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Fernandes, da FGV: Reforma política é autodefesa

Isabel Seta Nesta semana, a Câmara dos Deputados voltou a discutir a reforma política. Estão na pauta financiamento de campanha, coligações partidárias e cláusula de barreira. A proposta polêmica reúne apoiadores que vão desde de Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão na Câmara, a Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, e Aécio Neves […]

GUSTAVO FERNANDES: “Discutir a lista fechada não é tão urgente em vista do que vivemos hoje” / Divulgação

GUSTAVO FERNANDES: “Discutir a lista fechada não é tão urgente em vista do que vivemos hoje” / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 23 de março de 2017 às 13h58.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.

Isabel Seta

Nesta semana, a Câmara dos Deputados voltou a discutir a reforma política. Estão na pauta financiamento de campanha, coligações partidárias e cláusula de barreira. A proposta polêmica reúne apoiadores que vão desde de Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão na Câmara, a Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, e Aécio Neves (MG), presidente do PSDB.

Entre os tópicos que têm despertado mais discussão está o voto por lista fechada, segundo o qual o eleitor vota apenas na legenda, que fica encarregada de decidir previamente os nomes (e sua ordenação) na disputa. Críticas ao modelo afirmam que ele levaria a uma blindagem de políticos citados na Operação Lava-Jato, garantindo a reeleição de nomes desgastados entre a população.

Mas a proposta tem a quem agradar. Dentre os defensores do modelo estão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que vem argumentando a favor do tema desde o ano passado, e o ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes. Segundo Maia, o modelo é mais transparente que o atual, não só na forma de definição dos candidatos, mas também na forma de financiamento. Já Mendes afirma que o modelo atual é distorcido e cheio de inconvenientes. “Votamos em Tiririca e elegemos Protógenes Queiroz [exilado na Suíça, condenado por vazamento de informações na Operação Satiagraha] e Valdemar da Costa Neto [condenado por corrupção no julgamento do mensalão]”.

Para entender as propostas que estão na mesa, EXAME Hoje conversou com Gustavo Fernandes, professor do departamento de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em avaliação de políticas públicas. Fernandes falou sobre as consequências de um modelo de lista fechada, problemas do sistema atual e exemplos de outros países.

Quais as vantagens e desvantagens do sistema de lista fechada?

Do ponto de vista prático, o sistema de lista fechada tira o poder de a ordenação da lista do eleitor e passa para a cúpula do partido. Do ponto de vista técnico, os dois sistemas, tanto o de lista fechada quanto o de lista aberta, estão nos extremos de uma série de outros procedimentos que podem ser usados. No modelo australiano e no da Irlanda, por exemplo, ainda há um peso do voto do eleitor, mas não chega a ser tão personalista quanto a lista aberta. No Brasil, acontece que a oferta dos candidatos que aparecem na cédula de votação é decidida pelo partido. A lista apenas vai acirrar esse problema. Tem uma perda clara na qualidade da democracia. Outro aspecto negativo é que a cúpula vai passar a controlar ainda mais os deputados. Aqueles que votarem na Câmara contra o interesse da cúpula vão ter suas carreiras políticas terminadas, porque ficarão fora da lista para a próxima eleição. Discutir a lista fechada não é tão urgente em vista do que vivemos hoje. É um movimento de desespero das cúpulas partidárias.

Críticos à lista fechada dizem que ela blindará alvos da Lava-Jato, ao facilitar a reeleição dos parlamentares desgastados pela investigação e evitar que eles percam o foro. Isso pode acontecer?

Sem dúvida alguma. E a mudança para a lista fechada obriga que os deputados votem favoravelmente à cúpula, se não ele está fora. Não é só uma medida para o futuro, para as próximas eleições, é uma medida que terá efeito imediato. Torna todos os deputados refém dela. É escabroso. Uma reforma totalmente inadequada.

O que seria mais importante discutir neste momento? 

