Marcos Fernandes, da FGV: acabou o capital político do governo
Para professor, governo beneficiou categoria em detrimento de interesses gerais do país: caminhoneiros ganharam, mas no médio prazo todo o país perde
Da Redação
Publicado em 25 de maio de 2018 às 19h11.
Última atualização em 28 de maio de 2018 às 16h23.
Nesta sexta-feira 25, cinco dias depois de deflagrada a greve dos caminhoneiros que parou o país, o presidente Michel Temer veio à televisão afirmar que o governo firmou um acordo com os grevistas e que apenas uma minoria radical permanece mobilizada.
O dito acordo garantiu redução de 10% do preço do diesel por mais quinze dias, além dos já quinze dias aceitos pela Petrobras , zerar a Cide sobre o combustível, não promover a reoneração da folha de pagamento do setor de transporte rodoviário de cargas, editar uma medida provisória, em até duas semanas, garantindo que os caminhoneiros autonômos tenham até 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), entre outras demandas dos grevistas.
Em entrevista a EXAME, o professor do Cepesp (Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público) da FGV, Marcos Fernandes diz que o governo perdeu todo o capital político nas trabalhadas na negociação com os caminhoneiros. Ele analisa a situação de acordo com a teoria dos jogos e diz que o equilíbrio atingido pelo governo é o pior possível.
O acordo de quinta-feira foi positivo para o governo ou beneficiou uma categoria em detrimento do interesse geral?
Beneficiou uma categoria em detrimento dos interesses gerais. A sociedade até poderia discutir a alta dos combustíveis em relação ao orçamento público, mas não é possível fazer isso com um governo fraco, sem a legitimidade do voto. O que temos, diante de um governo fraco, grupos de pressão que conseguem se organizar melhor e exploram os grupos patentes, que são os grupos que não conseguem se organizar. É um problema de economia política clássica. Já houve greve de caminhoneiros em vários períodos, mas sempre quando o governo está em um momento fraco.
Por que é um problema de economia política clássico?
Na sociedade sempre existem conflitos distributivos que são latentes e esses conflitos se mostram até no orçamento público — no sentido de discussões como: qual região vai receber mais dinheiro, qual grupo vai ser beneficiado por investimentos em certas áreas, quem vai receber um alívio na tributação. É uma discussão que envolve um conflito distributivo com ganhadores e perdedores. Normalmente, se fala que subsídio é bom quando traz benefícios para a sociedade como um todo, como subsídio para pesquisa científica ou energia renovável. Agora, esse é um problema de política clássico, porque a lógica dos grupos de pressão é: se existe uma oportunidade de capturar renda, vão aproveitar. Se tivéssemos um presidente forte, isso não estaria acontecendo, mesmo em ano eleitoral. Mas os grevistas identificam essa fraqueza e, evidentemente em um conluio com empresários interessados nisso, e talvez até as transportadoras, era óbvio que isso acontecer.
Temer se manifestou tarde?
Foi tarde. Quando o Estado começa arbitrar conflito distributivo dessa forma, o cara vai pegar anel, a mão e o braço, o que dá margem para situações oportunistas, como está acontecendo em São Paulo, com o protesto dos motoboys, ou de pescadores impedindo os carros de entrarem na balsa de São Sebastião. Bizarrices assim na verdade fazem sentido racional, porque as as pessoas veem que o governo é fraco e conseguem trazer benefícios na direção de si. A equação é difícil, porque a Petrobras tem acionistas, e muitos, vale lembrar, são trabalhadores, via o fundo de pensão. O problema é o discurso populista que aparece e é extremamente perigoso para 2019. E agora o governo quer transferir o ônus político aos governadores, quando os governadores não podem abrir mão do ICMS. Essa situação expõe até mesmo um problema de moralidade pública. A greve da forma como está sendo conduzida demonstra nenhum apreço aos bens comuns, e comportamento do Ciro Gomes e do Jair Bolsonaro também. É preciso entender que não tem dinheiro, não tem dinheiro para educação, para saúde, não tem sobra, de onde vão tirar esse dinheiro? Eu como analista veja que é racional esses movimentos se organizarem diante de um governo fraco, mas ser racional não significa que é moral.
