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Lava Jato é cheia de meias verdades, diz ex-juiz que prendeu Pinochet

Para Baltasar Garzón, houve uma "clara intenção política de eliminação" do ex-presidente Lula da disputa eleitoral no Brasil

Baltasar Garzón: juiz visitará o ex-presidente Lula em Curitiba nesta quinta-feira (Presidencia de la Nación Argentina/Wikimedia Commons)

Baltasar Garzón: juiz visitará o ex-presidente Lula em Curitiba nesta quinta-feira (Presidencia de la Nación Argentina/Wikimedia Commons)

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EFE

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 19h13.

São Paulo — O ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, conhecido por ter participado de julgamentos que tinham as ditaduras de Argentina e Chile como réus e que decretou a prisão de Augusto Pinochet em 1998, questiona a maneira como a Lava Jato foi comandada no Brasil e argumenta que houve uma "clara intenção política de eliminação" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da disputa eleitoral.

Em entrevista à Agência Efe em um hotel em São Paulo, Garzón também opinou sobre a tensão vivida na Argentina a poucas semanas das eleições; fala do processo de paz na Colômbia e confirma que pretende retornar à magistratura em 2021, após cumprir o período de inabilitação ao qual foi condenado por ter ordenado escutas ilegais.

Durante a curta passagem pelo Brasil, na quinta-feira o ex-juiz da Audiência Nacional da Espanha visitará Lula na cela em que está preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O que pensa sobre o ex-juiz federal Sergio Moro?

Conheci Sergio Moro em Lisboa, em um congresso contra a corrupção. Ele disse que me conhecia e que sentia admiração por mim. Como todo profissional do Direito - sou juiz e acredito que morrerei sendo, ainda que momentaneamente não possa exercer a função -, (Moro) merecia o meu respeito. O problema é quando observamos certa segmentação nas investigações.

Essa segmentação é a que foi revelada recentemente pelo site "The Intercept", do jornalista Glenn Greenwald, que divulgou supostas trocas de mensagens que comprometem a imparcialidade de Moro no processo contra Lula?

As investigações de Moro, incompreensivelmente, sempre eram dirigidas em um mesmo sentido, então eu começava a suspeitar que algo não funcionava. O direito começou a ser usado como arma de ataque político, e isso é muito perigoso.

Essa forma de proceder invalida os resultados da Lava Jato?

A investigação da Lava Jato é muito complexa. Tudo que envolve a Odebrecht e o impacto na América Latina é muito complexo para dizermos que "não existiu". Claro que existiu, parece que existiu, há indícios de que existiu. O problema é que nem tudo vale quando o crime se confronta com o estado de direito. Quando a investigação está cheia de armadilhas, de meias verdades, de atuações chamativas e a aparência de imparcialidade se perde, há algo que não funciona.

O que dirá a Lula quando o encontrar na prisão nesta quinta-feira?

Darei um abraço nele e direi que estamos com ele desde o princípio. Acredito que Lula é inocente, e com isto não desqualifico todos os meus colegas juízes, mas uma grave injustiça está sendo cometida com Lula. Houve uma clara intenção política de eliminação em uma disputa eleitoral.

O que tem a dizer sobre o ataque de Bolsonaro ao pai da atual alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet?

Senti a maior indignação. Este presidente (Jair Bolsonaro), eleito pelo voto popular, vai além dos próprios votos. Os votos não dão a ele o direito de desqualificar pessoas que sofreram tortura de um regime ditatorial, como o de Augusto Pinochet. Talvez (Bolsonaro) seja o exemplo da política tresnoitada que quer reinstaurar. É como negar os efeitos nocivos de um golpe de Estado. Nenhuma pessoa em sã consciência pode defender isto, é como se se defendesse de novo o nazismo.

A Argentina, um país que o senhor conhece muito bem, terá eleições em poucas semanas.

Estamos em uma situação extremamente delicada, com a inflação e a pobreza aumentando. Este é o momento de voltar a retomar políticas de direitos humanos com (o candidato peronista) Alberto Fernández e (a candidata a vice-presidente pela mesma chapa) Cristina Kirchner.

Como vê os problemas da Justiça com a ex-presidente argentina?

Os processos contra ela não tiveram consistência, cedo ou tarde isso será comprovado. O que vimos nesses anos foi uma perseguição sistemática de líderes de governos populares (na América Latina). Aconteceu com Cristina Kirchner, (o ex-presidente do Equador) Rafael Correa, Lula e os impeachments de Dilma Rousseff, Fernando Lugo (ex-presidente do Paraguai), José Manuel Zelaya (de Honduras). Não foi casualidade.

O processo de paz na Colômbia, do qual o senhor participou como assessor, balança depois da retomada da luta armada por uma parte dissidente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)?

Quando uma organização terrorista desaparece, costumam aparecer algumas réplicas. O desejável é que essa réplica seja neutralizada. Para isso, é preciso empoderar ainda mais as instituições criadas nos acordos de paz de Havana.

O senhor foi inabilitado pelo Tribunal Supremo espanhol por um período de 11 anos, em 2012, por ter ordenado escutas aos advogados e aos detidos pelo caso Gürtel (um escândalo de propinas envolvendo o Partido Popular espanhol). Sente arrependimento pela maneira como procedeu? Pretende voltar à magistratura?

Garzón: Atuei com toda a equanimidade e me ajustando, do meu ponto de vista, às normas do Direito. Tomei decisões na interceptação das comunicações interpretando a lei a pedido da promotoria, da polícia. Não concordo com essa sentença, destruiu a minha profissão de juiz, mas faço parte do sistema jurídico e a assumo, embora a combata. Quando chegar o momento (em 2021), se me deixarem, pretendo retornar.

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