Rodrigo Janot: para ele, o foco do debate foi "deturpado" ao se iniciar o questionamento de um ponto "secundário" (José Cruz/Agência Brasil/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de maio de 2017 às 14h42.
São Paulo - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, escreveu artigo para o portal UOL no qual defende o acordo firmado com os empresários do Grupo J&F, comandado por Joesley Batista.
No texto, Janot aponta que delação é "muito maior que os áudios questionados", justifica a concessão de imunidade penal aos delatores - que não serão denunciados pelos crimes que revelaram no acordo - e diz estar "convicto" de que tomou a decisão correta.
É a primeira manifestação de Janot à imprensa após a vinda à tona da celebração do acordo com os irmãos Joesley e Wesley Batista e outros executivos do grupo.
Ao dizer ter sido procurado pelos irmãos Batista no início de abril, Janot ressalta que os empresários entregaram crimes graves em andamento. "Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento - vou repetir: crimes graves em execução -, praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal", escreve Janot, sem citar os nomes do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do deputado Rocha Loures (PMDB-PR), implicados na delação e flagrados em gravações.
Sobre a relação de Joesley com Temer, o procurador-geral aponta que os delatores: "apresentaram gravações de conversas com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato".
Os fatos, nas palavras de Janot, são "aterradores" e vieram junto a "dezenas de documentos e informações concretas" sobre contas no exterior e pagamento de propina "envolvendo quase duas mil figuras políticas".
Ele aponta que os benefícios a Joesley e os demais 6 delatores da J&F "podem parecer excessivos", mas que a outra alternativa seria a não celebração do acordo de delação, o que acabaria sendo pior ao País.
"Jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros, não conheceríamos as andanças do deputado com sua mala de dinheiro, nem as confabulações do destacado senador ou a infiltração criminosa no MPF", destaca o procurador-geral.
"Finalmente, tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo", escreveu Janot.
Ele fala das revelações feitas pelos irmãos Batista e funcionários do grupo sobre o Temer, Aécio, os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva e o procurador Ângelo Goulart, que repassava informações da Operação Greenfield à JBS.
Aponta que os fatos citados foram graves o suficiente para conceder benefícios ao empresário que fez as revelações em troca do acordo de colaboração.
"Até onde o país estaria disposto a ceder para investigar a razão pela qual o presidente da República recebe, às onze da noite, fora da agenda oficial, em sua residência, pessoa investigada por vários crimes, para com ela travar diálogo nada republicano?", escreve Janot sobre o encontro de Temer com Joesley Batista no dia 7 de março, no Palácio do Jaburu. O presidente tem questionado uma suposta edição do áudio entregue pelo empresário com a conversa gravada, mas confirma o encontro.
Sobre Aécio, flagrado em negociação de R$ 2 milhões em propina, Janot questiona: "Quanto valeria para a sociedade saber que a principal alternativa presidencial de 2014, enquanto criticava a corrupção dos adversários, recebia propina do esquema que aparentava combater e ainda tramava na sorrelfa para inviabilizar as investigações?."
Na segunda-feira, o procurador-geral pediu que o Supremo Tribunal Federal, em plenário, determine a prisão preventiva de Aécio Neves e do deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil.
Por fim, Janot aponta a situação de Dilma e Lula. Segundo a delação de Joesley, os ex-presidentes tinham duas "conta-correntes" de propina no exterior, cujo saldo bateu em US$ 150 milhões em 2014.
"Que juízo faria a sociedade do MPF se os demais fatos delituosos apresentados, como a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem simplesmente ignorados?", escreve Janot.
"Foram as perguntas que precisei responder na solidão do meu cargo. A gravidade do momento, porém, fez-me compreender claramente que já tinha em mim as respostas há pelo menos trinta e dois anos, quando disse sim ao Ministério Público e jurei defender as leis e a Constituição do país", escreveu o procurador-geral da República. Janot não concedeu entrevistas desde que tudo veio à tona, a partir da semana passada.
Janot diz que, como procurador-geral da República, "não teve outra alternativa" senão conceder a imunidade penal aos delatores. Ele diz ter utilizado três premissas para admitir o benefício: "a gravidade dos fatos, corroborados por provas consistentes; a certeza de que o sistema de justiça de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos pelos caminhos convencionais de investigação; e a situação concreta de que, sem esse benefício, a colaboração não seria ultimada e, portanto, todas as provas seriam descartadas."
O procurador-geral da República aponta que, "para os que acham que saiu barato", a J&F está sendo instada a pagar multa de R$ 11 bilhões pelo acordo de leniência que negocia com o Ministério Público Federal.
Ele menciona ainda que operações suspeitas no mercado de câmbio feitas pela JBS com base em informação privilegiada sobre o acordo não estão abrangidas pelo acordo e, portanto, Joesley Batista e os demais executivos "permanecem sujeitos à integral responsabilização penal" por esses fatos. O crime de "insider trading", em que se utiliza de informação privilegiada para operar no mercado, é punido com prisão e multa sobre o valor lucrado.
Para Janot, o foco do debate foi "deturpado" ao se iniciar o questionamento de um ponto "secundário", que são os benefícios concedidos pela Procuradoria-Geral da República a Joesley, Wesley e os demais executivos. A questão central, na visão do procurador-geral, é "o estado de putrefação de nosso sistema de representação política".
"Três anos após a deflagração da Operação Lava Jato, com todos os desdobramentos que se sucederam, difícil conceber que algum fato novo ainda fosse capaz de testar tão intensamente os limites das instituições. Mas o roteiro da vida real é surpreendente", escreve o procurador-geral.