Depois de 15 exonerações, medidas polêmicas e seis recuos, o Ministério da Educação está à deriva (Senado Federal/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de março de 2019 às 11h42.
Última atualização em 6 de abril de 2019 às 13h35.
Brasília - Depois de 15 exonerações, medidas polêmicas e seis recuos, o Ministério da Educação (MEC) está à deriva, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. Nesta terça-feira, 26, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez reviu decisão anunciada no dia anterior pela pasta - sem que ele soubesse -, de não avaliar crianças em fase de alfabetização no País. Segundo especialistas em gestão pública de educação, o episódio mostrou mais uma vez o amadorismo e a falta de articulação do MEC no governo de Jair Bolsonaro.
Vélez tem tido até dificuldade de encontrar quadros para repor os espaços vagos. Nesta terça, o ex-aluno do ministro Alexandro Ferreira de Souza passou a acumular duas secretarias. Continua com a que ele já comandava, da Educação Profissional e Tecnológica, e será o secretário da Educação Básica, pois a titular anterior, Tania Almeida, pediu demissão porque também não foi avisada da mudança na prova de alfabetização.
Nos últimas semanas, Vélez chegou a anunciar dois nomes de secretários executivos e foi desautorizado pelo Palácio do Planalto. O cargo permanece vago há 15 dias. "Não temos mais interlocutor no MEC, não tem com quem se possa conversar sobre os anseios dos secretários, das escolas do País", diz a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) Cecília Motta, que é secretária de Mato Grosso do Sul. "Precisamos de uma política de Estado, não de governo."
O general Francisco Mamede de Brito Filho, que tem experiência na área de Defesa e nunca trabalhou com educação, deve assumir o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), que responde pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Brito Filho foi chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste.
"Faz três meses que não temos uma clara orientação sobre qual a política nacional", afirma a ex-secretária executiva do MEC no governo de Michel Temer e de Fernando Henrique Cardoso, Maria Helena Guimarães de Castro. Ela diz que livros e merenda, por exemplo, que são ações de alocação automática de recursos, estão chegando às escolas. Mas não se sabe o que vai acontecer com verbas que seriam destinadas à implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ou para a reforma do ensino médio, por exemplo.
Há semanas, o MEC enfrenta uma disputa entre os grupos dos seguidores do guru dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, e os ligados à área técnica e aos militares. A demissão do presidente do Inep, na terça, deixou claro o clima que vive a pasta.
À noite, após ser confirmada a exoneração, Marcus Vinicius Rodrigues fez duras críticas ao ministro Ricardo Vélez Rodríguez. "O Brasil precisa de um ministro da Educação que tenha responsabilidade de gestão, competência e experiência", disse ao Estado.
Rodrigues já vinha travando uma disputa interna com Vélez há semanas. Ele conta que discordou da comissão que vai analisar as questões do Enem e tentou barrar integrantes de perfil ideológico e ligados ao filósofo Olavo de Carvalho.
Nesta semana, segundo ele, foi convencido pelo secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, a cancelar a avaliação de alfabetização no País. "Não é um assunto que conheço. Pedi um ofício justificando o pedido." No documento, ao qual o Estado teve acesso, o secretário alega que "a referida avaliação, no atual formato, não corresponde às necessidades da política que será implementada".
Vélez não sabia da portaria sobre a avaliação - assinada pelo presidente do Inep - e ficou furioso com a repercussão negativa do caso. Na segunda-feira à tarde, chamou Rodrigues ao gabinete e disse que ele deveria ter pedido autorização ao MEC para assinar o documento. Rodrigues então retrucou, dizendo que o Inep é uma autarquia e tem independência. Os dois discutiram e Vélez pediu a demissão do presidente do Inep.
Rodrigues chegou ao governo por indicação do general Alessio Ribeiro Souto, que atuou na campanha de Bolsonaro. O professor da Fundação Getúlio Vargas também conta com o apoio do general Augusto Heleno, ministro do gabinete de Segurança Institucional. Brito Filho, que deve assumir o posto, é muito próximo de Rodrigues. Ele serviu no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, entre 2008 e 2009, durante o governo Lula, e comandou o Batalhão Brasileiro no Haiti, em 2012.
Duas das exonerações ainda não foram publicadas no Diário Oficial. Alguns dos que saíram foram remanejados para áreas adjacentes do MEC. O jornal apurou ainda que a pasta deverá enfrentar nova onda de mudanças. A informação é de que pelo menos mais 20 pessoas sejam demitidas.
"Tudo isso cria uma situação de muita instabilidade e insegurança na gestão educacional, todo mundo fica na expectativa de qual o próximo fato que vai acontecer", afirma a ex-secretária de Educação do Rio Grande do Sul Mariza Abreu. "É uma pena o que estamos vendo, para as gerações que estão na escola e para as que vão entrar."