Episódio em Suzano reacende polêmica sobre posse de arma
Para alguns advogados, professores de Direito e especialistas em gestão pública e segurança, a lição que fica é que "é um passo perigoso"
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de março de 2019 às 08h04.
Última atualização em 23 de abril de 2019 às 16h33.
São Paulo - O massacre em uma escola de Suzano , na Grande São Paulo, nesta quarta-feira, 13, dividiu a opinião a respeito da política de flexibilização da posse e do porte de armas. O ataque deixou dez mortos, incluindo os dois atiradores, e 11 feridos.
Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que altera regras para facilitar a posse de armas de fogo - a possibilidade de o cidadão guardar o equipamento na residência ou no estabelecimento comercial de que seja dono. É a primeira medida do presidente em relação ao compromisso de campanha de armar a população, mas ele ainda tentará futuramente flexibilizar o próprio porte de armas.
O caso divide opiniões sobre como esse capítulo de sangue pode influenciar na política de flexibilização do porte e posse de armas. Para alguns advogados, professores de Direito e especialistas em gestão pública e segurança, a lição que fica é que "é um passo perigoso". Para outros, chacinas como a de Suzano são "fatos isolados" sem qualquer relação causal com o fato de a legislação brasileira ser mais ou menos permissiva.
"A tragédia dialoga diretamente com o posicionamento dos organismos internacionais e dos especialistas em segurança pública: quanto menos armas circularem na sociedade mais segura ela será", afirma Mônica Sapucaia Machado, advogada, cientista política e coordenadora de pós-graduação em Administração Pública da Escola de Direito do Brasil (EDB). Para ela, à luz do Direito e da política de segurança, a restrição de acesso às armas deve ser a regra, não a exceção.
A posição do criminalista e constitucionalista Adib Abdouni é diametralmente oposta. Para ele, a "tragédia repugnável ocorrida em Suzano não se enquadra como evento típico resultante da escalada irrefreável do crime no País". "É um ato isolado que não deveria influenciar nem na questão da posse de armas nem no pacote anticrime recentemente lançado pelo ministro Sergio Moro."
Para o criminalista João Paulo Martinelli, da EDB, o grande problema de facilitar a posse é a dificuldade de fiscalizar o comportamento de quem possui a arma, para evitar que ela seja levada para além dos limites da residência. "O novo decreto facilitou a posse, não o porte", observa Martinelli. "Mas o Estado não possui estrutura para assegurar que o possuidor não saia de casa com a arma. Em outros termos, o limite entre a posse e o porte depende de efetiva fiscalização do Estado."
O diretor do Instituto Sou da Paz e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ivan Marques, concorda que o maior problema em relação ao novo decreto do presidente Bolsonaro é que ele não resolve a ineficácia do Estado no rastreamento de armas desviadas para o mercado ilegal. "São as armas legais que acabam abastecendo a criminalidade. Isso só tem um resultado: o aumento da violência, com o uso da arma de fogo no crime."
Segurança de escolas
"De tudo que eu conheço dos estudos dessa área (segurança pública), os melhores resultados ocorrem em sociedades onde há, por um lado, rígido controle da posse de armas e, por outro, um sistema de segurança e Justiça eficientes", observa o coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Sérgio Adorno. Mas ele destaca que o número reduzido de atentados a escolas no Brasil nas duas últimas décadas dificulta a análise. "É um número muito pequeno de casos para sabermos se há um padrão, em termos do perfil de agressor, das armas utilizadas, do contexto em que isso acontece."
Já o advogado Fabrício Rebelo, do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, o caso não está vinculado à maior ou menor circulação de armas, e sim à segurança dos estabelecimentos de ensino. "Se não tivermos mecanismos de controle de acesso, nada que se pense a respeito de evitar casos assim vai surtir efeito", ressaltou. "Uma coisa que deve se ter sempre em mente é que, por mais mecanismos de controle que se tenha, quando alguém já está predisposto a cometer um ato desses, chegando ao extremo de tirar a própria vida, é muito pouco eficaz qualquer medida de controle que não seja a eliminação desse agente."
Senadores
Pelo Twitter, senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente, expressou seus sentimentos aos familiares das vítimas assassinadas e afirmou que o ataque é "mais uma tragédia protagonizada por menor de idade e que atesta o fracasso do malfadado estatuto do desarmamento, ainda em vigor".
