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General Augusto Heleno, futuro ministro, liderou missão polêmica no Haiti

Tropas dispararam 22 mil balas na busca por líder combatente; segundo organizações, dezenas de civis morreram no fogo cruzado, incluindo mulheres e crianças

Augusto Heleno: o general fala com líder de grupo de apoiadores do ex-presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide sobre a rota que uma manifestação deveria tomar em 29 de março de 2005  (Daniel Morel/Reuters)

Augusto Heleno: o general fala com líder de grupo de apoiadores do ex-presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide sobre a rota que uma manifestação deveria tomar em 29 de março de 2005 (Daniel Morel/Reuters)

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Reuters

Publicado em 29 de novembro de 2018 às 17h51.

Última atualização em 29 de novembro de 2018 às 19h29.

Rio de Janeiro - O general brasileiro Augusto Heleno comandou centenas de soldados da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005 em uma missão em uma favela do Haiti em busca de um criminoso poderoso.

Ao longo de uma luta armada de sete horas, as tropas dispararam mais de 22 mil balas em Cité Soleil, um bairro pobre da capital haitiana, Porto Príncipe. Seu alvo, um líder combatente conhecido como Dread Wilme, foi morto.

A operação, batizada de "Punho de Ferro", coroou a cruzada de Heleno para restaurar a ordem no país depois que o presidente haitiano foi deposto por insurgentes. Heleno declarou a ação uma sucesso.

Mas vários grupos de direitos humanos a classificaram como um "massacre", alegando que dezenas de civis morreram no fogo cruzado, muitos deles mulheres e crianças.

O episódio, quase esquecido fora do Haiti, pode ser um esboço da estratégia de segurança do presidente eleito Jair Bolsonaro para enfrentar a violência no Brasil.

Ele escolheu Heleno como ministro do Gabinete de Segurança Institucional e quer que o general da reserva e outros militares que atuaram no Haiti combatam a violência no Brasil com métodos empregados em Porto Príncipe.

O Brasil teve um recorde de 64 mil assassinatos no ano passado, a maior cifra do mundo. Bolsonaro prometeu não ter clemência com infratores da lei.

"Estamos em guerra. O Haiti também estava em guerra", disse Bolsonaro em uma entrevista recente à televisão. "(No Haiti) a regra era: você encontra um elemento com uma arma, você atira, e depois vê o que aconteceu. Você resolve o problema".

O Haiti tem grande destaque no gabinete de Bolsonaro.

Seu futuro ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, serviu no país como chefe de operações subordinado a Heleno. O próximo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, foi engenheiro militar sênior da ONU no Haiti, chegando pouco depois de Heleno partir em 2005. O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, o novo ministro da Secretaria de Governo, liderou tropas da ONU na nação caribenha em 2007.

Nem Heleno nem Azevedo responderam a pedidos de comentário sobre a operação em Cité Soleil.

Ainda não se sabe o quão rígida poderá ser a abordagem de Heleno no Brasil, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, mas outras ações repressivas não produziram resultados duradouros.

Entre estes esforços estão uma grande ofensiva de segurança em algumas favelas do Rio antes da Olimpíada de 2016 e mais recentemente uma intervenção militar iniciada em fevereiro. As mortes violentas aumentaram 1,3 por cento durante os primeiros nove meses da ocupação quando comparados ao mesmo período do ano passado, e o número de pessoas mortas por forças de segurança aumentou mais de 40 por cento -- cerca de quatro morrem diariamente.

A atual intervenção no Rio está programada para terminar pouco antes de Bolsonaro tomar posse no dia 1º de janeiro de 2019, mas nem Heleno nem Azevedo e Silva descartaram prorrogá-la.

Nas últimas semanas Heleno expressou apoio a uma estratégia radical de combate ao crime defendida pelo próximo governador fluminense, Wilson Witzel, que envolve a mobilização de atiradores de elite em helicópteros para eliminar traficantes com fuzis nas favelas.

Heleno afirmou em uma entrevista recente a uma rádio que suas regras de engajamento no Haiti eram semelhantes às propostas por Witzel, acrescentando que partes essenciais da intervenção militar no Rio "podem servir de modelo para o resto do país".

Essas opiniões preocupam alguns membros das Forças Armadas, que temem que uma guerra urbana prolongada mine o moral das tropas e provoque uma rejeição do público contra uma das instituições mais respeitadas do Brasil.

Elas também preocupam alguns especialistas em segurança pública, que receiam que os novos líderes do país intensifiquem uma estratégia fracassada.

"O Rio é um laboratório que ilustra que este tipo de diretriz não funciona", disse Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) que escreveu diversos artigos sobre questões de segurança.

"Balas atravessavam paredes"

A Reuters entrevistou mais de uma dúzia de pessoas a par da operação de 6 de julho de 2005, inclusive diplomatas, funcionários de ONGs, autoridades haitianas e moradores de Cité Soleil.

