Porta-aviões: afundamento pela Marinha começou de vez na sexta-feira (Greenpeace/Divulgação)
Agência O Globo
Publicado em 4 de fevereiro de 2023 às 11h44.
A Marinha do Brasil deu início nesta sexta-feira ao afundamento do porta-aviões desativado, batizado de "São Paulo". A solução encontrada para a embarcação, carregada de amianto e outros materiais tóxicos, causou reação de ambientalistas e repercutiu na imprensa internacional.
O navio começou a ser naufragado a 350 quilômetros costa brasileira, na altura de Pernambuco, após cinco meses de polêmicas e incertezas.
O espanhol "El País" descreveu as idas e vindas sobre o que fazer com o navio como um "verdadeiro pesadelo para a Marinha do Brasil". A embarcação chegou a ser comprada por um grupo turco, foi levada para o país europeu, mas impedida de atracar. O porta-aviões então teve que retornar à costa brasileira.
"O maior navio da frota brasileira era pura sucata. Uma bomba ambiental com toneladas de amianto e outros componentes tóxicos", diz o El País.
O americano "The New York Times" lembrou que o navio passou meses sendo rebocado em círculos enquanto sua condição se deteriorava. E destacou que o "material tóxico a bordo do São Paulo pode perturbar os ecossistemas, matar animais e plantas e envenenar as cadeias alimentares marinhas com metais pesados".
O "The Guardian", do Reino Unido, ressaltou que grupos ambientalistas - Basel Action Network, Greenpeace e Sea Shepherd - acusaram o governo brasileiro de ter violado “três tratados internacionais” sobre o meio ambiente ao afundar o navio. E também ressaltou que essas entidades fizeram apelos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu reverter a crescente destruição ambiental quando assumiu o cargo no mês passado.
O alemão "Deutsche Welle" afirmou que a embarcação "havia se transformado em um navio fantasma enquanto navegava sem rumo pelo Atlântico nos últimos cinco meses". E o francês "Le Figaro" classificou a carga do porta-aviões como um "pacote tóxico de 30.000 toneladas" dentro de um casco velho e degradado.
A "France TV" também destacou que, além de amianto, há dentro do navio "um coquetel dos metais mais perigosos usados na década de 1950. Amianto, mercúrio, tintas, resíduos de hidrocarbonetos e PCBs (bifenilas policloradas)".
Nesta quarta, o Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Marinha comunicaram que o casco do navio (assim chamado, por não funcionar mais como porta-aviões) será afundado em alto mar. Há duas semanas, depois dos compradores turcos abandonarem o navio, a Autoridade Marítima Brasileira (AMB) assumiu o controle administrativo da embarcação e iniciou o seu transporte a um ponto a 350 quilômetros da costa brasileira, a fim de não prejudicar a navegação em território brasileiro.
Desde outubro do ano passado a então proprietária do porta-aviões, a SOK Denizcilik, tenta atracar no Brasil. Mas, sob suspeita de alta quantidade de amianto a bordo - estima-se cerca de 9 toneladas do produto, que é tóxico - os portos brasileiros não deram autorização para o atracamento. Três meses antes, o navio saiu do Brasil rumo à Turquia, onde seria desmanchado e vendido para reciclagem, mas diante dos protestos de ativistas, o governo turco cancelou a importação do navio, temendo os riscos ambientais.
Sem uma solução definida, a SOK comunicou o Ibama, no início de janeiro, que iria abandonar navio e, dias depois, renunciou à propriedade. Nesse contexto, a Marinha realizou uma inspeção no casco e constatou uma série de irregularidade além de atestar que a flutuabilidade estava comprometida, o que acarretava em risco de encalhe. Segundo o comunicado desta quarta, "não sobrou alternativa ao Estado brasileiro a não ser considerar o bem como perdido, nos termos da Lei nº 7.542/1986, e assumir o controle administrativo do casco, de modo a evitar danos ao meio ambiente e preservar a segurança da navegação".
