24.06.2023 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista. Paris - França. Foto: Ricardo Stuckert/PR (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Redação Exame
Publicado em 24 de junho de 2023 às 11h42.
Última atualização em 24 de junho de 2023 às 11h47.
Um dia depois de cancelar o jantar com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman Al Saud, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que vai orientar o Itamaraty a convidá-lo para visitar o Brasil. Eles se encontrariam numa residência de luxo próxima a Paris para um banquete oferecido pelo saudita. De última hora, o petista desistiu de ir.
Ao justificar a desistência, Lula repetiu neste sábado, dia 24, o argumento oficial da Presidência da República. A assessoria de Lula informou que o motivo era desgaste físico do presidente por causa da sequência de compromissos na capital francesa.
"Eu sabia que havia uma proposta de reunião com o príncipe da Arábia Saudita que queria discutir investimentos no Brasil. Eu quero conversar com todas as pessoas que querem fazer investimento no Brasil, porque quero saber qual a qualidade do investimento", disse Lula, em entrevista à imprensa antes de decolar de volta ao Brasil.
"Eu simplesmente não tive condições de participar da reunião e vou pedir que o Itamaraty o convoque pra ir ao Brasil discutir negócios com empresários brasileiros. Se a Arábia Saudita tiver interesse em investir, o Brasil terá interesse em conversar com quem quer que seja que eles mandem conversar."
A ideia do encontro partira dos sauditas, segundo diplomatas, e embora não estivesse prevista na agenda inicial da viagem de Lula foi incluída oficialmente como compromisso do presidente e depois retirada.
Lula negou que outro tipo de desgaste - a repercussão negativa do encontro nas redes sociais e na política nacional - tivesse levado ao cancelamento. Integrantes da comitiva presidencial, porém, sabiam do custo político e temiam que o jantar associasse Lula a um autocrata cujo regime oprime mulheres e foi acusado de mandar matar um jornalista.
Além disso, foi Bin Salman quem mandou presentear o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro com joias milionárias, que não foram declaradas à Receita Federal, como revelou o Estadão. Eles se tornaram alvo de uma investigação. "Eu sinceramente não pensei nisso", disse Lula. "Não estou preocupado com joias, isso não é comigo."
Bin Salman, que está em uma cruzada para se reabilitar, receberia Lula e primeira-dama, Janja Lula da Silva, na residência oficial da Arábia Saudita em Paris às 20h30 (15h30 no Brasil). O compromisso encerraria a agenda do presidente desta sexta, que teve como ponto alto sua participação na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, onde voltou a criticar os termos europeus para concluir o acordo entre União Europeia e Mercosul, fez outra defesa de desdolarização e criticou o sistema financeiro internacional.
Bin Salman está na França desde a semana passada, quando foi recebido pelo presidente Emmanuel Macron no Eliseu. Ele tinha boas relações com o governo de Bolsonaro, para quem deu joias que a perícia da Receita Federal estimou neste mês custarem R$ 5 milhões. O caso foi revelado pelo Jornal Estado de S. Paulo.
O pacote, que supostamente seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, tinha um colar da marca com 2 mil diamantes que, sozinho, custa cerca de R$ 3,3 milhões. O relógio da marca Chopard foi avaliado em R$ 935, mil, e um anel cravejado com uma centena de brilhantes, em R$ 151,7 mil. Há também brincos de R$ 633 mil, todos dados à comitiva brasileira quando uma equipe do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao Oriente Médio.
Um dos assessores do então ministro teria tentado entrar com as peças ilegalmente no Aeroporto de Guarulhos, sem declará-las à Receita. Elas, contudo, foram apreendidas, e foram ao menos quatro tentativas de tentar desbloqueá-las sem pagar altas tarifas.
Em depoimento à Polícia Federal, Bolsonaro disse que só soube dos presentes de Bin Salman e da retenção pela PF um ano depois, mas não soube dizer como ficou ciente da informação. Ele disse que acionou seu ajudante de ordens, Mauro Cid, para descobrir mais detalhes sobre o caso, e nega ter cometido qualquer irregularidade.
Há ainda outros dois kits de joias: um destinado ao ex-presidente, que teria entrado com Albuquerque e foi adicionado ao acervo pessoal de Bolsonaro, o que contraria às normas da legislação. O terceiro estojo foi recebido dois anos antes, em 2019, e teria sido entregue pessoalmente ao então presidente durante uma visita a Riad. Os estojos foram devolvidos ao Tribunal de Contas da União após reportagens, mas o caso está sob investigação.
Com Estadão Conteúdo e O Globo.