A Reuters também analisou relatórios da ONU, telegramas diplomáticos divulgados pelo Wikileaks, artigos de imprensa e as próprias declarações de Heleno à época. Juntos, esses documentos pintam um quadro detalhado das pressões que Heleno sofreu para ser rígido no Haiti.

O Brasil assumiu o controle militar da missão da ONU para estabilizar o Haiti, conhecida como Minustah, em meados de 2004. Heleno, o primeiro comandante militar brasileiro da Minustah, chegou pouco depois da deposição e da partida do então presidente Jean-Bertrand Aristide para o exílio. O general foi encarregado de estabilizar o país para a realização de eleições pacíficas.

Em seu caminho ele encontrou gangues criminosas poderosas que mantinham esquemas violentos de sequestros de pessoa e carros e de corrupção. À medida que os meses passavam, os Estados Unidos, em particular, expressavam impaciência com o progresso de Heleno.

"A Minustah foi incapaz de estabelecer segurança e estabilidade aqui", disse James B. Foley, então embaixador dos EUA no Haiti, em um telegrama de 1º de junho de 2005 a Washington. "Por mais que posamos pressionar a ONU e os brasileiros a adotarem a abordagem mais vigorosa que é necessária, não acredito que eles estarão à altura da tarefa no final das contas".

Cinco semanas depois Heleno ordenou que 440 soldados da ONU, apoiados por 41 veículos e helicópteros blindados, entrassem em Cité Soleil para deter Wilme, que telegramas dos EUA descreviam como o criminoso mais poderoso do Haiti.

Inicialmente a equipe de Heleno disse que Wilme e alguns aliados morreram, o que resultou no máximo em cinco ou seis fatalidades, de acordo com relatos da imprensa -- mas relatos de mortos e feridos civis logo surgiram.

"Temos informação crível de que tropas da ONU, acompanhadas pela polícia haitiana, mataram um número indeterminado de moradores desarmados de Cité Soleil, inclusive vários bebês e mulheres", disse na ocasião Renan Hedouville, chefe da organização local sem fins lucrativos Advogados Comprometidos com o Respeito aos Direitos Individuais.

O então diretor da missão dos Médicos sem Fronteiras no Haiti disse a repórteres que seus médicos trataram 27 pessoas de ferimentos de bala, a maioria mulheres e crianças.

Diplomatas dos EUA também questionaram a versão dos eventos da Minustah. Um telegrama de 26 de julho de 2005 disse que "22 mil cartuchos é uma quantidade grande de munição para ter matado só seis pessoas", e observou que alguns grupos de direitos humanos estimaram o saldo de mortes em até 70.

Um porta-voz do atual governo haitiano não respondeu a um pedido de comentário sobre a operação ou a liderança brasileira das tropas da Minustah.

Mas alguns moradores de Cité Soleil não conseguem se livrar da lembrança daquele dia. A ambulante Anol Pierre disse que estava em casa quando o ataque começou.

"Eu me escondi debaixo da cama com meus filhos enquanto as balas atravessavam as paredes", contou. "Só rezamos para Jesus. Lembro de uma mulher grávida com dois filhos que morreu. Muitas famílias foram vítimas".

Sem remorsos

Juan Gabriel Valdés, chefe civil da Minustah no Haiti à época, disse que as regras de pacificação da ONU permitiam que os soldados de Heleno reagissem a disparos ao serem atacados. A Minustah disse que Cité Soleil continuava tão volátil que era impossível realizar uma investigação completa para determinar o saldo de mortes.

Respondendo a alegações de força excessiva, um relator especial da ONU pediu esclarecimentos do que aconteceu à Minustah. Seu relatório sustentou que a explicação da missão para suas ações foi "essencialmente satisfatória".

Heleno expressou desdém por aqueles que questionaram suas ações, segundo Seth Donnelly, ativista de direitos humanos que estava no Haiti à época. Em um relatório escrito sobre o ataque, Donnelly afirmou que Heleno disse a ele e a seus colegas ativistas que "eles só pareciam se importar com os direitos dos 'fora da lei'".

As opiniões de Heleno sobre a segurança pública não se suavizaram desde que ele deixou o Haiti. Em 2008, ainda na ativa, ele criticou publicamente diretrizes brasileiras que garantem a autonomia de tribos indígenas em terras ancestrais por vê-la como uma ameaça à soberania nacional.

Ao se aposentar, em 2011, Heleno defendeu a ditadura militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, dizendo ter sido um bastião contra a "comunização do país".

Em uma entrevista a uma rádio neste mês, Heleno disse que os direitos humanos deveriam ser reservados a "humanos decentes". Ele disse que facções criminosas estão transformando o Brasil em um "narcopaís" e que medidas agressivas precisam ser usadas para detê-los.

"É um absurdo tratar isso como situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção".

(Reportagem adicional de Robenson Sanon e Andres Martinez Casares, em Porto Príncipe; Anthony Boadle, em Brasília; e Michelle Nichols, em Nova York)

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