O desfecho da história agora será o afundamento do porta-aviões.
"Diante dos fatos apresentados e do crescente risco que envolve a tarefa de reboque, em virtude da deterioração das condições de flutuabilidade do casco e da inevitabilidade de afundamento espontâneo/não controlado, não é possível adotar outra conduta que não o alijamento do casco, por meio do afundamento planejado e controlado", informou a nota da Marinha, Ministério da Defesa e AGU.
Segundo o comunicado, a escolha da área do afundamento se baseou em parâmetros como localização fora de área de proteção ambiental, com profundidade maior que 3 mil metros, estar dentro da Zona Econômica Exclusiva do Brasil, mas livre de interferência com cabos submarinos documentados, ou projetos de parques eólicos. O governo ainda afirmou que tomará "todas as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis, com a finalidade de mitigar, reparar e salvaguardar os interesses do Estado Brasileiro".
Nesta terça, a Folha de S. Paulo noticiou que uma empresa saudita teria feito uma oferta de R$30 milhões pelo navio, um valor três vezes maior do que a SOK pagou em leilão de 2021. Procurada, a Capitania dos Portos de Pernambuco negou que essa oferta tenha ocorrido.
Um relatório feito no ano passado apontou que o porta-aviões possui 9,6 toneladas de amianto, uma substância tóxica e cancerígena. O mesmo relatório admitiu que só foi possível vistoriar 12% dos compartimentos, e há suspeita de que exista mais amianto do que o declarado. Por isso, em outubro passado, a Agência de Meio Ambiente de Pernambuco recomendou que a embarcação não atracasse em Suape, e a Autoridade Portuária, em seguida, negou a autorização.
A presença de substâncias potencialmente tóxicas foi, desde o início, o motivo da polêmica envolvendo o transporte do porta-aviões. Por outro lado, a Marinha já respondeu que "na década de 1990, uma ampla desamiantação dos compartimentos da propulsão, catapulta, máquinas-auxiliares e diesel geradores, culminando com a retirada de aproximadamente 55 toneladas de amianto". Ainda assim, ativistas e governos da Europa se manifestaram contra a entrada da embarcação, e por isso ela precisou voltar ao país.
Em nota divulgada há suas semanas, o Ibama afirmou que não há carga tóxica sendo transportada pelo porta-aviões, e que o risco ambiental só se configuraria se a estrutura afundasse. O instituto, que foi o responsável por autorizar a exportação do casco no ano passado, defendia que o navio fosse exportado " para um país com estaleiro credenciado junto à Convenção de Basileia, a fim de realizar reciclagem segura para o meio ambiente".
Segundo o Ibama, o governo turco autorizou a importação, em maio do ano passado, após a análise de "laudos e relatórios produzidos por empresas especializadas". No entanto, "após decisão judicial de primeira instância relacionada a questionamentos sobre o leilão da embarcação", a autorização foi cancelada pelos turcos e , então, o Ibama também suspendeu sua autorização de exportação.
A reconstituição da saga do navio, comprado da França pelo Brasil nos anos 2000 e que teria navegado só 206 dias no Brasil, mostra como o porta-aviões se tornou tecnologicamente defasado e com potencial poluente.
A Marinha cogitou outro destino para o São Paulo. Em 2019, após desistir de um projeto de modernização que custaria R$1 bilhão, procurou especialistas para traçar alternativas de descarte ou reutilização para o porta-aviões São Paulo, na época recém-desativado.
Quando ainda era da França, o porta-aviões esteve em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na Europa. A embarcação tem 266 metros de comprimento e 32,8 mil toneladas.
Pelo contrato firmado com a França, o São Paulo precisaria ser esvaziado para ser revendido. Os gastos para transportar a embarcação, que, desativada, passa a ser oficialmente “casco de navio”, atingem a casa dos milhões de dólares.