles.
Por quê?
Porque o Meirelles pode negociar um apoio no segundo turno. O Meirelles tem condição de negociar com o centro. Nesse cenário em que todos queriam um "não político" para disputar a eleição e ninguém se apresentou, abre-se espaço para o "supra político": o cara que não serve aos partidos, mas serve ao país. É o discurso do Meirelles: "Quando o Lula não sabia o que fazer, me chamou e o Brasil cresceu como nunca. Quando o Temer não sabia o que fazer, também me chamou e começamos a colocar a economia nos trilhos". Esse discurso, de ser o plano final da vida de ser eleito para realizar um mandato e colocar ordem no Brasil, é uma narrativa que cola, cola bem.
Mas a figura do Meirelles não tem lá muito apelo...
Não, mas é uma campanha curta, ele é muito bom de teleprompter. E, não podemos esquecer, foi deputado mais votado de Goiás quando disputou, então ele tem uma experiência grande de palanque. É muito diferente o tom, o discurso como ministro da Fazenda do tom como político, como candidato com experiência no processo eleitoral.
Tem chances de essa candidatura vingar?
Acho que que tem, sim. O MDB é incerto desde que o mundo é mundo. Nunca vi uma eleição na qual o MDB não foi incerto. Mas faz mais sentido pro MDB ter um candidato próprio, porque significa o número 15 aparecer na televisão e o número 15 na TV beneficia todos os candidatos a governador do MDB. É uma chance de os governadores do Nordeste, por exemplo dizerem que estão apoiando um ministro do Lula. E o Henrique não vai precisar do dinheiro do MDB, ele bancaria a própria candidatura. Eu acho ele competitivo pra ir ao segundo turno. Mas vamos supor que ele não vá pro segundo turno, o apoio dele vale mais, muito mais do que o do Temer. Ninguém vai querer colar no Temer, que tem alta rejeição. Mas a candidatura do Meirelles tem um monte de vantagens pro MDB.
Faz mais sentido para o PT ter ou não ter uma candidatura própria?
O que faz sentido pro PT é apoiar alguém para se manter. Porque, hoje, eles não tem uma liderança forte consolidada, fora o Lula. Para o PT fazer uma campanha enquanto o Lula esta preso, sem vídeo, sem palanque, sem poder apoiar explicitamente os candidatos aos governos estaduais e o candidato à presidência, faz muito mais sentido para o PT apoiar outra candidatura no plano da esquerda e dar apoio aos seus candidatos estaduais. Já que o lula tem uma aprovação muito maior e uma preferência maior do que o PT, a candidatura do Lula poderia servir para melhorar a imagem do PT. Mas uma candidatura puro sangue do PT prejudica o Lula e o próprio partido.
O candidato do PSOL, Guilherme Boulos, esteve muito próximo de Lula nos episódios antes da prisão. Há chances de Lula consolidar esse apoio ao PSOL?
O Lula fala muito do Boulos, mas também fala muito da Manuela D'Ávila e o PCdoB é um aliado muito mais histórico do PT do que o PSOL, que é uma dissidência do PT. Tanto o Boulos quanto a Manuela poderiam significar uma renovação da esquerda com suas candidaturas, mas ambos estão errando numa defesa do ex-presidente Lula ao falar muito mais para uma militância já convertida, que é só uma pequena parcela do eleitorado, que é essa parte dos eleitores do Lula mais ideológica e que, por consequência, é vai votar em quem o Lula indicar, em vez de fazer uma defesa que dialogue com a classe C e D do nordeste ou com a classe de renda média/baixa das grandes cidades.
Falou-se muito que o candidato com recurso pró-reforma levaria a eleição. Qual é o discurso que teria mais impacto entre os eleitores?
Sem dúvidas, é o discurso de dar mais poder para as pessoas, da radicalização da democracia. O discurso econômico ressoa, mas não o discurso que explica tabela do Excel, que só aponta quais reformas devem ou não ser feitas, mas qual o sentido das reformas. Um discurso que explique que as reformas vão melhorar as condições de igualdade para todos os brasileiros. Eu não vi nenhum candidato falando isso, mas é um discurso que cabe bem na boca de quem não vem da política. A construção de oportunidade que existe é: população não confia no políticos. Se ela não confia nos políticos, em quem ela confia? Nela mesma, no seu trabalho, no seu esforço. Então a única oportunidade de reconexão entre a classe política e a população é dar mais poder para a população.
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