Joesley Batista deixa a sede da PF após prestar depoimento, em 21/06/2017 (Adriano Machado/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 28 de junho de 2017 às 12h04.
Última atualização em 28 de junho de 2017 às 12h13.
São Paulo – O acordo entre os executivos do grupo J&F, que controla a JBS, e a Procuradoria-Geral da República colocou as delações premiadas em xeque perante a opinião pública. Segundo pesquisa Datafolha divulgada esta semana, 64% dos brasileiros afirmam que a PGR exagerou ao não denunciar os delatores da JBS.
Mas o que está em jogo nas negociações entre possíveis delatores e o Ministério Público? O procurador de justiça Rodrigo Chemim, autor do livro “Mãos Limpas e Lava Jato – a corrupção se olha no espelho” (Citadel, 2017), conversou com EXAME.com e traz algumas respostas.
De acordo com Chemim, a lógica que pauta as negociações para uma colaboração premiada é similar aos conceitos que regem qualquer relação de compra e venda.
“O investigado tem uma mercadoria para vender e a questão é: o MPF tem interesse em comprar? Quanto está disposto a pagar por esse negócio? Vira uma lógica de mercado literalmente”, afirma.
Assim, como qualquer relação de mercado, uma série de fatores influenciam o processo de compra e venda: “o emocional, o fator tempo, o valor da mercadoria, a chance de perder um grande negócio”, diz Chemim.
“A urgência, o tempo, o fato inédito”, enumera o procurador.
Em todos os acordos fechados na Operação Lava Jato, os investigados tinham informações sobre fatos que aconteceram no passado. No caso da JBS, os empresários relataram um crime que poderia acontecer dali a alguns dias: a entrega de uma mala de 500 mil reais para o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, conhecido por ser homem de confiança do presidente Michel Temer.
“Havia uma urgência em fechar um acordo com esse grau de informação, que implicaria o presidente da República e uma série de outros políticos”, pondera o especialista. “Negociar em 10 meses [como foi no caso da Odebrecht] é uma coisa. Negociar em um dia é outra. Deve ter sido assim: ou vai agora ou perdemos essa prova, que é importante”.
Não. Na verdade, elas servem como meio para se conseguir as provas. Chemim explica: “O juiz não pode condenar alguém com base apenas nas declarações. Se o sujeito não tiver como corroborar, o MP nem fecha acordo”.
Isso não significa que os investigados ou réus precisam necessariamente apresentar na hora da delação provas que confirmem suas palavras, mas eles precisam (no mínimo) mostrar os caminhos para que os investigadores as obtenham.
Nem sempre, contudo, é possível checar antes de fechar o acordo se as coordenadas ou as provas apresentadas pelos investigados são, de fato, confiáveis. Mas qualquer indício de fraude durante o processo pode determinar a quebra de contrato e revogação do acordo de delação.
Um dos pontos do debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade das delações dos executivos do grupo J&F é exatamente sobre qual é o momento em que o juiz de 1ª instância ou o plenário da corte poderiam revisar o acordo.
Até o momento, a maioria dos ministros do STF votou para que esse tipo de análise seja feita pelo juiz apenas no momento da sentença. No entanto, ainda não há consenso sobre o alcance dessa revisão.
Para Chemim, se as informações apresentadas “não forem efetivas”, o juiz pode, na hora da sentença, “desconsiderar o que foi acordado”.
O acordo fechado entre os executivos do grupo que controla a JBS e o Ministério Público Federal previa o não oferecimento da denúncia contra eles.
Se for comprovado alguma quebra de contrato do lado dos delatores, o “MPF usar as provas que eles apresentaram até contra eles para fazer uma denúncia”, diz Chemim, a título de exemplificação.
Três fatores contribuíram para a expansão do número de delações premiadas no Brasil. A primeira delas (e mais importante) é regulamentação da prática por meio da lei 12.850, de agosto de 2013.
“Desde a década de 90 nós temos a previsão da colaboração, mas agora ela aparece de forma mais potente porque ela está regrada, dando mais segurança para quem participa do acordo”, afirma o especialista.
O fim na prescrição retroativa (feita com base na pena aplicada concretamente ao caso) e o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que é possível executar uma pena já a partir da decisão de segunda instância também incentivaram a aplicação do instrumento.
“Apostar na morosidade da interposição de recursos ou na prescrição retroativa não é mais uma estratégia de defesa adequada. Agora não adianta mais ficar recorrendo”, afirma Chemim.
"Guardadas as proporções, o crime de corrupção é muito parecido com o estupro: você não tem testemunhas. No estupro, você ainda tem a palavra da vítima que quer punir o estuprador. Na corrupção você tem um conluio de pessoas, as duas pessoas levam vantagens: o corruptor e o corrupto. É quase impossível de descobrir”, diz o procurador.
Daí a importância de se abrir um canal para a negociação de informações que levem ao desmantelamento de esquemas do tipo. Mas o procurador admite que o MP ainda está aprendendo como fechar esses acordo. Afinal, a Lava Jato é a primeira grande operação a usar amplamente a delação premiada como instrumento de investigação.