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UERJ precisa de alternativas de financiamento, diz reitor

Marques recebeu EXAME e fez um panorama do que está por vir no futuro da UERJ

Ruy Garcia Marquers: para o reitor, a UERJ reúne as condições de voltar às aulas nesta segunda-feira (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Ruy Garcia Marquers: para o reitor, a UERJ reúne as condições de voltar às aulas nesta segunda-feira (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 21 de agosto de 2017 às 12h47.

Última atualização em 21 de agosto de 2017 às 14h46.

Rio de Janeiro – Em meio à severa crise de financiamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o reitor Ruy Garcia Marques consegue o quase impossível: transita bem no governo do estado, mandando mensagens de WhatsApp a Luiz Fernando Pezão (PMDB), e tem relação amistosa com os alunos, como se demonstrou em sua participação em um evento em defesa da UERJ na última segunda-feira.

A situação que enfrenta à frente da universidade, contudo, o obriga a engrossar o discurso. Atribui, sem meias palavras, a culpa de seus problemas ao governo enquanto não desvia da polêmica pauta de permitir doações de empresas privadas à UERJ para compor o caixa. Poderia se indispor com os dois lados, mas não. A proeza talvez se explique pelo perfil pacificador o acompanha desde a posse, em janeiro de 2016.

Marques recebeu EXAME em seu gabinete na reitoria na quinta-feira. Estava otimista em retomar as aulas. Horas depois, funcionários e professor decidiram continuar de braços cruzados. Um panorama do que está por vir está abaixo, na íntegra da conversa. Confira.

Com o pagamento de salários, dá para pensar em retomar as aulas?

A reitoria tem tomado essas decisões fundamentada no que ouve à partir de um fórum de diretores de unidades acadêmicas. Rotineiramente, temos nos reunido para que nos façam um relato de como está a situação em cada unidade. Estamos no campus Maracanã, mas temos 15 outros em municípios fluminenses. Precisamos do feedback das unidades. Foi assim no primeiro semestre, quando adiamos o início das aulas, e novamente neste segundo semestre, quando iniciaríamos o ano letivo de 2017 – houve atraso em função da greve do ano passado. A conversa nos fez saber que dia 1º não seria possível começar as aulas. Havia atraso superior a três meses de salários de docentes e funcionários técnico-administrativos e nas bolsas de alunos e professores visitantes. Temos 9.800 alunos cotistas, dos quais 7.200 recebem bolsas de 450 reais, que são indispensáveis para a permanência estudantil. Na semana passada, tivemos também a notificação da empresa de limpeza, que seria suspenso o serviço se não houvesse pagamento. O prazo venceu na quarta-feira, mas conseguimos um fôlego para que continuem trabalhando e pagando funcionários mais ou menos em dia. Na semana que termina, tivemos o pagamento de três meses de salário, de bolsas e um possível acordo com a empresa de manutenção. Então, acredito que reunimos as condições mínimas para funcionamento.

Na segunda-feira?

Será decidido no Fórum de Diretores uma posição. Isso é uma coisa. O que vai acontecer, é outra. Não cabe à reitoria decretar o fim de greve. Hoje, docentes, técnico-administrativos e estudantes estão em greve e é possível que decidam pela continuidade [Horas depois, professores e funcionários decidiram manter a greve]. Se continuar, vai depender de quem vai aderir para que tenhamos aula na segunda-feira. Em greves anteriores, há departamentos que simplesmente mantém funcionamento. Não acredito, por exemplo, que os alunos vão manter a greve, pois há um atraso enorme no cronograma. É um momento decisivo, mas diria que o prognóstico é positivo.

O senhor fala que o mínimo foi alcançado. O que ainda falta para a UERJ ter pleno funcionamento?

