Vista aérea das obras da Arena Corinthias, no bairro de Itaquera: prefeitura reconhece região como ponto vulnerável a esse tipo de crime e acionou rede de proteção (REUTERS/Paulo Whitaker)
Da Redação
Publicado em 19 de maio de 2014 às 14h09.
São Paulo - Bairro onde está instalado o recém-construído estádio do Corinthians – palco da cerimônia de abertura da Copa do Mundo –, Itaquera, na zona leste da capital paulista, registrou casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes no período de construção da arena.
Depoimentos de um grupo de meninas, prestados no início do mês de abril a um comitê de defesa dos direitos da criança, comprovam que o canteiro de obras do estádio fez intensificar a exploração na região.
“A gente colheu depoimentos de meninas que foram vitimizadas durante o período [de construção do estádio, iniciado em 2011]. É fato que existe e existiu a exploração sexual naquele momento e nas imediações do Itaquerão”, destaca a vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), uma das integrantes da delegação que colheu os depoimentos.
Ela foi relatora de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Câmara dos Vereadores de São Paulo, encerrada em dezembro de 2013, que apurou a exploração infantil no município.
Em um dos depoimentos, a menina B., de 13 anos, conta que foi assediada e abusada sexualmente por um dos trabalhadores do canteiro de obras do Itaquerão e que engravidou.
"Um rapaz sempre dava em cima de mim na rua quando eu passava. Isso começou a me incomodar por ele ser bem mais velho. Meu pai sabia que ele dava em cima de mim e não fazia nada. Ele foi tentando se aproximar várias vezes. Até que um dia sai com ele e fui abusada. Engravidei. Depois de um tempo ele disse que me assumiria. Meu pai não se importou muito. Até parece que para ele isso foi bom, porque era uma boca a menos para alimentar. Pode ter sido bom para ele, não para mim", disse a menina, moradora de uma comunidade próxima ao Itaquerão.
A reportagem da Agência Brasil esteve nas imediações do estádio em maio e não demorou a encontrar depoimentos de quem trabalha na região e conhece a realidade de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Sem se identificar, um trabalhador contou que o crime ocorre nas proximidades de uma favela e que os casos continuam nos dias de hoje. “Já presenciei. Pelas características, dá para notar que são meninas novas.”
A Prefeitura de São Paulo reconhece a região do estádio como um dos pontos vulneráveis a esse tipo de crime e acionou uma rede de proteção, que inclui assistência social, conselhos tutelares e escolas.
A medida integra a Agenda de Convergência, estratégia do governo federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no enfrentamento à violação dos direitos da criança e do adolescente durante grandes eventos, como a Copa do Mundo.
“Essa ação mobiliza os atores sociais das redes locais e foi implantada na capital paulista. Não só lá na região de Itaquera, mas em outros pontos de concentração onde as pessoas vão assistir aos jogos”, informou Fábio Silvestre, coordenador de políticas para crianças e adolescentes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
Silvestre destacou que a prefeitura reforçou também a campanha de divulgação do Disque Direitos Humanos - Disque 100, que recebe esse tipo de denúncia.
Para a organização não governamental Plan Internacional, que trabalha com temas ligados à infância, conscientizar os cidadãos sobre a importância de denunciar ainda é um desafio.
“É muito ínfimo o número de denúncias relativas a turismo sexual e exploração sexual infantil. Por mais que a campanha tenha se intensificado, atuar diretamente nas comunidades que são afetadas deveria ser um trabalho mais intensivo do governo”, destaca Mônica Souza, gerente de marketing da ONG.
A principal preocupação da Plan Internacional é que, com a vinda de turistas para a Copa, principalmente homens, aumentem os casos de exploração sexual de crianças e adolescentes nas áreas onde já há registros desse crime. “Nossa preocupação é que essas meninas fiquem mais expostas e mais vulneráveis a esse tipo de prática”, destacou Mônica.
Para a vereadora Patrícia Bezerra, o tema ainda não mobiliza os governos como deveria. “O problema principal é isso não ser uma agenda e não ter sido tomada até hoje como prioridade. Enquanto essa temática não for levada a sério, vai ser muito difícil ver, no final do túnel, uma luz com relação à exploração sexual infantil.”
O coordenador Fábio Silvestre acrescentou que a decisão dos governos municipais e estadual de decretar recesso escolar no período da Copa não ajuda nesse cenário, uma vez que as crianças podem ficar mais expostas fora das salas de aula.
“Infelizmente, para nós, foi ruim. Mas nós conseguimos reverter com a realização de atividades nos CEUs [centros educacionais unificados], que a Secretaria de Educação está organizando para ocupar a meninada”, disse.
Dados do Disque 100, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República mostram que, em 2013, o estado de São Paulo foi o que mais recebeu denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Foram 3.889 casos relatados. No ano anterior, os registros somaram 3.739 casos.