A desproporcionalidade do voto é importante. No voto distrital puro, quem perde a eleição perde todos os votos. Para evitar que isso aconteça, os votos que o partido recebeu são distribuídos em função dos votos que cada deputado recebeu. Isso faz com que o deputado esteja ligado à sua região, mantém a proporcionalidade para os partidos, mas acaba com a desproporcionalidade do voto. Como funciona hoje, o voto do eleitor no Acre acaba tendo muito mais peso do que o voto do eleitor de São Paulo. Nosso sistema distorce completamente a representatividade da população; aquela coisa de que o Congresso é a imagem da sociedade não é verdade. Uma reforma política de qualidade vai aperfeiçoar a forma como a agenda e os valores da sociedade são representados. Essa reforma não tem nada a ver com isso. É um conjunto de ideia casuísticas, uma reforma de autodefesa para se proteger da Lava-Jato.

Por que o voto do eleitor no Acre tem mais peso que o voto do eleitor de São Paulo?
O Acre tem 8 deputados, porque há um limite mínimo. Já São Paulo tem 70 deputados, porque há um limite máximo. Não há uma divisão de acordo com a população brasileira. No final das contas, São Paulo em vez de ter 120 deputados, tem 70, e o Acre, em vez de ter menos, tem 8. Assim, o Acre é super representado. Na Espanha, que tem várias unidades federativas com minorias, como os bascos e os catalães, o parlamentar da Catalunha vai atuar fortemente no Congresso em questões de educação, por exemplo, para defender uma educação em catalão. No caso brasileiro isso não é observado, não vamos discutir uma língua diferente, não há uma pluralidade tão grande de agendas estruturais que justificassem essa super-representação. Não há necessidade de tamanha proteção dos estados com menos população.

Gilmar Mendes defende que o sistema de lista fechada irá baratear as campanhas, já que o partido faria apenas uma única. Faz sentido?
Eu acho que é um argumento falso, porque ele não leva em conta o efeito dinâmico de toda a reforma. O prejuízo causado pelo mau funcionamento do Legislativo é muito maior do que o custo de uma campanha. Do ponto de vista tangível, é verdade, de fato vai custar menos. Mas democraticamente vai ser muito pior, os efeitos vão ser muito mais negativos para a nossa democracia, então o custo será muito maior. O que baratearia de verdade é uma reforma eleitoral em que você aproxima o candidato do eleitor, como na Alemanha. O candidato faz uma campanha menor, em uma só região. O sistema alemão junta o melhor dos dois mundos: ele aproxima o eleitor, mas não tem um voto distrital puro.

 

Discute-se ainda o fim das coligações eleitorais. Seria uma transição mais suave do que a lista fechada?
Eu acho que elas são importantes. O problema que nós temos é a proliferação de partidos sub-representativos, daí a discussão da cláusula de barreira.

Como funcionaria uma cláusula de barreira?
A cláusula pode funcionar de vários jeitos, não existe regra, cada país faz a sua. A ideia geral é evitar que surjam pequenos partidos de aluguel. Uma opção, por exemplo, é estabelecer que cada partido tenha votação de 5% do eleitorado em pelo menos dez estados, se não está fora. O fato de um partido não ultrapassar a cláusula significa que ele não tem representatividade dentro da população. Mas a cláusula não pode ser excessiva.

A lista flexível é uma opção? Como ela funcionaria?
Sim, na lista flexível há uma lista, mas o eleitor pode escolher ou alterar a ordem da lista, reorganizá-la, é algo super simples. Em países como Bélgica, Holanda, Dinamarca e Grécia, por exemplo, o eleitor pode aceitar o ordenamento proposto pelo partido ou votar em um nome só e falar “eu quero esse cara”. Existem muitos outros caminhos além do de adotar uma solução draconiana de curto prazo com o tamanho e as consequências de uma lista fechada. Não vamos demonizar a lista fechada, mas, no momento, é inoportuna e só vai cristalizar o poder de uma cúpula que, em boa parte dos partidos, é viciada.

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