Luiz Inácio Lula da Silva: “acho que houve um equívoco político, já reconhecido, do fato de a gente ganhar com um discurso e não poder cumpri-lo" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2016 às 17h08.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta-feira, em conversa com blogueiros, que o governo terá que anunciar mudanças em breve na política econômica, “até para justificar a saída de Joaquim Levy” do Ministério da Fazenda, e que a tentativa de ganhar simpatia do mercado não deu resultado e o governo perdeu seu "exército”.
Lula diz que o governo tentou conquistar o mercado, mas não teve sucesso, e agora precisa mudar a tática. “Em algum momento se acreditou que fazendo um discurso para o mercado ia melhorar, mas não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado", afirmou o ex-presidente.
“Nem o Levy, que era representante do mercado no Ministério da Fazenda, ganhou. E perdemos a nossa gente. A Dilma tem um desafio agora. Em algum momento nesse mês vão ter que anunciar alguma coisa, até para explicar por que o Levy saiu, o que vai mudar.”
Na conversa de mais de três horas com blogueiros simpáticos ao governo e ao PT, Lula admitiu, mais uma vez, que o partido usou um discurso na campanha de 2014 para vencer a eleição e depois não pode cumprir.
“Acho que houve um equívoco político, já reconhecido, do fato de a gente ganhar com um discurso e não poder cumpri-lo. A Dilma dizia que não ia mexer em direito de trabalhador nem que a vaca tussisse e que o ajuste era coisa de tucano, e não dela. E depois foi obrigada a fazer”, disse.
O ex-presidente, no entanto, defendeu que as mudanças no seguro-desemprego e no seguro-defeso, entre outras, eram necessárias. “É que estava em um processo de discussão com as centrais e aí 29 de dezembro teve que anunciar. Criou um mal-estar com o nosso exército”, afirmou.
Para reverter a crise, o ex-presidente defendeu uma “forte política de financiamento” como forma de retomar o crescimento.
A visão do ex-presidente é a que tem prevalecido no PT e que ganhou força com a ida de petistas próximos a ele para o Palácio do Planalto, como os ministros da Casa Civil, Jaques Wagner, e da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini.
A ideia de que o governo tem que oferecer saídas para a crise e não apenas tratar de ajuste foi a principal razão da saída de Levy do governo e para a indicação de Nelson Barbosa para o cargo.
“A Dilma tem que ter como obsessão a retomada do crescimento, o controle da inflação e a geração de emprego. É preciso ter clareza que não se convence empresários se o governo não está pondo dinheiro, porque empresários não vão pôr se o governo não fizer", disse, acrescentando que cabe ao governo ter a iniciativa. "É preciso uma forte política de financiamento”, disse.
Questionado de onde tirar esse dinheiro em um cenário de recessão profunda como o que Brasil está passando, Lula afirmou que existem soluções, como usar os recursos dos depósitos compulsórios dos bancos, lembrando que fez isso em 2008, quando a crise financeira mundial se iniciava.
O ex-presidente defendeu crédito para empresas, mas também “um pouquinho para o consumidor” porque “sem consumo ninguém investe”, e levantou duas “ideias”: a de que grandes empresas sejam avalistas de seus fornecedores para que essas empresas, menores, tenham as mesmas taxas de juros das empresas maiores; e que se crie “uma forte política de crédito consignado”, com as empresas descontando o que o resto das indenizações que os empregados teriam a receber em caso de demissão.
“Temos que fazer a roda da economia girar”, disse. Ao contrário da sua sucessora, que já por duas vezes se recusou a comentar sobre um possível novo aumento da taxa de juros pelo Banco Central, que anuncia sua decisão nesta quarta-feira, Lula se declarou totalmente contrário.
“Se a demanda não está crescendo por que aumentar a Selic? Não temos crescimento de demanda, então não há necessidade. Mas como eu não sei as explicações do BC, devemos trabalhar para Selic cair e devemos trabalhar para outros investimentos. Não é porque está 14 por cento que não vamos fazer investimento.”
LAVA JATO
Na conversa, instado pelos blogueiros, Lula defendeu-se das acusações que têm sido levantadas contra ele, de tráfico de influência, e afirmou não acreditar que seja aberto um processo criminal.
O ex-presidente defendeu sua atuação no exterior depois de deixar o cargo e afirmou que “não tem uma viva alma mais honesta” do que ele no Brasil. Afirmou que sua função como ex-mandatário é vender o Brasil no exterior, mas que existe uma “tese” de que ele faz tráfico de influência e a “chave” nas delações premiadas da operação Lava Jato é citá-lo. Disse ainda que virou um “prêmio” dos delatores.
“As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer pessoa quando viaja é tentar ajudar seus países a vender seus serviços. Os maiores especialistas nisso são Clinton (Bill, ex-presidente dos Estados Unidos) e o rei Juan Carlos de Bourbon (da Espanha)... Tem uma tese de que o Lula faz jogo de influência, como se o papel de ex-presidente fosse de ser uma vaca de presépio”, disse. PT E ELEIÇÕES Mais uma vez, Lula não negou que possa ser o candidato do PT à sucessão de Dilma Rousseff, em 2018, mas foi vago. “Vai depender do que estiver acontecendo em 2018", disse.
“Mas pode ficar certo que ficarei no jogo. No jogo, vou estar de qualquer jeito, ou como titular, ou como reserva, ou como torcida”, disse. "Posso desistir de ser candidato, mas jamais desistirei da política”, completou mais tarde, garantindo que vai estar nas ruas nas eleições municipais deste ano e que o PT vai sair mais forte.
O ex-presidente reconheceu que seu partido cometeu erros e que foi criado para ser diferentes dos demais e terminou usando as mesmas práticas. Defendeu José Dirceu, condenado no mensalão e agora preso de novo na Lava Jato, como um grande presidente do partido, mas afirmou que o PT irá lidar com os “companheiros que cometeram erros".
“Eu não vou desistir porque um companheiro cometeu erros. O PT nunca caiu no agrado. Por isso tem que ser mais responsável. Eu não quero santo, mas tem que ser mais correto que os outros”, afirmou. “Que sirva de lição. Não quero voltar às origens, mas quero voltar às mesmas práticas que tínhamos.”