Desde o ingresso no programa, o Rio de Janeiro já teve um alívio de R$ 92 bilhões em sua dívida (Zarpo/Divulgação)
Agência O Globo
Publicado em 17 de janeiro de 2022 às 13h24.
O governo federal vetou o ingresso do Estado do Rio de Janeiro no novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF), com base em pareceres técnicos do Tesouro Nacional e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O Conselho de Supervisão do RRF — formado por integrantes do governo federal, do governo do Rio e do Tribunal de Contas da União (TCU) — chegou a dar parecer favorável à adesão do estado ao plano.
Ao ingressar no regime, o estado tem alívio imediato no pagamento de dívidas com a União e outros credores, em troca da implementação de medidas de ajuste fiscal. Com o RRF, o estado se compromete a realizar privatizações e outras medidas para ampliar a arrecadação e cortar despesas. Ao mesmo tempo, precisa respeitar as vedações à criação de novos cargos, concessão de aumentos e elevação de despesas.
Desde o ingresso no programa, o Rio de Janeiro já teve um alívio de R$ 92 bilhões em sua dívida, segundo dados do Tesouro.
Quem assina o ingresso do estado no RRF é o presidente da República, Jair Bolsonaro, mas, para isso, é preciso parecer favorável do Tesouro, da PGFN e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Sem esses pareceres, o assunto sequer chega ao Palácio do Planalto formalmente.
O governo, porém, já espera que o Rio recorra ao Supremo Tribunal Federal (STF) e sabe que a tendência é que haja uma decisão favorável ao estado. Esse caminho foi seguido pelo estado de Goiás, que agora faz parte do RRF.
O Rio foi comunicado formalmente da decisão da PGFN e do Tesouro na manhã desta segunda-feira e, agora, terá um prazo de cinco dias para se manifestar. Mesmo assim, a tendência é que depois desse prazo a visão técnica do governo não mude.
Entre os pontos levantados pelo Tesouro Nacional está o fato de que o plano apresentado pelo Rio prevê a concessão de reajustes salariais em todos os anos do regime de recuperação. Os porcentuais seriam de 5,8% em 2022, 3,5% em 2023, 3,25% em 2024 e 3% ao ano entre 2025 e 2030.
"O estado, que se encontra em recuperação financeira e buscando suporte federativo, prevê aumentar suas despesas com pessoal ativo em 17,1% em 2022 e mais 8,9% em 2023, como resultado da concessão de reajustes retroativos para todas as carreiras do funcionalismo, além de prever reajustes pari passu com a inflação a partir de 2024 – ou seja, aumento salariais nominais realizados anualmente", critica o parecer.
O Tesouro afirma que o plano do governo do estado não apresenta uma melhora gradual ao longo do Regime, sendo que o esforço feito para equilibrar o estado será majoritariamente, realizado em 2030, último ano de vigência do RRF. Isso, para o Tesouro, "aumenta as incertezas de que será, de fato, efetivado, bem como impede que a consolidação fiscal ocorra progressiva e paulatinamente ao longo da vigência do RRF, pois não permite correções de curso com vistas a tornar efetiva a recuperação do estado".
A falta de pagamento pelo Rio de empréstimos também pesou na decisão. Em dezembro de 2020, por exemplo, a União honrou R$ 4,7 bilhões que o Rio de Janeiro devia ao BNP Paribas, referentes a um empréstimo contratado em 2017, logo no início do regime de recuperação fiscal.
O contrato tinha as ações da Cedae como contragarantia. Em 2021, o estado arrecadou R$ 18,2 bilhões com o leilão de concessão da Cedae, mas não ressarciu nenhum centavo à União. O governo do Rio quer usar o dinheiro para fazer investimentos e a Advocacia-Geral da União foi ao STF para garantir o recurso ao governo federal.
O Tesouro diz que não anuiu à interpretação dada pelo Rio de que um programa substancial de investimentos públicos seria necessário para que o estado se reequilibre fiscalmente e afirma que o foco do RRF é promover uma consolidação fiscal consistente, baseada na realização de reformas estruturais capazes de fazer com que o estado arrecade mais do que gaste, revertendo seu quadro de desequilíbrio fiscal.
A nota técnica do Tesouro afirma que o não se vislumbra, na proposta fluminense, uma progressiva melhoria nos seus indicadores fiscais. A securitização (venda) de R$ 19,6 bilhões da dívida é considerada “otimista” e a arrecadação de R$ 22,4 bilhões com petróleo não depende do Rio.
"Diante da análise, pode-se concluir que o Plano fundamenta-se na prática de uma expansão fiscal em meio a uma conjuntura econômica, especialmente regional, recessiva. Em que pese a relevância da retomada dos investimentos estaduais para ajudar a reverter esta situação, estes não serão frutíferos se comprometerem a situação fiscal do Estado no longo prazo", diz a nota do Tesouro.
A PGFN se manifestou contra a manutenção do triênio (adicional de salário a cada três anos de serviço) para servidores que já estão na ativa. O entendimento da Procuradoria é que a lei do RRF prevê que o estado acabe benefícios que já foram eliminados no serviço público federal, o que inclui os biênios, triênios, licença-prêmio e outros semelhantes. Para a PGFN, essa norma vele para todos os servidores, não apenas os novos, e a lei do Rio acaba apenas para os funcionários que estão entrando nas carreiras.
Com esses dados em mãos, a PGFN e o Tesouro emitiram pareceres contrários à adesão do Rio ao regime. O Conselho do RRF aprovou o ingresso com ressalvas.
"Este Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro, manifesta-se, por decisão de maioria simples, de forma favorável à homologação do Plano de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro, todavia, com ressalva, uma vez que foi concluído pela irregularidade implementação do Plano de Cargos e Remuneração da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro", diz a decisão do órgão.
Enquanto o Rio esteve no RRF, o estado foi alvo de 38 processos para apuração de indícios de descumprimentos de regras do regime. Desses processos, 15 se referem à reposição de cargos vagos ou à realização de concurso público para esse fim.