Faltam muitos recursos financeiros, principalmente para pagamento de empresas que foram contratadas por licitação pública para nossa manutenção e retomada da pesquisa. A empresa de limpeza ganhou a licitação em agosto passado. Em 12 meses, recebeu uma fatura. Há 11 faturas em aberto. A empresa de vigilância recebeu duas faturas em 14 meses. Coleta de lixo também não recebeu. As verbas para custeio não surgiram e não há previsão de quando vão aparecer. Um detalhe: o dinheiro não vem para a UERJ. Nós empenhamos o contrato e o governo do estado que escolhe a despesa e executa. Mas deveriam ser destinados 7,5 milhões mensais para manutenção. Ano passado inteiro, foram 15 milhões. Equivale a dois meses. Esse ano, no oitavo mês, foram pagas apenas algumas contas isoladas. Em nenhum mês veio o necessário. O Restaurante Universitário, outro ponto importante para manter estudantes de renda mais baixa, também está fechado durante todo o ano de 2017. Eram 5.000 refeições por dia, mas as duas últimas empresas que geriram o restaurante nunca receberam pelo serviço. Ambas abandonaram. Preparamos uma nova licitação, adaptando os termos possíveis. Em três meses, contatamos 50 empresas, mas ninguém mostra interesse, porque sabem que não vão receber.

As linhas de pesquisa pararam?

Estão comprometidas. A verba de pesquisa não está no Orçamento da universidade, vem de financiamento de agências próprias. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, do estado, e as federais Finep, Ficap e CNPq. Desde que entramos em crise, elas não recebem verba e não repassam. De 2015 até hoje, pesquisadores da UERJ tem 86 milhões de reais em projetos de pesquisa aprovados na Faperj que não foram pagos. Se as federais ainda estivessem boas, poderiam compensar. Mas o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações teve 40% de seu Orçamento congelado. O que vai acontecer com esses órgãos federais e mesmo com as universidades federais é incerto.

Dá para mensurar os prejuízos acadêmicos com esse período de estrangulamento financeiro?

Mensurar, não. Mas há efeitos esperados. Em todos os rankings internacionais, a UERJ está entre as 10 melhores universidades nacionais e entre as 25 da América Latina [Pelo ranking divulgado pelo MEC, em 2017, a UERJ é a 26ª colocada. No Ranking Universitário 2016 do jornal Folha de S. Paulo, é a 13ª. O Times Higher Education, que mede América Latina, colocar a UERJ em 24º lugar]. Mas temos sofrido e as dificuldades podem comprometer ranking adiante, pois dinheiro de pesquisa falta hoje, mas se faz notar daqui dois anos, quando a pesquisa deveria estar sendo completada. Em termos imediatos, notamos uma enorme redução de procura. Para ano passado, tivemos 80.000 inscritos. Para este ano, foram 37.000. Não é um fato isolado. O Enem teve redução de procura [6,7 milhões de candidatos em 2017, o menor número desde 2013], as escolas e universidades privadas também. Há uma diminuição geral, seja pelo desinteresse ou pela crise econômica que força o jovem a trabalhar mais cedo. Mas a UERJ foi acima da média. É preciso entender que aqui não “fizemos” nada de ruim para a universidade, “fizeram” mal. Certamente, quem fez foi o governo do estado do Rio de Janeiro.

Há um plano para trazer de volta o prestígio da UERJ ou é cedo para vislumbrar um cenário otimista?

Estamos fazendo nossa parte. Amanhã, podemos decidir que estamos prontos para voltar, apenas três semanas depois do previsto, e continuamos aplicando projetos de pesquisa em editais. Mas essa resposta depende demais de fatores externos. Em todos eles, o protagonista é o governo do estado. Eu acredito que o estrago que fizeram vai durar mais tempo. Se hoje recebêssemos aqui a verba de pesquisa e de custeio para tomar decisões com autonomia – em vez de depender de execução do estado, como prevê o projeto de que a UERJ receba os recursos do Orçamento anual em duodécimos e possa decidir onde aplicar –, não vai fazer que ano que vem tenhamos todo o interesse dos vestibulandos. Vai levar uns cinco ou dez anos para normalizar.

O governo conta muito com o Plano de Recuperação Fiscal para gerar caixa e normalizar a situação do estado. Pela experiência, dá para contar com isso para melhorar a UERJ?

