Maconha: Um dos principais pontos em discussão pelos ministros é sobre parâmetros para diferenciar o usuário do traficante (juanma hache/Getty Images)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 4 de agosto de 2023 às 10h27.
Última atualização em 25 de junho de 2024 às 16h00.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou em agosto o julgamento da ação que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. O placar da ação está 5 a 1 a favor da institucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram a fator descriminalização da maconha. Cristiano Zanin votou contra.
O julgamento foi retomado na última quinta-feira, 24, Gilmar Mendes mudou o seu voto e concordou em descriminalizar apenas o porte de maconha e Cristiano Zanin votou contra a inconstitucionalidade do tema. O ministro André Mendonça pediu vista e foi suspenso por até 90 dias. Na mesma sessão, os ministros formaram maioria a favor da fixação de uma quantidade mínima de maconha para diferenciar um usuário de um traficante. Apesar da concordância, os ministros ainda não decidiram qual será essa quantidade.
O tema começou a ser analisado pela Corte em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki. Com a morte dele em um acidente aéreo, em 2017, o ministro Alexandre de Moraes o substituiu e devolveu o pedido de vista ao plenário um ano depois, em 2018.
A ação analisa um recurso de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões — da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal". A Defensoria apresentou a ação após um homem ser condenado por portar 3 gramas de maconha.
O órgão defende que a lei de drogas é inconstitucional, pois fere o direito à liberdade individual, já que "o réu não apresenta conduta que afronte à saúde pública, apenas à saúde do próprio usuário". O Ministério Público de São Paulo se posicionou contra a descriminalização.
Segundo um levantamento da Fiocruz, de 2015, a maconha é a droga mais consumida no país, e 7,7% dos brasileiros já fumaram a droga ao menos uma vez na vida — um total de mais de 15,6 milhões de pessoas.
O Supremo analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo". A decisão do STF não trata da venda de drogas, que continuará ilegal independentemente do resultado do julgamento.
O Supremo analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que prevê penas por porte que variam entre:
Já a pena para tráfico de drogas é de cinco a 20 anos de prisão, alem de multa.
Um dos principais pontos em discussão pelos ministros é sobre parâmetros para diferenciar o usuário do traficante. Hoje, a lei não tem uma definição clara para realizar essa diferenciação. Quando alguém é detido com maconha, um delegado de polícia -- e posteriormente um membro do Ministério Público -- define se o portador responderá por tráfico ou consumo. Com isso, pessoas com pequenas quantidades de drogas são enquadradas como traficantes e condenadas a prisão.
A sugestão do relator do caso, Gilmar Mendes, é que se uma pessoa for flagrada com drogas, ela deveria ser levada a um juiz, que decidiria o que deve ser feito com o acusado.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se o limite proposto por Barroso e por Moraes for adotado, 31% dos processos por tráfico de drogas em que houve apreensão de maconha poderiam em tese ser reclassificados como porte pessoal no País. Outros 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos por estarem dentro do parâmetro.
O Brasil ocupa a terceira posição no ranking de países que mais encarceram no mundo, com cerca de 900 mil pessoas presas, segundo dados do CNJ. Uma em cada três foi presa por delitos relacionados à atual Lei de Drogas.
Votaram a favor da descriminalização:
Votaram contra a descriminalização
Em 2015, Mendes, relator do caso, havia defendido a descriminalização do porte de todas as drogas. Com os votos de Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes restritos apenas à maconha, o relator decidiu ajustar o voto para acompanhar os outros membros da Corte.
Segundo o voto de Mendes, uma pessoa flagrada com drogas deveria ser levada a um juiz, que decidiria o que deve ser feito com o acusado. Ele criticou a forma como o processo é feito hoje, em que cabe a um delegado de polícia definir se o portador de droga é traficante ou usuário.
Ainda em 2015, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto do relator e consideraram que o artigo 28 é inconstitucional, mas fizeram ressalvas. Na ocasião, Fachin foi enfático ao dizer que a descriminalização deveria ser feita "exclusivamente" para o porte de maconha e o ministro Barroso afirmou que não se manifestaria sobre os demais tipos de drogas.
A criação de parâmetros que possam diferenciar um usuário de um traficante foi tema de debate entre os ministros. Barroso propôs o limite de porte de 25 gramas de cannabis (maconha), mesmo critério adotado por Portugal. Para Fachin, porém, os parâmetros devem ser estabelecidos pelo Executivo — até que o Congresso aprove lei sobre o assunto. O ministro Alexandre de Moraes também votou pela descriminalização da maconha e sugeriu fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário.
Moraes afirmou que o artigo 28 da Lei de Drogas deixou de punir com prisão o porte de drogas “para consumo próprio”, mas não define critérios objetivos para diferenciar consumo próprio de tráfico. Essa definição fica a cargo do sistema de persecução penal (Polícia, Ministério Público e Judiciário), que interpreta a norma de formas diversas.
Dessa forma, o porte de pequena quantidade de entorpecentes passou, em muitos casos, a ser qualificado como tráfico, tornando a punição mais dura e aumentando significativamente o número de presos por tráfico. Além disso, pessoas presas com a mesma quantidade de droga e em circunstâncias semelhantes podem ser consideradas usuárias ou traficantes, dependendo da etnia, de nível de instrução, renda, idade ou de onde ocorrer o fato.
Para o ministro, essa distorção acontece pelo excesso de discricionariedade para diferenciar usuários de traficantes. Em respeito ao princípio da isonomia, ele destacou a necessidade de que os flagrantes de drogas sejam tratados de forma idêntica em todo o país. “O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, afirmou.
Ele propôs que sejam enquadradas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas. Ele chegou a esses números a partir de levantamento que realizou sobre o volume médio de apreensão de drogas no estado de São Paulo, entre 2006 e 2017. O estudo foi realizado em conjunto com a Associação Brasileira de Jurimetria e abrangeu mais de 1,2 milhão de ocorrências com drogas.
Segundo Moraes, a autoridade policial não ficaria impedida de realizar a prisão em flagrante por tráfico quando a quantidade de maconha for inferior ao limite. Entretanto, seria necessário comprovar a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico, como a forma de acondicionamento da droga, a diversidade de entorpecentes e a apreensão de instrumentos e celulares com contatos, por exemplo. Da mesma forma, nas prisões em flagrante por quantidades superiores, o juiz, na audiência de custódia, deverá dar ao preso a possibilidade de comprovar que é usuário.
Ainda faltam votar os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Dias Toffoli.
Como o placar está 5 a 1, com apenas mais um voto se forma a maioria pela descriminalização da maconha.
Sim, se algum ministro entender que precisa de mais tempo para examinar melhor o processo antes de votar, ele pode pedir vista da ação.
De acordo com o regimento interno do Supremo, o prazo de devolução automática do processo é de 90 dias corridos, a contar da publicação da ata do julgamento no qual houve a interrupção.
O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter registros do consumo de cannabis para fins recreativos.
Segundo o ministério de Relações Exteriores, a planta foi trazida escondida pela população negra escravizada em 1549 e era usada em práticas religiosas e terapêuticas.
O país foi o primeiro a criminalizar o uso da maconha com a Lei de Posturas, criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1830, que penalizava "escravizados e outras pessoas" que fumassem o "pito do pango" com três dias de cadeia e chicotadas.
A lei foi adaptada na Constituição Federal de 1988. O artigo 28 da Lei de Drogas prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".