Como o governo pode negociar agora, depois de já ter dado tanto na noite de quinta-feira?
Acabou o capital político do governo, não tem como negociar. A única solução possível para o governo agora é a violência, é o estado exercer seu poder constitucional de monopólio da violência, falando português claro. Se eu fosse o governo, eu colocaria as investigações em cima do empresariado, que parece estar envolvido. O Cade já foi acionado e o Judiciário também vai tomar algum tipo de medida.
Como entender essa negociação com tantos grupos de interesse envolvidos?
Me faz lembrar o Mancur Olson, cientista político que merecia ganhar o Nobel de Economia. Ele publicou um livro clássico chamado “teoria da ação coletiva”. Neste e em outros trabalhos, a grande preocupação dele era exatamente dar uma resposta a essa sua questão. Tem vários grupos organizados em diversos níveis buscando capturar renda (por meio de isenção tributária no caso dos caminhoneiros), porque é racional que grupos que conseguem se organizar melhor imponham seus interesses aos grupos que não conseguem se organizar, que eu chamei de grupos patentes.
E os caminhoneiros têm muito poder de pressão pela forma como é organizada a malha distributiva brasileira…
Essa é uma boa discussão para as eleições: o que fazer com a malha distributiva do país e como mudar a malha energética dos transportes. Mas vamos dar um crédito aos autônomos: eles foram incentivados a comprar vários caminhões no governo Dilma, estão endividados, tem mais caminhões do que precisa. E outra, a política monetária funcionou, a inflação está contida, mas a economia ainda não conseguiu se recuperar e, por isso, ninguém consegue repassar o custo do diesel para frente, assim, quem mais se prejudica são os autônomos. Nessa greve há as empresas, que se escondem nos caminhões, e os autônomos. O que foi decidido na noite de quinta-feira é bem razoável, já vai custar caro à nação, caro aos grupos patentes. O governo tem um problema de comunicação, porque deveria conseguir comunicar isso aos autônomos, sinalizar uma conversa específica para esse pessoal, mas em algum sentido é difícil, porque a liderança é difusa. É um dos problemas da modernidade, das organizações em rede, as lideranças não são claras, como em 2013. Agora, uma coisa é certa, eles podem parar, mas não podem obstruir rodovia totalmente.
Como fica o governo depois do acordo?
Não posso falar como cientista político, mas como economista político, que é minha área específica: é fim de feira. Dei uma aula, há dois dias, usando esse caso para ilustrar a teoria dos jogos, a questão era se o governo ceder, mas ceder demais, qual seria o equilíbrio do jogo. Para o governo agora, o equilíbrio do jogo é o pior possível, porque ele não tem mais ativo nenhum. O Temer queimou todo o ativo político dele, tanto é que quem foi o primeiro a aparecer oficialmente na televisão para falar nem foi o Temer, foi o Padilha [Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil). O Temer é ótimo para ficar do outro lado do balcão, mas agora que está no Executivo não sabe como atuar.
O governo pode reestabelecer um equilíbrio de jogo mais favorável?
Não tem condição. Qual o resultado dessa interação estratégica, desse jogo? O governo acabou. O que que sobra? Sobra, por enquanto, o uso da força. Quando isso ocorre, a situação é crítica, porque não se sabe exatamente o que pode acontecer.
E o equilíbrio para os grevistas?
Os grevistas ganharam, ganharam e inclusive perceberam que podem voltar daqui a 15 dias e enfiar mais a faca. Criou-se um incentivo perverso para que grupos organizados façam qualquer tipo de demanda, de pressão.
Qual o resultado final do jogo?
O resultado é um perde e perde a médio prazo. Os caminhoneiros podem até ganhar agora, mas a médio prazo, o resultado disso é o aprofundamento da crise fiscal, o que é ruim para todo mundo. Para resolver, ou se arbitra esse conflito —e só governantes legítimos conseguem fazer isso—, ou volta aos anos 1980 e a superinflação.