Brasil

"Impeachment não encerra crise", diz cientista político

Cientista político Aníbal Pérez-Liñan vê risco de o processo de afastamento da presidente Dilma desencadear um efeito dominó em todas as esferas de governo


	Dilma Rousseff: para cientista político, basear pedido de impeachment nas pedaladas fiscais fragiliza as administrações no país e pode levar a efeito dominó.
 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Dilma Rousseff: para cientista político, basear pedido de impeachment nas pedaladas fiscais fragiliza as administrações no país e pode levar a efeito dominó. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2016 às 09h27.

São Paulo - Autor do livro "Presidential impeachment and the new political instability in America Latina" (Cambridge University Press, 2007), o cientista político Aníbal Pérez-Liñan vê risco de o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff desencadear um efeito dominó em todas as esferas de governo no País.

Para o professor da Universidade de Pittsburgh, o uso das pedaladas fiscais como argumento para o impedimento fragiliza as administrações praticantes de expedientes contábeis.

O pesquisador argentino acredita ainda que o pedido da oposição acabará por favorecer o próprio PT, que se renderá ao vitimismo, caso a presidente seja afastada.

Do pacote desestabilizador de governos, qual elemento é mais preponderante no caso da presidente Dilma?

É um fator sobre o qual Dilma Rousseff não tem nenhum controle: os preços das matérias-primas internacionais. A desaceleração dos mercados chineses e demais levou as economias da América Latina a entrar em recessão. Essa crise é econômica, que ativa o descontentamento popular, que ativa a destruição da coalizão do governo.

O fato de ter havido manifestação a favor do governo difere o caso brasileiro dos demais da América Latina?

Sim, o caso de Dilma é diferente, por exemplo, dos de Fernando Collor, em que não houve mobilização a favor dele, e de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012. Dilma tem, talvez, setores mais comprometidos a defendê-la nas ruas. Mas a realidade é que esses setores são comparativamente pequenos em comparação aos que se mobilizaram contra ela e com a grande parte da população que não está disposta a se mobilizar. Como os sinais que ela recebe do Congresso, das ruas e das pesquisas de opinião são negativos, isso facilita a dissolução da coalizão.

Qual é a melhor forma de emendar o presidencialismo de coalizão?

A única forma de governar o Brasil é por coalizão, pelo volume de partidos que há. O que está esgotado é o modelo para formar as coalizões. Até hoje, as coalizões foram formadas a partir do critério distributivo, em que seus membros recebem postos nos gabinetes, orçamentos, em troca de respaldo ao governo. Isso funciona quando a economia vai bem, mas quando há crise se rompe com facilidade. Para que funcione no futuro, será preciso que a coalizão faça um acordo prévio sobre o tipo de governo a ser implantado. Os partidos que formam coalizões no Brasil não têm grandes prioridades sobre políticas de governo, mas sobre políticas de benefícios próprios.

O caso brasileiro se encaixa na tese de que há um elemento parlamentarista no impeachment de Dilma?

O impeachment sempre tem um componente político. Isso leva alguns observadores a pensar que o impeachment pode funcionar como o voto de censura em um sistema parlamentar: se a presidente perde a maioria no Congresso, simplesmente é removida pela nova maioria e substituída por um novo chefe de governo. O problema com essa leitura é que o impeachment também tem um componente jurídico. É preciso demonstrar que o presidente cometeu um crime de responsabilidade para que a acusação seja válida. O voto de censura é um procedimento normal no sistema parlamentar. O impeachment é um procedimento extraordinário no sistema presidencial, e é traumático para o país. Quando um primeiro-ministro perde um voto de confiança, sai do governo para se apresentar na próxima eleição. Quando um presidente sofre um impeachment, geralmente sai do governo para ir à prisão ou ao exílio.

Como situar o processo brasileiro no contexto dos históricos recentes de afastamentos na América Latina?

O caso brasileiro atual faz parte de uma onda de impeachments que se iniciou nos anos 1990 com o ex-presidente Fernando Collor. As elites políticas buscam mecanismos civis e mais ou menos legais para destituir presidentes quando não eles são populares. Boa parte dos sociólogos e cientistas políticos dizia que os afastamentos só afetavam os presidentes neoliberais, mas descobriram depois que afetam qualquer tipo de político de qualquer ideologia. Isso foi uma surpresa, que começou com o julgamento de Lugo, mas a surpresa é ainda maior no caso de Dilma Rousseff porque boa parte da classe média se mobilizou a favor do impeachment. Essa nova realidade confunde muito os acadêmicos e os coloca em uma situação incômoda. No passado, celebraram a queda dos presidentes como uma revolta popular contra o neoliberalismo, mas hoje em dia desconfiam dos protestos e condenam o impeachment como uma forma de golpe. O que ocorreu é que, na primeira década do século 21, a economia foi tão próspera que os presidentes pareciam muito seguros. Hoje em dia, esse momento não existe mais e muitos presidentes estão frágeis novamente.

