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Há espaço na política para uma mulher de voz mansa e que leva as coisas a sério, diz Tabata Amaral

Em entrevista exclusiva à EXAME, deputada federal discutiu futuro no Congresso, escala 6x1 e rumos dos debates políticos nas eleição após a cadeirada

Tabata Amaral,  deputada federal (Leandro Fonseca/Exame)

Tabata Amaral, deputada federal (Leandro Fonseca/Exame)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 24 de novembro de 2024 às 06h24.

Última atualização em 26 de novembro de 2024 às 17h26.

Nova York, Estados Unidos* — De uma campanha marcada por cadeiradas em debates eleitorais a críticas à PEC que propõe mudanças na jornada de trabalho, Tabata Amaral (PSB-SP) tem enfrentado desafios que refletem os contrastes da política brasileira.

Deputada federal e ex-candidata à prefeitura de São Paulo em 2024, Tabata conversou com a EXAME durante um curso sobre segurança pública na Universidade Columbia, em Nova York, organizado pela Comunitas, organização dedicada à inovação na política pública e na responsabilidade social corporativa das empresas brasileiras.

Na entrevista, a deputada federal abordou temas como o impacto do financiamento eleitoral, a radicalização do discurso político e as barreiras enfrentadas por mulheres jovens e independentes na política.

Apesar de alcançar 10% dos votos em uma disputa dominada por figuras com mais tempo de TV e recursos financeiros, Tabata analisa os pontos que, segundo ela, prejudicaram sua campanha. “Muita gente não conhecia minhas propostas. Os debates, que eram uma oportunidade para mudar isso, acabaram sendo ofuscados por episódios como cadeiradas e brigas”, afirma.

Durante a entrevista, a deputada também compartilhou sua visão sobre a segurança pública, os desafios para aprovar a PEC 6x1 e seus próximos passos na Câmara dos Deputados.

Confira a entrevista na íntegra.

Durante o curso que estivemos juntos em Columbia, a Sra. endereçou uma pergunta a um dos professores, um ex-prefeito de Filadélfia, sobre a sua frustração ao ter preparado um plano de governo à prefeitura de São Paulo e, nos debates, ver o debate das ideias sendo ofuscado pela radicalização política. O exemplo que a Sra usou foi o episódio da cadeirada dada pelo candidato José Luiz Datena (PSDB) no oponente Pablo Marçal (PRTB). Marçal foi considerado, por muita gente, como despreparado para ocupar o cargo de prefeito. A Sra. se sente frustrada com o processo eleitoral deste ano?

Não, e vou explicar o porquê. O [escritor pernambucano] Ariano Suassuna tinha uma expressão que me representa muito, que é ser realista e esperançoso. Não sou nem otimista, nem pessimista. Nas pesquisas qualitativas realizadas após os 11 debates desta campanha, fui considerada a melhor candidata apesar de ser mulher, que sabemos [que as mulheres] ainda sofrem preconceito, e apesar de ser jovem, de não ter pedigree, de ser tida como séria demais e de até ter sido chamada de ‘Chatabata’ pelo Marçal. Independentemente do grupo eleitoral entrevistado nessas pesquisas, eu era considerada a melhor candidata e, para eles, seria a melhor prefeita. Ou seja, existe espaço para uma mulher baixa, de voz mansa, que se preparou, leva as coisas a sério e sabe montar times. Acho que essa é uma baita notícia.

Então, por que a Sra. perdeu a eleição para prefeitura de São Paulo?

Aí entra um pouco do que precisamos ajustar. Muita gente acha que saí da eleição pensando que não ganhei porque sou mulher. Não! Eu não ganhei porque era muito desconhecida. Entrei na eleição com 70% de desconhecimento do eleitorado. E a esmagadora maioria das pessoas não viam os debates. Elas viam a repercussão do debate. Entre os cinco principais concorrentes, eu era de longe a mais desconhecida. Era também uma das menos financiadas. Sou uma pessoa séria e comigo não tem um centavo de campanha que não seja declarado. Olhando os recursos declarados por todos os candidatos, eles tiveram seis vezes mais recursos do que eu. Vamos olhar para o tempo de tevê. O [prefeito eleito Ricardo] Nunes teve 13 vezes mais tempo de TV do que eu. Então, você tem uma candidata que, quando as pessoas conhecem, é a menos rejeitada, a que mais ‘vira voto’, mas ela entra na disputa como a mais desconhecida. Com menos recurso, menos tempo de TV e, na oportunidade de as pessoas conhecerem essa candidata, que são os debates, acontece uma cadeirada ou um soco e no dia seguinte as pessoas só falam disso.

