Brasil

Isenção fiscal a igrejas é maior em estados e municípios

Concessões, previstas pela Constituição, refletem influência do segmento na política do país. Prefeituras e governos são grandes patrocinadores

Templo de Salomão, em São Paulo: lideranças religiosas conseguiram aprovar, no fim do ano passado, ampliação da isenção na cidade (Nacho Doce/Reuters)

Templo de Salomão, em São Paulo: lideranças religiosas conseguiram aprovar, no fim do ano passado, ampliação da isenção na cidade (Nacho Doce/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às 10h32.

Última atualização em 17 de fevereiro de 2020 às 10h34.

São Paulo — Se lideranças religiosas não conseguiram em janeiro um subsídio de energia elétrica para igrejas e templos com o governo Jair Bolsonaro, em municípios e estados a obtenção de benefícios tributários tem se dado em larga escala.

Um trabalho de articulação política regional, capitaneado principalmente por lideranças evangélicas, é o responsável pelo seguinte retrato: na maioria das capitais os templos religiosos têm hoje permissão para não pagar IPTU tanto de imóveis próprios como alugados.

Em âmbito estadual, a conquista da isenção de ICMS em contas de consumo (água, luz, gás e telefonia) já é realidade nos maiores estados do país.

Em janeiro, Bolsonaro decidiu não dar subsídio nas contas de luz de templos religiosos. Em dezembro, o presidente sancionou Lei que prorrogou até 2032 os incentivos fiscais vinculados ao ICMS para templos religiosos de qualquer culto e associações beneficentes, como as Santas Casas.

Apesar do avanço registrado na última década, organizações religiosas reclamam de dificuldades na obtenção do que defendem ser um direito constitucional. A Constituição prevê imunidade tributária a vários segmentos econômicos e sociais, como templos religiosos de qualquer culto.

O texto, entretanto, é generalista, e isso já causou diversas interpretações sobre a abrangência do benefício. No caso do IPTU, em dez capitais as prefeituras não dão isenção do imposto se o imóvel do templo for alugado, apenas se for patrimônio da entidade. Porém, já formam maioria (16) aquelas que concedem a imunidade nos dois casos.

Esse movimento não é exclusividade dos municípios maiores. Na pequena Potim (SP), de 22 mil habitantes, vereadores aprovaram em dezembro passado o benefício para templos alugados. São diversas os casos desse tipo.

Benefício ampliado

Uma tentativa de resolver de vez o assunto está na Câmara. A PEC 200, de 2016, acrescenta ao texto da Constituição, de maneira explicita, os imóveis locados como uma das situações para a imunidade tributária. O texto já passou pelo Senado, mas espera votação dos deputados.

O tema também já foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), e o entendimento foi de que imóveis alugados têm direito à isenção.

No Rio, a Igreja Católica briga com a prefeitura para garantir um benefício ainda mais amplo. A instituição quer a isenção do IPTU sobre todo o terreno onde fica uma capela em Botafogo, na Zona Sul. O município não cobra o imposto apenas da parcela referente à área da capela.

Em São Paulo, lideranças religiosas conseguiram aprovar, no fim do ano passado, a ampliação da isenção para esses casos.

Desde 2001, a capital paulista não cobra IPTU de templos religiosos, sejam próprios ou alugados. Com a nova lei, a isenção será aplicada agora ao imóvel em sua totalidade e não apenas à metragem do local destinado ao culto religioso.

"Queremos que se cumpra o que está na Constituição, mas é grande a proliferação de normas locais para restringir as hipóteses de imunidade a que os templos religiosos têm direito", diz Hugo Cysneiros, advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Os avanços nos legislativos municipais refletem o crescimento da influência do segmento religioso na política, especialmente o evangélico.

As ações em câmaras municipais são, em geral, lideradas por vereadores ligados a igrejas. A eleição de 2018 levou a um aumento de 16% da bancada evangélica na Câmara e no Senado. Para as eleições municipais deste ano, a tendência é a mesma.

Nas assembleias legislativas estaduais não é diferente. Entre os dez maiores estados do país, seis não cobram de organizações religiosas o ICMS em contas de consumo: MG, RJ, RS, PR, SC e PA — os três primeiros estão na lista dos estados com maiores dificuldades financeiras atualmente.

O governador do Rio, Wilson Witzel, sancionou este mês a lei que dá isenção nesses casos.

Diferentemente do IPTU, o benefício não é uma obrigação prevista na Constituição. A decisão de isentar o tributo que incide sobre contas de água, luz, gás e telefone é estritamente política. Cobram o imposto SP, BA, PE e CE.

Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas regulamentou este ano as regras para acesso à isenção do IPTU com a promessa de tornar o processo menos burocrático.

Dívida tributária

São cerca de 25 mil as entidades religiosas no país, segundo a Receita Federal. Um levantamento feito pela Agência Pública no ano passado mostrou que esse segmento deve à União cerca de R$ 460 milhões em tributos.

Líder da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), Silas Câmara (Republicanos-AM) afirmou considerar que a imunidade tributária das igrejas é um ponto consagrado pela Constituição. Sobre a possibilidade de ampliação de benefícios por estados e municípios recentemente, ele adotou cautela e disse que pretende debater a questão no âmbito da proposta do governo de reforma tributária.

Professor livre docente do departamento tributário da PUC de São Paulo e advogado da Conselho Nacional dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), Ricardo Sayeg afirma que não se trata de ampliação de benefícios para templos, mas de uma “adequação à realidade”.

Para o jurista, a Constituição garante imunidade para todas as atividades que estão relacionadas à liberdade de culto:

"É preciso analisar a situação na perspectiva do culto. Tudo aquilo que é necessário para o culto passa a ser compreendido no conceito de templo e passa a ter imunidade. Pelas lentes do culto, qual a diferença se ele ocorre em imóvel próprio, cedido ou alugado? A Constituição estabelece imunidade para templos de qualquer culto".

Acompanhe tudo sobre:ImpostosReligiãoSubsídios

Mais de Brasil

Após sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’, Lula cria Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia

Coalizão lança manifesto assinado por mais de 60 entidades contra decisão de Zuckerberg sobre Meta

Ministro da Defesa reforça apoio às investigações do 8/1: ‘Essa será a grande festa’