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Ferrogrão: solução para o atoleiro?

Atoleiro na BR-163, que liga o Mato Grosso aos portos do Pará e é a saída para os grãos produzidos no estado, faz ressurgir projeto da Ferrogrão

BR-163: a rodovia, que começou a ser construída na década de 1960, ainda tem mais de 1.000 km não asfaltados /
GK

Gian Kojikovski

Publicado em 8 de março de 2017 às 17h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.

No final de fevereiro, cerca de 5.000 caminhões que transportam soja e milho do Mato Grosso para portos do Pará ficaram parados por até 15 dias na BR-163. A rodovia, que começou a ser construída na década de 1960, ainda tem mais de 1.000 km não asfaltados. Eles ficam no Pará, no caminho entre a produção mato-grossense e os portos fluviais usados para exportação, justamente em uma das regiões que mais chove no país.

O resultado é um atoleiro que faz os caminhões ficarem parados em filas de até 60 km, de onde só saem puxados por tratores. Só no último mês, o prejuízo é estimado em 500 milhões de reais. Ao ano, de acordo com Marcelo Duarte, secretário de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso, a conta chega aos dois bilhões de reais.

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O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) prometeu asfaltar os 60 km mais problemáticos da rodovia até o início de 2018, mas outra medida pode aliviar – e tornar mais eficiente – o transporte de grãos para os portos do chamado Arco Norte, que já representam 30% do escoamento da produção do estado: a ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão.

A ferrovia terá 1.142 km de extensão ligando Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no interior do Pará, às margens do Rio Tapajós. O potencial no escoamento da safra da região faz com o ela seja uma das queridinhas do Projeto Crescer, do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que busca investimentos privados para o setor de infraestrutura no país. A concessão para foi anunciada em setembro e, na terça-feira 7, o ministro da pasta, Moreira Franco, afirmou que o governo abrirá consulta pública sobre a obra até o dia 25 de abril. O governo estima que podem ser transportados pela ferrovia, no longo prazo, até 42,3 milhões de toneladas ao ano – em 2020, a conta chegaria a 25 milhões de toneladas.

Até aqui, quem parece mais disposto a colocar dinheiro no negócio são tradings do setor agropecuário, como Bunge, Ammagi, ADM, Dreyfus e Cargill. Pelas contas das empresas, a saída de grãos pelo Arco Norte – que compreende os portos que ficam nos rios Tapajós e Madeira – é entre 30 e 50 dólares por tonelada mais barata do que trazer a carga até Santos ou Paranaguá, que, além de ficarem a mais de 2.000 km da origem, também enfrentam problemas de filas e atrasos. Dessa forma, se realmente forem transportados 25 milhões de toneladas por ano, a economia poderia se aproximar de um bilhão de dólares por ano. Parece ótimo, mas na prática as coisas são um pouco mais complicadas.

O custo estimado para construir do zero uma ferrovia que corte o Cerrado e a Amazônia é de 12,6 bilhões de reais, o que pode afastar muitos grupos interessados – levando-se em conta que estamos num país em que os orçamentos de grandes obras de infraestrutura são peça de ficção, o potencial interesse do projeto cai ainda mais.

“A ferrovia tem todos os quesitos para fazer sentido econômico. Tem carga para ser transportada, tem um bom lugar de escoamento, mas não é tão fácil assim que ela saia do papel”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, especializada em infraestrutura. “Existem muitos fatores que pesam contra, como o valor do empreendimento, a dificuldade em conseguir financiamento, a dificuldade da obra… É um enorme trabalho de engenharia equacionar tudo isso”.

“Se o valor da obra fosse realmente entre 10 e 12 bilhões de reais, como o governo diz, esse seria o projeto de infraestrutura com mais interessados no país”, diz um executivo do setor, especialista no funcionamento de ferrovias. “Com certeza esse valor está subestimado. É uma obra complexa, que pode enfrentar atrasos, questões ambientais, desapropriações, e o projeto executivo sequer está feito. Não existe nem um traçado”, diz.

Só para fazer o projeto executivo, segundo Frischtak, da Inter.B, deve levar um ano e serem gastos pelo menos 300 milhões de reais. Como o governo não está disposto a fazer isso, colocou para concessão. “Quem é que vai bancar? Se as tradings agrícolas se dispuserem a colocar o dinheiro, é mais de meio caminho andado, até porque qualquer financiador vai querer ver isso antes de conversar sobre financiamento”, diz.

O financiamento é um grande e complexo problema. Nem governo, nem BNDES devem colocar dinheiro para que a maioria das obras do Projeto Crescer saiam do papel. “O Brasil está tentando inovar nisso. Em todos os lugares do mundo, o setor público construiu ou financiou as ferrovias, devido à importância estratégica para o desenvolvimento”, diz Olivier Girard, sócio da consultoria Macrologística. Para ele, é difícil que o setor privado queira arcar com as obras sozinho.

Com o crédito complicado e taxas de juros altas no Brasil, a saída mais viável é buscar financiamentos internacionais. Seria uma forma de diminuir o custo de capital, mas que traz embutida o risco cambial. “Como os grãos são uma commodity com preço em dólar, esse risco seria diminuído, mas não eliminado. De qualquer forma, sem poder público no meio, financiamento externo é a melhor maneira de tentar viabilizar a obra”, diz Frischtak, da Inter.B.

Pelas regras anunciadas pelo governo, será necessário que o grupo interessado em construir a ferrovia desembolse 30% do valor total da obra, sendo os 70% restantes financiáveis. “Os principais interessados são as tradings agrícolas, mas dificilmente elas estarão dispostas a tirar do seu capital de giro, que é fundamental no setor, para fazer essa obra”, diz um executivo do setor de ferrovias.

Essa incerteza sobre interesses faz com que, com frequência, surjam notícias de que grupos chineses também tenham interesse n a concessão, mas a hipótese é refutada por alguns especialistas. “Em qualquer obra de infraestrutura no país hoje dizem que existe algum grupo chinês interessado, mas acho difícil que esse seja o caso. O custo é muito elevado para um operador ganhar dinheiro apenas com logística. Essa ferrovia só faz sentido se estiver nas mãos das tradings agropecuárias, que têm o produto final”, diz o executivo.

O último problema a ser enfrentado pela Ferrogrão é justamente a rodovia inacabada que faz com que a ferrovia seja necessária. Se o DNIT pavimentar toda a extensão da BR-163, o frete por ela, mesmo que mais caro, passará a ser concorrente. Isso diminuiria a demanda e, consequentemente, modificaria todo o plano de ganhos de médio e longo prazo do grupo que ganhar a concessão. Como tudo na infraestrutura do Brasil, a Ferrogrão é necessária e faz sentido, mas ela vir a ser construída – dentro do prazo e de maneira eficiente – é outra história, bem mais complexa.

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