O que está errado, na sua visão?

Acho que é aquela frase: it’s the money. É o dinheiro. Acho que a frustração vem disso. Do quanto as campanhas são determinadas pelos recursos. Enfrentei duas campanhas de máquinas absolutamente caras e pesadas, que foram a do Nunes e a do [candidato pelo Psol Guilherme] Boulos. E aí tem também a campanha do Marçal, que a gente tem que ter muito cuidado ao analisar. Sou autora das principais ações que pedem a cassação da candidatura do Marçal e a inelegibilidade dele. O Marçal não é só um produto de marketing. O Marçal é uma candidatura que se valeu de instrumentos injustos. Foram milhares de anúncios na Meta [dona das redes sociais Facebook e Instagram, além do WhatsApp] que não foram declarados. A gente tem provas que apresentamos à Justiça, de pagamentos em dinheiro vivo a pessoas que repercutiram o conteúdo dele, um procedimento que desrespeita as regras eleitorais. A gente acredita que houve ali muito dinheiro não declarado. Até para desmistificar algo que brinquei durante a campanha, de que ele não é só o rostinho harmonizado dele, o que eu me referia era ao fato de ele ter uma outra candidatura com muita estrutura ilegal, o que torna a disputa absolutamente injusta. Temos ajustes gigantescos a fazer na democracia brasileira sobre o quanto o dinheiro e as máquinas impactam no resultado. Diante de todas essas adversidades que eu trouxe — ser mulher, jovem, séria demais — terminar com 10% dos votos é um bom resultado.

"Estou sendo há seis anos atacada, xingada, ameaçada de morte, caluniada por extremistas à esquerda e à direita. Quando vem uma ameaça, quando vem um xingamento, eu tenho dificuldade de entender se aquela pessoa é de esquerda ou de direita, porque elas se parecem muito"

A Sra. costuma ser atacada pela esquerda e pela direita. Sente-se boicotada?

Estou há seis anos assim e, para mim, a crítica faz parte do caminho que escolhi para minha vida. A crítica é válida em todo o contexto e levada em consideração, mas estou sendo há seis anos atacada, xingada, ameaçada de morte, caluniada por extremistas à esquerda e à direita. Quando vem uma ameaça, quando vem um xingamento, eu tenho dificuldade de entender se aquela pessoa é de esquerda ou de direita, porque elas se parecem muito. O que muda é o porquê. A extrema direita antagoniza comigo muitas vezes de forma ilegal, falando que eu deveria ser estuprada, por exemplo. Ali, é uma disputa, é um embate. É a direita antagonizando com uma candidata que é progressista. Quando a esquerda faz isso, é diferente. Com toda certeza tenho ideias que são mais próximas da esquerda do que ideias que são diferentes. Mas com a esquerda é uma disputa de espaço. Sou uma liderança independente, que não vai bater continência a outras lideranças e que tem a coragem de trazer outras visões de mundo e contestar visões que eu considero muito antigas da esquerda e se incomoda. Isso é uma ameaça, porque eu disputo o voto. Por isso que a esquerda muitas vezes é até mais agressiva comigo, porque é uma disputa de espaço. E enquanto eu estiver no campo das ideias, perfeito. Eu de fato tenho uma visão econômica de centro. Eu defendo um Estado eficiente, não um Estado inchado. O problema é quando vêm as teorias da conspiração, as mentiras e os ataques machistas. Mas a única coisa que aconteceu nesses seis anos foi a casca ficar mais grossa e juntar mais gente do meu lado. Vamos pra cima.

Nessa linha, muita gente da esquerda criticou seu posicionamento na discussão que resultou na PEC contra a escala de trabalho 6x1. Quero entender a sua avaliação sobre a repercussão deste tema. A Sra. acabou assinando o pedido para o andamento da PEC, mas sinalizou que o tema precisa ser mais bem discutido.

