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“Esquerda precisa superar o lulismo”, diz Vladimir Safatle

Para filósofo, é preciso mudar o foco: diminuir a importância das instituições e voltar para a base, para os movimentos sociais

O filósofo e professor da USP Vladimir Safatle (Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação)

Luiza Calegari

Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 07h30.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2018 às 11h34.

São Paulo – O filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP) filiado ao PSOL, acredita que a esquerda brasileira "precisa superar o lulismo", quer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja candidato na eleição deste ano ou não.

A condenação de Lula foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal ( TRF4 ) na última quinta-feira, o que, em tese, o tornaria inelegível, mas ainda existem alternativas judiciais para garantir que ele participe do pleito.

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Diante disso, os representantes e partidos da esquerda brasileira se encontram em uma situação peculiar: aliados (históricos e ocasionais) do PT anunciaram candidaturas próprias, ao mesmo tempo em que unificaram o discurso para defender o direito de o ex-presidente ser candidato nas eleições.

Por um lado, o PDT tem intenção de lançar Ciro Gomes como candidato; o PCdoB anunciou o nome da deputada federal Manuela D'Ávila; e o PSOL tem intenção de apoiar uma eventual candidatura do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos.

Por outro lado, mesmo que essas candidaturas tenham ganhado força após a condenação, elas ainda estão, de certa forma, condicionadas à participação de Lula no pleito: hoje líder nas pesquisas de intenção de votos, o ex-presidente pode desidratar outros nomes da esquerda se concorrer.

Na opinião de Safatle, se Lula for impedido de participar das eleições, o impacto será “brutal”, já que seria a primeira vez que um ex-presidente é impedido de tentar um novo mandato na história da República. Mas, da perspectiva da esquerda, esse movimento de gravitação em torno da figura de Lula também evidencia uma limitação.

“Ele representou um certo modelo de conciliação que a parte majoritária da esquerda assumiu para si, mas que, na verdade, é uma adaptação do modelo varguista [de Getúlio Vargas], desenvolvimentista, pelo qual o Brasil já tinha passado nos anos 1950”, diz.

Rua ou gabinete?

Para Safatle, desde que o PT assumiu o governo com a eleição de Lula, em 2002, a esquerda tem deixado para o segundo plano as reivindicações dos movimentos sociais, que compõem sua base de apoio tradicional, para se embrenhar nas negociações políticas com parlamentares e empresários — ou seja, fazer a chamada "política de gabinete".

Ele afirma que isso gerou desconfiança e aversão por parte da população, que não confia nem em políticos nem no modelo democrático do país. “O modelo institucional brasileiro é feito para gerar paralisias”, diz.

Um exemplo dessa afirmação seriam as tentativas recorrentes de aprovar reformas políticas no Congresso, com propostas que, depois de muitas negociações, se transformam em alterações pontuais na lei eleitoral, sem que o sistema como um todo seja afetado.

Para Safatle, o que as pessoas buscam em Lula é uma volta ao passado, já que, durante seus mandatos, houve redução da pobreza no Brasil e uma parte significativa da população ascendeu socialmente.

“O cálculo que as pessoas fazem é que ‘antes estava melhor do que agora, então prefiro voltar’. Grandes parcelas da população querem simplesmente ter garantias de uma certa condição socioeconômica que tiveram anos atrás”, opina.

No entanto, ele avalia que nem mesmo Lula vai conseguir trazer isso de volta, e que, de qualquer forma, o discurso do ex-presidente é muito obscuro para indicar quais são os seus projetos de governo. "O que ele vai tentar é o que já foi tentado: uma grande conciliação com o Renan Calheiros, o MDB, as feministas, os ruralistas, o Movimento dos Sem Terra (MST)”.

Qualquer pessoa que seja eleita, no entanto, não terá que fazer a mesma coisa, um governo de coalizão? Para Safatle, a resposta é clara: esse pode ser o papel de outros políticos, mas não deveria ser o da esquerda.  Especificamente, ele diz que a esquerda não pode se contentar em ser a "fiadora de sonhos do passado". Ele diz que não é só porque o modelo funcionou uma vez que ele é o único possível.

“Se não for para pensar e propor novos modelos de sociedade, 'fecha o restaurante'. Não é uma questão de apresentar ou não nomes diferentes. O que a esquerda não conseguiu foi apresentar para a sociedade brasileira uma espécie de segundo momento, explicar o que significa o Brasil de uma forma que não seja tudo o que a gente já viu”, diz.

Para o filósofo, o que falta para a esquerda é se apropriar do discurso anti-sistema no Brasil. Isso significa se posicionar contra 'tudo o que está aí', ao invés de prometer operar dentro das regras que já existem, mas não beneficiam a população.

“Aqui, quem entendeu que é necessário o discurso anti-institucional foi a extrema-direita, e só isso explica que uma figura lamentável, como Jair Bolsonaro, uma pessoa vazia e sem proposições, tenha a força que tem”, conclui.

 

 

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