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Em reunião com Bolsonaro, ala católica fez lobby e pediu passaporte

A conversa não se limitou à discussão sobre os interesses dos órgãos de radiodifusão em atraírem publicidade estatal

Igreja: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repudiou os pedidos de verbas estatais feitos ao governo Jair Bolsonaro por uma ala da Igreja Católica em troca de notícias favoráveis ao governo em canais de rádio e TV (picture alliance/Getty Images)

Igreja: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repudiou os pedidos de verbas estatais feitos ao governo Jair Bolsonaro por uma ala da Igreja Católica em troca de notícias favoráveis ao governo em canais de rádio e TV (picture alliance/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 7 de junho de 2020 às 17h03.

A reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e representantes de uma ala da Igreja Católica não se limitou à discussão sobre os interesses dos órgãos de radiodifusão em atraírem publicidade estatal, conforme revelou reportagem publicada pelo Estadão neste sábado, 6. Na teleconferência, padres e deputados também fizeram lobby para empresários junto ao presidente.

No Brasil há 54 anos, o padre jesuíta norte-americano Edward Doughert, conhecido como padre Eduardo, da Rede Século 21, em Campinas (SP), defendeu que o governo dialogue com empresários interessados em trazer tecnologia agrícola para o País.

A reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e representantes de uma ala da Igreja Católica não se limitou à discussão sobre os interesses dos órgãos de radiodifusão em atraírem publicidade estatal, conforme revelou reportagem publicada pelo Estadão neste sábado, 6. Na teleconferência, padres e deputados também fizeram lobby para empresários junto ao presidente.

“Eu tenho tecnologias que podem ajudar o Brasil. Estou querendo apresentar isso, mas está tudo fechado, a Secretaria de Agricultura. Tenho contatos e investidores dispostos a vir. Se uma tecnologia é aprovada nos Estados Unidos, por que tem de ser aprovada aqui no Brasil fazendo testes também? São coisas que eu não entendo, mas eu oro pelo presidente.”

O padre, um dos precursores da renovação carismática no País, também tratou com Bolsonaro de um interesse personalíssimo: reclamou que não consegue um “passaporte” brasileiro que lhe permita “votar”. “Estou frustrado, estou há dois anos pedindo passaporte para ser cidadão brasileiro e não sai. Por favor, me ajude a ser brasileiro para votar aqui no Brasil”, disse o sacerdote.

O deputado Eros Biondini (PROS-MG), vice-presidente da Frente Parlamentar Católica do Congresso Nacional, também citou o interesse de empresários nos Estados Unidos em investir quantias milionárias no Brasil. Ele disse se tratar de empresários com “alinhamento” ao governo Bolsonaro - e não só da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE).

Biondini e outros parlamentares também defenderam mais recursos para entidades filantrópicas vinculadas à Igreja, que mantém centros de recuperação de dependentes químicos, presos e unidades de saúde. Eles afirmaram que os benfeitores aumentam injeção de recursos nas Santas Casas quando há destinação verba pública por emendas parlamentares e que as entidades são sérias e “não dão problema” na aplicação dos recursos.

Na sexta-feira, dia 5, o deputado Francisco Jr (PSD-GO), presidente da Frente, explicou ao Estadão que a reunião deveria ter ocorrido no ano passado e que discutiria a cobertura de um evento religioso - daí a presença das TVs -, mas acabou sendo adiada e foi agora convocada pelo governo. Segundo ele, não havia uma pauta única combinada. “Eu não faço nenhum tipo de interlocução a partir desses interesses diretos”, disse o deputado de Goiás.

Questionado se a Secom havia se disposto a comprar mídia para veicular propaganda na TV Pai Eterno, dado o pedido de apoio feito pelo padre Welinton Silva, o deputado disse que o sacerdote “destoou” do restante da reunião. No entanto, afirmou que "seria justo" envolver todos os veículos e ressaltou que, apesar da programação religiosa, eles atingem a sociedade em geral.

“Ele (padre Welinton) foi realmente mais ao ponto no interesse dele, até destoou um pouquinho. A intenção era fazer uma primeira aproximação, conversar e depois poderia ter algum desdobramento. Se há uma campanha (publicitária) onde se envolve todos os veículos, acho que é muito justo que estejam todos os veículos, que também participem. Mas não sei dizer se melhorou esse relacionamento nesse aspecto depois", disse Francisco Jr.

O parlamentar afirmou que as emissoras buscavam diálogo com o governo. Ele ressaltou, porém, haver veículos católicos mais e menos alinhados a Bolsonaro, o que reflete divisões políticas típicas da Igreja. “A Igreja Católica não é unânime, tem gente da direita, de esquerda, de centro. Parte dos segmentos apoia (Bolsonaro) abertamente, lideranças atuaram na campanha de alguma forma, e tem parte da Igreja muito insatisfeita, que faz questão de se manifestar também.”

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de postura mais crítica ao governo, não participou do encontro virtual. Único representante de veículos a responder a questionamentos da reportagem, o empresário João Monteiro de Barros Neto, presidente da Rede Vida, confirmou que houve uma queda na veiculação de publicidade estatal na emissora, da ordem de 85%, no governo Bolsonaro. Ele disse que o canal de TV espera que as veiculações publicitárias governamentais "possam ser consentâneas com sua abrangência e importância".

Ontem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repudiou os pedidos de verbas estatais feitos ao governo Jair Bolsonaro por uma ala da Igreja Católica em troca de notícias favoráveis ao governo em canais de rádio e TV, conforme revelou reportagem do Estadão publicada neste sábado, 6.

Por meio de nota, a CNBB demonstrou indignação com a atitude de representantes desses canais, disse que não representam a instituição e que a igreja não atua em troca de favores.

"Recebemos com estranheza e indignação a notícia sobre a oferta de apoio ao governo por parte de emissoras de TV em troca de verbas e solução de problemas afeitos à comunicação. A Igreja Católica não faz barganhas", declarou a CNBB. "Não aprovamos iniciativas como essa, que dificultam a unidade necessária à Igreja, no cumprimento de sua missão evangelizadora, 'que é tornar o Reino de Deus presente no mundo'", diz a nota, ao citar o Papa Francisco.

O deputado Eros Biondini se manifestou também por nota após a publicação da reportagem. "Em nenhum momento foi condicionado apoio das emissoras ao governo em troca de verba de publicidade. Tudo muito transparente e legítimo, já que somos católicos e conhecemos bem a lisura e o belo trabalho que esses nossos padres realizam. Por tanto, como vice presidente da Frente Parlamentar Católica", escreveu.

"A reunião por vídeo conferência realizada com a presença do presidente, alguns membros da Frente Católica e diretores de TVs católicas, foi pública, está disponível a todos e teve o objetivo de simplesmente apresentar ao governo as pautas que julgamos afins ao nosso segmento, dentre elas a luta contra o aborto e as drogas, a importância das instituições e hospitais filantrópicos ligados à Igreja e o papel dos meios de comunicação católicos na educação, formação e informação do nosso povo", afirmou Eros Biondini.

A reportagem encaminhou pedido de posicionamento à Rede Século 21, do padre Eduardo Dougherty, mas ainda não recebeu resposta.

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