Vou falar primeiro sobre a reação e depois sobre a matéria em si. Não estou em Brasília, ou na política, para aparecer e ficar famosa, popular, para ganhar like ou palminha. Essa é uma escolha que fiz lá atrás. Tenho 22 projetos que viraram lei. Tenho a alegria de ter liderado os projetos mais importantes que o Brasil aprovou na educação nos últimos anos. Fui autora do Pé de Meia, fui uma das autoras do Novo Fundeb, relatora do Marco do Ensino Técnico, uma das autoras da lei de distribuição de absorventes nas escolas. Esse é um modus operandi muito diferente de alguns adversários meus à esquerda. Eles têm uma facilidade muito grande em discursar, de falar para o público para as redes sociais, mas não têm um projeto relevante que eles tenham aprovado. Qual é o ponto aqui: alguém que escolhe essa jornada de entrar para a política, para aprovar projeto, para mudar a vida das pessoas, nunca vai pelo caminho fácil. Primeiro, porque eu não vou apresentar um projeto que eu não tenha condições de aprovar. Segundo, porque eu levo tão a sério meu trabalho, que eu me coloco num lugar de olhar para como aquilo vai impactar o todo. Quando veio a discussão da PEC 6x1, qual foi a minha primeira reação? Esse é um debate absolutamente válido. Criei a bancada da saúde mental, eu estou relatando um projeto super importante de burnout, eu sou autora de um projeto que eu escrevi junto com Pedro Nery, que é um grande economista, para mensurar o bem-estar da população. Sei que a escala 6x1 é exaustiva e traz transtornos mentais. Então minha primeira reação foi: esse debate tem que ser feito. Quando eu fui olhar para o texto da PEC, falei: vamos estudar. Colocaram a ideia no papel, mas não foram para as páginas seguintes. Estou tendo coragem de fazer alguns questionamentos e me dispondo a responder essas perguntas, o que infelizmente não está acontecendo. Não houve diálogo e muito menos um aprofundamento do tema.

O que precisa melhorar?

Primeira pergunta: como é que fica o salário mínimo? É a primeira coisa que me perguntei. Tem um erro de cálculo de horas na PEC, isso se resolve fácil. O ponto é: a gente está querendo reduzir a jornada. Quando a gente olha para nossa legislação trabalhista, o salário mínimo é calculado na hora. Essas pessoas estão defendendo que o salário mínimo seja reduzido? Eu sou contra isso. A gente tem que estar pronto para fazer uma redução de jornada que não impacte no salário mínimo. Esse é um cálculo que tem que ser feito. Não vou embarcar num projeto que possa significar que as pessoas tenham uma redução no salário mínimo. Além disso, quem vai pagar essa conta? Aí falo da segunda pergunta: como é que ficam os pequenos empregadores? Os grandes empregadores conseguem se adaptar à PEC, mas e os pequenos? A gente vai estar aprovando mais um projeto para levar à pejotização da mão de obra? Porque tem uma classe que está ainda mais precária do que quem recebe um salário mínimo. É quem está no mercado informal, completamente desprotegido. Nessas últimas semanas, conversei com o Pedro Nery e com outros economistas, como o Rafael Gouveia, do Ipea, para mapear as coisas que a gente precisa responder para garantir que esse projeto não vai impactar negativamente quem mais precisa.

"Estou muito pouco preocupada com quem está ganhando fama na rede social em cima desse debate. Estou preocupada, de verdade, com quem recebe hoje um salário mínimo e corre o risco de ter perda salarial"

E o que saiu dessas conversas? 

E, aí, sendo muito sincera, estou muito pouco preocupada com quem está ganhando fama na rede social em cima desse debate. Estou preocupada, de verdade, com quem recebe hoje um salário mínimo e corre o risco de ter perda salarial. Ou, então, com quem está fora do mercado de trabalho e pode ter ainda menos chances de entrar no mercado de trabalho formal. E aí a gente começou a olhar como é que outros países conduziram esse debate. Quando você olha a Europa, onde tem mais exemplos, todos foram uma transição. Você tem duas formas de fazer. Você faz em uma cidade e um estado para entender os impactos positivos e negativos antes de escalar. E a outra abordagem é ir fazendo algumas horas de redução a cada ano para ganhar produtividade ao longo do caminho para compensar. Por que eu assinei pra que a PEC possa tramitar? Tem impactos positivos na saúde mental da população e ao que tudo indica, se bem feito, pode inclusive melhorar a produtividade. Agora, em política pública, o diabo mora no detalhe. Sim, a forma de escrever esse negócio importa. E, até aqui, esse debate não aconteceu. Essas contas não foram feitas. Estou sendo criticada todos os dias porque levantei perguntas que eu considero importantes.

Qual será o foco da sua carreira política daqui para frente? O que está no seu radar agora de volta à Câmara dos Deputados?