O senador Marcos do Val (PPS-ES) disse ao Broadcast Político que, se um segurança da escola estivesse armado ou se uma pessoa que estivesse passando pela escola ou na escola estivesse armada, o massacre não teria acontecido.
"Se fosse uma escola com segurança armado você acha que isso aconteceria? Muito pouco provável. Se tivesse um cidadão honesto armados não teria tantas mortes. O brasileiro ainda vê a arma como usada de forma de tirar vida. Vejo como forma de proteger a vida", disse.
Na avaliação do senador, é impossível desarmar criminosos. "Isso é uma utopia, não existe em lugar nenhum do mundo. A sociedade precisa agora entender que ter o cidadão de bem armado é uma força aliada da polícia. A gente não tem bombeiro em todas as esquinas e apartamentos. Mas temos extintores. O cidadão é a primeira resposta até a chegada."
No Twitter, o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), escreveu que é preciso que as autoridades reflitam sobre se a solução de facilitar o acesso a armas "é sensato e oportuno". Para ele, não é. "A cultura belicista estimula atos violentos e não é solução para nosso grave problema de segurança pública. Devemos sim, cultivar e trabalhar por uma cultura de paz."
O senador Humberto Costa (PT-PE) escreveu nas redes sociais que a facilitação de acesso a armas gera mais tragédias. "Armar a sociedade não vai nos trazer paz. Somente mais violência. E quem, além de tudo, estimula o uso de armas por crianças e adolescentes comete um ato criminoso contra a infância e a juventude, contra a sociedade."
Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado na manhã desta quarta-feira, o senador Major Olimpio (PSL-SP) disse que, se algum funcionário da escola portasse arma de fogo, a tragédia que aconteceu nesta manhã em uma escola de Suzano, na Grande São Paulo, seria minimizada.
"Se tivesse um cidadão com uma arma regular dentro da escola, professor, servente, policial aposentado trabalhando lá, ele poderia ter minimizado o tamanho da tragédia", discursou. O senador atacou fortemente o Estatuto do Desarmamento e os críticos do decreto assinado por Bolsonaro. Para ele, apesar do decreto presidencial, a legislação continua muito restritiva e peca por omissão.
"Vamos, sem hipocrisia, chorar os mortos, vamos discutir a legislação: onde nós estamos sendo omissos?", disse o senador, que argumentou pelo direito do cidadão comum ter maior acesso a armas dizendo que "a população botou Bolsonaro como presidente da República para ser um impulsionador de garantias para o cidadão, para que não tenhamos tragédias desta natureza".
Na mesma sessão da CCJ, o senador Mecias de Jesus (PRB-RR) disse que o Estatuto do Desarmamento "desarmou o cidadão de bem" e "tirou a arma do pai de família".
"Quando o bandido chega na casa de alguém para fazer um assalto, para entrar na casa alheia, entra com 100% de certeza de que o dono da casa não tem uma arma para se defender. E aí fica muito mais fácil para as famílias virarem alvo dos bandidos, que usam arma. O Estatuto do desarmamento não desarmou em nenhum momento os meliantes no Brasil."
O ex-policial militar e senador Styvenson Valentim (Pode-RN) considera questionável a presença de pessoas armadas em ambiente escolar. "Dizer que seria uma forma de evitar ou combater eu não posso afirmar. Não posso garantir, como PM há 16 anos, que um confronto armado poderia ser benéfico ou prejudicial aos alunos. Seria um ambiente de escola com troca de tiros. Se esses assassinos tivessem certeza de que algo impedisse o que fossem fazer, que inibisse, eles fariam isso?", indagou.
Para o senador Alessandro Vieira (PPS-SE), armar pessoas dentro das escolas é uma "opinião que não tem pé nem cabeça". Ele acha que o problema é "muito mais profundo". O senador também repudia a atitude de colegas que usaram o massacre para fazer campanha contra ou a favor do decreto do presidente Jair Bolsonaro.
Pela manhã, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que recebeu com "perplexidade" a notícia do massacre e se solidarizou com as famílias das vítimas. Ele disse ainda que as pessoas estão inseguras e que o Estado "não está tendo condições de dar tranquilidade" para elas.
"A questão do porte, das penas que são impostas pela legislação, essa reformulação e modernização dessa legislação, serão debatidas em conjunto. A gente não pode tratar um fato isolado em relação a matérias que estão tramitando. Então vamos juntar as matérias e o plenário, o Senado e as comissões vão definir e deliberar sobre elas", disse Alcolumbre.