Qual o impacto de mais uma destituição na América Latina para a esquerda no Brasil e na região?

A impressão geral é de que esse processo político representa um golpe muito duro para a esquerda no Brasil e na América Latina. Na região, creio que o maior impacto será na Venezuela. Seu governo, de algum modo no âmbito regional, esteve protegido pelo Brasil. A saída do PT do poder enviaria um sinal de que Venezuela poderia estar mais ilhada no futuro e ter menos respaldo na região. Talvez essa crise política seja uma oportunidade para a esquerda no Brasil. O PT ficou muitos anos no poder, parte dele durante um período de prosperidade para toda América Latina. Minha impressão é a de que a tentativa de destituir Dilma é um grande erro da oposição porque ela bate no governo justamente quando a economia está em crise. O novo governo não vai ter legitimidade eleitoral porque não foi eleito, a economia vai seguir em crise, os escândalos vão seguir existindo e afetando parte do novo governo, o que significa que a opinião pública vai seguir revoltada. Por outra parte, o PT vai passar à oposição reclamando ser uma vítima da direita. Então, no momento em que o PT deveria se fazer responsável pelos erros, na realidade, se permite que o partido passe a ser uma vítima. Talvez a oposição esteja salvando o futuro do PT.

Qual o saldo dessa destituição para a jovem democracia do País?

Existe um certo debate sobre isso e as principais vozes sustentam uma visão otimista do impeachment, dizendo que ele não cria uma debilidade na democracia e nem instabilidade a longo prazo. Minha leitura é menos otimista. Creio que quando o impeachment se justifica exclusivamente em um crime cometido pelo presidente, então o impeachment fortalece a democracia porque mostra que o Congresso pode controlar o Executivo e que não há impunidade. Mas por outro lado, quando impeachment é simplesmente um ato simbólico do Congresso para sacrificar o presidente, em consonância com a opinião pública, porque o presidente é impopular, então creio que nesses casos o impeachment abre um ciclo de instabilidade que não termina com a saída do presidente.

Podemos comparar esse novo ciclo que se avizinha no Brasil com alguma outra democracia latino-americana?

À que há no Equador, na qual o julgamento político se tornou uma prática constante entre 1996 e 2007. Durante dez anos, por causa de governo impopular, as pessoas iam para as ruas e o Congresso destituía o presidente. O julgamento político quase se iguala a um voto de censura. Utilizar apenas uma desculpa legal, sem fundamento jurídico sólido, pode criar um ciclo de instabilidade no Brasil. Em 1997, o presidente equatoriano Abdalá Bucaram foi destituído pelo Congresso sob acusação de que estava "mentalmente incapacitado" para governar, ou seja, louco. Isso ocorreu em meio a protestos massivos contra o governo. Na década seguinte, nenhum presidente eleito pôde completar seu mandato: Jamil Mahuad foi deposto em 2000 por um golpe civil-militar, e Lucio Gutiérrez (o líder do golpe) foi, por sua vez, deposto pelo Congresso em 2005. Somente a chegada de Rafael Correa, e sua enorme concentração de poder, conseguiu frear a instabilidade.

O Brasil pode se "equadorizar"?

Vai depender de dois fatores: primeiro, da situação econômica, se vai melhorar ou piorar, porque isso determina se as pessoas estão revoltadas ou não com os políticos. O segundo fator é a capacidade de a classe política refletir sobre o que está ocorrendo, aprender da crise atual. Do contrário, o risco é certo. Um dos problemas cruciais desse processo de Dilma foi o uso das pedaladas como argumento. Nenhum Executivo no Brasil agora está seguro, pois todos estão expostos a acusações desse tipo. Então, por escolher uma situação de curto prazo, o Congresso abriu uma caixa de Pandora.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:Dilma RousseffImpeachmentPartidos políticosPersonalidadesPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileirosPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Brasil

SP ainda tem 36 mil casas sem energia neste domingo

Ponte que liga os estados de Tocantins e Maranhão desaba; veja vídeo

Como chegar em Gramado? Veja rotas alternativas após queda de avião

Vai viajar para São Paulo? Ao menos 18 praias estão impróprias para banho; veja lista