São dois objetivos. Eu lidero o PSB na capital paulista. A gente saiu dessa eleição com a missão de liderar a oposição a uma gestão que, na minha opinião, é medíocre e, ao que tudo indica, bastante corrupta. Tenho a responsabilidade com nossos filiados, com a população de São Paulo, com os 600.000 eleitores que me deram 10% dos votos, de seguir fiscalizando e me posicionando. Acho que esse é um ponto. Retomo os trabalhos como deputada federal. Entre os temas que estão no meu radar está um projeto de lei da licença maternidade, e que explica muito como trabalho. Antes de apresentar o projeto, passei um ano conversando com representantes da sociedade — economistas, empresários e ativistas. Trouxe a Benedita da Silva [deputada federal pelo PT-RJ] e a Damares Alves [senadora pelo PL-DF] para coordenarem a frente da licença paternidade. Isso me dá garantia de que o projeto está bem escrito. O impacto está calculado e a gente vai ter apoio da esquerda e da direita. Resultado: desde a Constituinte esse tema não avançava. Agora, foi aprovado na primeira comissão do Senado. Acredito muito nessa forma de fazer política. Senta, entende o tema, assume que as pessoas são bem intencionadas, que os empresários que estão lá se colocando contra a licença paternidade têm as suas preocupações que a gente precisa endereçar e a gente endereçou neste texto.

A Sra. passou uma semana na Universidade Columbia, em Nova York, num curso sobre segurança pública. O que está faltando para o Brasil resolver o problema?

Quando decidi ser candidata a prefeita de São Paulo, dois anos atrás, tinha o diagnóstico de que segurança pública seria o principal tema. E quando a gente olha para a polarização que está acontecendo é um tema que é muito prejudicado. De um lado mais à direita, especialmente na extrema direita, tem um discurso que impacta e cola rápido, de que se você for muito duro, se você gritar muito alto, como eu dizia, a bandidagem vai sair correndo. Infelizmente não é assim, especialmente numa cidade tão complexa como São Paulo. E, do outro lado você tem, mais à esquerda, especialmente na extrema esquerda, uma visão política de não enfrentamento ou de você ignorar o problema. Ou, então, de vir apenas com o discurso social, que faz sentido para o longo prazo, mas não resolve nada a nossa segurança no curto prazo. Na campanha, trouxe o Leandro Piquet, que é uma das maiores referências do Brasil nesse assunto, assim como eu, uma pessoa que tem uma visão, não sei se de centro, mais resolutiva. Eu quero fazer o que funciona.

E o que pôde ver em Nova York?

A gente olhou muito pra experiência de Nova York no enfrentamento à violência. Primeiro, entendendo que políticas urbanas têm um impacto gigantesco na segurança. Você olhar para iluminação, coleta de lixo, poda de árvore; não é muito como a questão é encarada no Brasil. A segunda coisa é a gestão de dados. Precisamos usar as câmeras que a gente tem, implementar mais câmeras, mapear as zonas mais perigosas, as zonas quentes, e reforçar o policiamento ali. São Paulo tem pouco mais de 7 mil guardas municipais hoje, quase 8 mil. A gente tinha uma proposta de ampliar a guarda. Se não usar esse policiamento reforçado em zonas específicas, se não usar a inteligência, nunca vai ser suficiente. Pegando o inglês, minha visão é nem hard, nem soft. Eu não quero ser dura demais ao ponto de impactar uma população que não está cometendo crime, mas eu também não posso ser soft demais para ignorar o criminoso. Quero ser efetiva. Há muito espaço para avançar no enfrentamento ao crime organizado na Câmara Federal.

Em quais áreas?

A gente conseguiu avançar nos últimos anos com alguns projetos no Congresso. São 14 projetos construídos com a sociedade civil. Alguns são voltados para a questão de lavagem de dinheiro. Agora, em novembro, passou pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara um projeto para dar mais institucionalidade para uma iniciativa que já existe, que é a Rede-Lab [Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro, uma iniciativa capitaneada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública], um trabalho coordenado de tecnologia a nível Brasil para fazer o combate à lavagem de dinheiro. E aí tem um outro conjunto de projetos que está na pauta da saúde mental. O nível de suicídio nas forças policiais aumentou muito no Brasil. Hoje a gente perde mais policial para suicídio do que em confronto. Outro conjunto de ações é na abordagem policial. Lembro daquele caso de Sergipe em que um homem com esquizofrenia estava tendo, se eu não me engano, um surto e foi assassinado no banco de trás de um carro da Polícia Rodoviária Federal com gás. Ele não era um criminoso, ele deveria ter sido encaminhado para uma clínica. Então como que a gente também faz um trabalho com as forças policiais para separar o que é crime do que é um surto psiquiátrico num contexto pós-pandemia, de rede social, de aumento de população em situação de rua. Então acho que enquanto deputada eu fui abordando esse tema por diferentes ângulos. Minha intenção agora, com todo o aprendizado em São Paulo e aqui no curso em Nova York, é entrar mais diretamente nesse tema.

*O jornalista viajou a convite da Comunitas

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