Chanceler brasileiro, Ernesto Araújo (Adriano Machado/Reuters)
Isabela Rovaroto
Publicado em 21 de janeiro de 2021 às 06h28.
Última atualização em 21 de janeiro de 2021 às 06h30.
O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atribuiu a problemas burocráticos e à elevada demanda internacional o atraso na liberação de vacinas prontas do laboratório AstraZeneca e do chamado ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da Sinovac e da AstraZeneca já comprados pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz na China e na Índia.
A vacina e o IFA são fundamentais para a continuidade da imunização contra a Covid-19, hoje limitada às 6 milhões de doses iniciais da Coronavac, do laboratório Sinovac, aplicadas no Brasil desde o dia 17. Araújo participou nesta quarta-feira (20) de reunião informal da Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19, da Câmara dos Deputados, com foco nos riscos de um longo intervalo até a retomada da vacinação. O ministro afirmou que o Brasil mantém “relação madura e construtiva” com a China e a Índia e descartou problemas políticos e diplomáticos nesse atraso.
“Todo o processo está avançando e queremos acelerar justamente para que possamos manter o cronograma de vacinação. O comércio com a China cresceu expressivamente nos dois anos do nosso governo. Em 2020, cresceu 30% em comparação com 2019. Estamos juntos no Brics e tenho certeza que isso se refletirá também neste caso. Não é um assunto político, é um assunto de demanda por um produto”, afirmou o ministro.
Para acelerar a liberação das vacinas e do princípio ativo que permitirá a produção nacional, Ernesto Araújo disse ter conversado pessoalmente com o ministro de Relações Exteriores da China. O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, também relatou reunião do ministro Eduardo Pazuello nesta quarta com o embaixador da China no Brasil. Mas o coordenador da comissão externa, deputado Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. (PP-RJ), cobrou a formação de uma missão internacional de parlamentares e autoridades do Executivo para contato direto e imediato com os governos chinês e indiano.
“Eu não acredito que a gente possa iniciar uma campanha de vacinação e parar. Não é possível que, nessa altura do campeonato – em que todos sabiam que precisaríamos de insumos da China e da Índia –, que a gente ainda esteja dependendo dessa liberação. A gente precisa de uma medida um pouco mais efetiva, talvez com uma comitiva diretamente na Índia e na China”, disse.
A deputada Jandira Feghal (PCdoB-RJ) rebateu os argumentos do ministro quanto à relação Brasil-China.
“Até aqui, tudo o que o governo brasileiro fez nas relações com a China não foi no trato da diplomacia correta, com muitas agressões da família Bolsonaro e não foi tomada a devida proteção das relações diplomáticas pelo Itamaraty”.
Os parlamentares também debateram o novo cronograma de vacinação a partir dos atrasos de importação. O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que, se os 5,4 mil litros de insumos chegarem antes do fim deste mês, será possível disponibilizar 8 milhões de doses de Coronavac até 20 de fevereiro e manter a previsão de 46 milhões de doses até abril. Porém, Covas alertou quanto a incertezas na produção dos volumes adicionais que permitirão ao Butantan disponibilizar um total de 100 milhões de doses para o Ministério da Saúde.
“Esses 54 milhões adicionais ainda não estão sendo negociados com a China exatamente porque ainda não houve a decisão do Ministério da Saúde. Esperamos que essa decisão ocorra brevemente para que possamos avançar na negociação com a China, senão, vamos ficar na dependência, mais uma vez”.
A Fiocruz planeja produzir aqui no Brasil, no segundo semestre, 110 milhões da vacina desenvolvida pela Oxford/AstraZeneca. Mas também espera o IFA produzido na China, já pronto, mas dependente da licença de exportação. O vice-presidente da Fiocruz, Marco Krieger, explicou que busca minimizar o impacto do atraso no fornecimento de insumos para a produção nacional.
“A nossa expectativa é que a gente consiga um quantitativo equivalente a uma parcela do que seria produzido em fevereiro. E a expectativa é que, em março, a gente já tenha condição de entregar pelo menos o que havia sido colocado no início: 30 milhões de doses até março, com a nossa produção e o apoio dos nossos parceiros”.
Krieger prevê um cenário melhor para o segundo semestre, a partir da produção de IFA na própria Fiocruz.
O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, também informou a continuidade de negociações para ampliar a oferta de vacinas no Brasil por meio da Pfizer e do Instituto Gamaleya, que produz a Sputnik V. Ambas ainda precisam de aprovação da Anvisa para uso emergencial.
Coordenadora da Frente Parlamentar da Educação, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), pediu a inclusão dos cerca de 4 milhões de profissionais do ensino nos grupos prioritários de vacinação, a fim de que 44 milhões de estudantes não sejam prejudicados com a perda de mais um ano letivo.
A deputada Tereza Nelma (PSDB-AL) fez o mesmo apelo em prol das pessoas com deficiência, enquanto o deputado Jorge Solla (PT-BA) pediu prioridade também para os trabalhadores da limpeza urbana. Elcio Franco fez um alerta às prefeituras quanto ao cuidado em se garantir a aplicação de duas doses no grupo prioritário.
Considerando eventuais perdas de vacina, o ministério acredita que os 6 milhões de Coronavac vão imunizar, na prática, pouco mais de 2,8 milhões de brasileiros. Segundo Franco, os grupos prioritários são estabelecidos de forma científica. Ele disse que há estudos para a futura inclusão de profissionais de transporte, das indústrias farmacêuticas e outros, que poderão ser anunciados a partir de maior disponibilidade de vacinas. A relatora da comissão, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), resumiu a preocupação dos prefeitos com o risco de “longo hiato” na vacinação contra a Covid-19.
“Alguns municípios já estão comunicando que, em função do quantitativo de doses que receberam, o público alvo já está sendo vacinado e terá de aguardar os próximos envios”.
Os deputados encaminharam um resumo da reunião em forma de ofício ao Ministério da Saúde. Também pretendem organizar uma reunião específica para debater a situação caótica do enfrentamento à pandemia em Manaus, no Amazonas.