Lula: ex-presidente discursou na sede do Sindicato dos Metalúrgicos no sábado (9) (Nacho Doce/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 9 de novembro de 2019 às 15h48.
Última atualização em 11 de novembro de 2019 às 07h53.
São Bernardo do Campo — Na manhã deste sábado (9), bandeiras vermelhas tomaram a frente do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. A cena se repetiu como há 580 dias, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso para cumprir pena por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Mas, hoje, o motivo da presença da militância petista e de representantes da esquerda é oposto: após um ano e sete meses preso na sede da Polícia Federal de Curitiba, o ex-presidente foi solto nesta sexta-feira (08). Ele se beneficiou de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida nesta quinta-feira (07), que derrubou a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância.
“Viemos comemorar a liberdade do nosso querido Lula e reforçar mais uma vez a luta que o MST tem feito e mostrar que estamos juntos com ele”, diz Sandra dos Santos Bezerra, de 34 anos, uma das apoiadoras do ex-presidente.
A alegria de Sandra foi vista em todos os participantes que se aglomeram no Sindicato. Pessoas de diversas etnias, gêneros e idades marcam presença no encontro. Aos 69 anos, Cenira Maria Martins está otimista com o futuro: “Eu estou aqui para cumprimentar ele, dar alegria pela liberdade dele”, afirma. Sobre suas expectativas, ela é direta. “Espero que ele volte a governar.”
Após duas horas do horário previsto, às 15h, o ex-presidente subiu no trio elétrico ao lado de aliados, como Gleisi Hoffmann, presidente do PT nacional, Fernando Haddad, candidato derrotado à presidência em 2018, Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL, Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB, e lideranças sindicais.
"Nós dissemos que resistiríamos e que traríamos Lula de volta. Lula voltou e, agora, a luta de Lula é a luta do povo brasileiro. É a luta do Brasil por liberdade e justiça. Nós resistimos e estamos vencendo, companheiros e companheiras", disse Gleisi Hoffmmann, antes da fala do ex-presidente.
Em seguida, Lula fez um discurso de mais de uma hora aos apoiadores. O petista disse que se preparou para sair da prisão sem ódio "para provar que, mesmo preso por eles, eu dormia com a consciência muito mais tranquila do que eles".
Ele criticou o governo Bolsonaro, mas defendeu que o presidente atual "foi eleito democraticamente para ficar no poder por quatro anos". O petista, no entanto, afirmou que "está de volta" para percorrer o Brasil "ao lado de lideranças de esquerda" para "renascer o coletivo que é o povo".
"Se a gente tiver juízo e conseguirmos trabalhar bonitinho, a chamada esquerda, que Bolsonaro tem tanto medo, vai derrotar a extrema-direita, que nós tanto queremos derrotar".
O ex-presidente defendeu a elucidação do assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco, e cobrou "cadê o Queiroz", em referência ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro, acusado de gerenciar um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Sobre o cenário da América Latina, Lula disse que ocorre na Bolívia – onde Evo Morales enfrenta uma crise política após ser reeleito – o mesmo que o ex-senador Aécio Neves (PSDB) teria feito, em sua visão, com a ex-presidente Dilma Rousseff após as eleições. Lula citou a vitória, em eleições recentes, de Morales e de Alberto Fernandez, na Argentina – ambos seus aliados. O novo presidente argentino, assim como o venezuelano Nicolás Maduro, também aliado de Lula, comemorou a libertação do petista no Twitter.
Em contrapartida, o petista criticou o governo do presidente norte-americano, Donald Trump, e afirmou: "não podemos aceitar a ideia de construir um muro" entre Estados Unidos e México, para conter a imigração ilegal.
Lula reforçou o pedido de apoio à militância e afirmou que pretende fazer um novo pronunciamento ao povo brasileiro dentro de 20 dias. "Não queria fazer esse pronunciamento hoje, pois qualquer palavra mais dura que eu dissesse, já iriam falar que é ódio, raiva", afirmou.
Por fim, Lula atacou a Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e defendeu "que eles não sabem que um povo como vocês não dependem de uma pessoa, vocês dependem do coletivo". No final, ele saiu carregado pelos militantes, da mesma forma como aconteceu no dia de sua prisão, no ano passado.
Esse é o segundo discurso do petista desde que saiu da prisão. Na tarde de ontem, após ser solto, Lula criticou o atual presidente Jair Bolsonaro e disse que vai continuar “lutando para melhorar a vida do povo brasileiro, que está uma desgraça” e para “impedir que esses caras não entreguem o país aos estrangeiros”.
Com a soltura do ex-presidente petista, o mercado financeiro reagiu negativamente na sexta-feira: o dólar teve valorização de 1,83%, e encerrou o dia a 4,168 reais, enquanto o Ibovespa fechou em baixa de 1,78%.
A concentração dos militantes começou, oficialmente, ao meio dia, mas desde às 9h da manhã já era possível topar com um grupo extenso de manifestantes. O evento conta, também, com apresentações de artistas como Francisco El Hombre, Fabricio Ramos e Rapin'Hood.
Logo no começo, a plateia entoou a música "Sujeito de Sorte", do cantor Belchior, que foi um dos hinos da esquerda após as eleições do ano passado. Eles cantaram diversas vezes o refrão “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.
Mais cedo, Bolsonaro se pronunciou sobre a soltura do petista e pediu que seus seguidores “não deem munição ao canalha que momentaneamente está livre, mas carregado de culpa”.
Nesse sentido, o sentimento geral dos apoiadores de Lula é de que, apesar da felicidade, não há nada de extremo a ser feito em um primeiro momento. “Ele não vai fazer milagre, mas a gente acredita que agora o povo vai ter mais força para derrubar muitos decretos que tiraram nossos direitos“, diz Sandra.
Alex Santana, 35 anos, acredita que o ex-presidente agora “irá ajudar os pobres e ser eleito novamente nas próximas eleições”.
Maria Isabel Rocha, 20 anos, veio ao local acompanhada da mãe, Rosimeire, de 46 anos. “Contamos com a liderança nata dele e queremos acreditar que o povo vai abrir os olhos para o atual governo, cujo problema é a mentira”, afirma Rosimeire. “Espero que o Lula lidere o povo e volte”, diz Maria.
Entre conversas, cervejas vendidas e cozinhas comunitárias para alimentar um batalhão, o sorriso é a marca registrada dos manifestantes que estão em São Bernardo.
(Com Estadão Conteúdo)
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