Essa pergunta seria melhor respondida por um economista. Eu torço para que seja suficiente para que o estado reencontre o rumo. Para a universidade, há ainda um interesse extra para que isso funcione. Para realizar convênios com empresas e instituições federais, é necessário que a universidade tenha uma Certidão Negativa de Débito, uma comprovação de que pagamos tributos federais. Não temos pago há muito tempo, por inexistência de caixa. A Geologia e Química precisam de relações, por exemplo, com a Petrobras, mas a empresa não assina mais convênios conosco. É mais uma perda. O plano renegocia tributos federais, poderia abrir esse flanco. Mas saída da crise, só com retomada real de receita do Rio. Fizemos encontros com especialistas de várias áreas da universidade para pensar saídas e políticas públicas para a crise e passamos ao governo do estado. Mas nosso papel termina aqui, é incentivar o estudo e discussão.

O papel do estado aqui então se resume a financiamento?

Sim. Mas não deveria ser assim. O estado deveria ter a UERJ como braço direito, como uma consultoria para as políticas públicas. E a UERJ teria essa obrigação de fornecer subsídios para o estado em todas as áreas. Eu disse isso ao governador na época da minha posse, disse em outras oportunidades, ele concordou, mas isso nunca se efetivou. Talvez se deva a isso o fato de que o governo acreditar ser caro manter uma universidade do tamanho da UERJ, quando poderia ser um investimento para solução de seus problemas. Somos uma comunidade de 50.000 pessoas, com 42.000 alunos, 2.600 docentes. É mais que a maioria dos municípios fluminenses. Era para estarmos os 50.000 na rua, apoiando as necessidades da UERJ.

Em entrevista a EXAME, o secretário da Casa Civil do governo Pezão admite que a educação superior foi preterida em relação ao ensino básico, por se tratarem de camadas mais baixas da sociedade. O que acha dessa estratégia?

Isso não é verdade. O estado tem basicamente ensino médio, a maior parte do fundamental é encargo da prefeitura. Segundo, a educação estadual utiliza boa parte de recursos do Fundeb para se financiar. Então, é equivocada essa posição ou facilmente contestável.

E qual o sentimento?

Claro que nos sentimos preteridos. Por que um funcionário público que faz a mesma função que eu vai receber antes? Por que um professor da Secretaria de Educação recebe antes que nós, que somos vinculados à Ciência e Tecnologia? São três meses de salários e bolsas atrasados. É inadmissível, aviltante. Foram feitas escolhas e a UERJ não esteve nessas escolhas. Não colocar a quinta maior universidade do país nas suas escolhas, não há dúvida de que é equivocado. [Pelo ranking divulgado pelo MEC, em 2017, a UERJ é a 26ª colocada. No Ranking Universitário 2016 do jornal Folha de S. Paulo, é a 13ª]. Sem investir nas universidades estaduais, elas se tornam caras, porque ficam sem qualquer capacidade de resposta para a sociedade.

Há planos para que essa situação nunca mais se repita?

A universidade é pública e continuará sendo pública, então a maior parte dos recursos devem vir do Tesouro estadual. Temos outras fontes: uma própria, em que a aplicação de pesquisas podem reverter em dinheiro para a universidade, ou pela realização de convênios nacionais e internacionais. Isso já existe, mas são 5% do Orçamento. Aumentar essas fontes alternativas é importante, mas nunca vão chegar a 80%. A ideia é que seja de 10% ou 15%. Podemos desenvolver alternativas de captação de recursos por doações, como acontece em outros lugares do mundo? Sim. Pode ser por incentivo fiscal? Pode. E passaríamos a fazer parte do pensamento dos empresários e ex-alunos que hoje são expoentes em diversas áreas. Mas, volto a dizer, a maior parte é do Tesouro estadual.

Doações à universidades públicas são um tabu no Brasil. Como lidar com isso? A cobrança de mensalidades proporcionais à renda também é uma hipótese?

Mensalidade, não. Sou contra. Realmente, trabalhar por doações e outras fontes por convênios com entes públicos ou privados é taxado por parcelas da comunidade como privatização da universidade. É um grupo que sempre vai existir, mas, felizmente, não é a maioria. Até a crise que estamos passando ajuda a desmistificar essa questão, porque mostra o quanto somos dependentes de fontes alternativas de receita. Estou com eles apenas na defesa de que não se cobre dos alunos. De resto, precisamos abrir o leque.

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