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Investigados na Lava-Jato (ainda!) se acham acima da lei

Após três anos e quatro meses de operação Lava-Jato, a ousadia dos investigados não tem limite

BENDINE (DIR) RECEBE RECURSOS DEVOLVIDOS PARA A PETROBRAS: um mês antes ele mesmo recebeu propina da Odebrecht / José Cruz/Agência Brasil
GK

Gian Kojikovski

Publicado em 29 de julho de 2017 às 08h09.

Última atualização em 31 de julho de 2017 às 13h35.

São Paulo – Lá se vão três anos e quatro meses de operação Lava-Jato . Mas a ousadia dos investigados não tem limite. A lista de políticos, empresários e operadores que, por ingenuidade ou cara de pau, ultrapassaram qualquer limite de razoabilidade não para de crescer.

Nesta semana, o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil , Aldemir Bendine, foi preso pela 42ª fase da Lava-Jato, depois que os investigadores encontraram indícios de que ele poderia fugir do Brasil, já que estava com passagens compradas para Portugal e possuía cidadania italiana, o que dificultaria uma possível extradição.

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Antes disso, os investigadores encontraram diversos fatos que confirmam a intrepidez do ex-executivo nos cargos que ocupou. Um grande exemplo é o encontro que teve com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no dia 31 de julho de 2015, para, simbolicamente, receber 139 milhões de reais desviados da petroleira e recuperados pela Operação Lava-Jato. Trinta dias antes do evento, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Bendine havia recebido a última parcela de um milhão de reais que “requisitou” à Odebrecht para não dificultar que a empreiteira, então já bem enrolada com a Justiça, continuasse a ser contratada pela Petrobras.

O próprio pedido de propina feito pelo então presidente da Petrobras espanta. Às vésperas de assumir a presidência da petrolífera, em fevereiro de 2015 – e com a Lava-Jato já devassando a corrupção no país há praticamente um ano, tendo prendido inclusive ex-diretores da companhia -, Bendine pediu à Odebrecht três milhões de reais, que foram pagos pelo departamento de Operações Estruturadas (propinas) da empresa em três parcelas de um milhão, nos dias 17 de junho, 24 de junho e 1º de julho.

Bendine assumiu o cargo mais importante da empresa que estava no centro das investigações da maior operação contra corrupção da história do país e imaginou que passaria em branco para os investigadores. “Em 2014 talvez ainda não se tivesse noção do tamanho da Lava-Jato, mas em 2015, quando isso aconteceu, já dava para saber. Pouco depois de tudo isso, o Marcelo Odebrecht foi preso. Então não dá para dizer que não se sabia da grandeza do que estava sendo feito. O que aconteceu foi uma cara de pau total!”, diz o cientista político da FGV especialista em corrupção e colunista de EXAME Sérgio Praça.

O discurso que fez no evento com Janot também ficou marcado pela contradição com a sua conduta, pelo menos sob a luz do que apurou o MPF até aqui. “Fornecedores que falharem nessas condições [de criar mecanismos para impedir a corrupção] serão excluídos de cadastro”, disse Bendine, sem citar, por óbvio, que já havia garantido as condições para que a Odebrecht não estivesse neste rol.

Já em 2017, com a Lava-Jato em outras proporções e com receio de que poderia ser pego, Bendine tentou arrumar um álibi para os três milhões recebidos da Odebrecht. Declarou-os ao imposto de renda afirmando serem fruto de consultoria. A ideia era despistar as investigações e dar um ar de legalidade ao dinheiro. Não deu certo.

“Dadas as circunstâncias nas quais o Bendine assumiu, com uma ideia de correção nos rumos da empresa e sendo pensado como um nome pós-Lava-Jato, para tocar a reestruturação da Petrobras, é surpreendente que essas coisas tenham acontecido”, diz Praça.

Da boca para fora

Mas não foi só Bendine que disse uma coisa e fez outra. Em junho de 2016, o procurador federal Ângelo Goulart subiu à Tribuna da Câmara dos Deputados para discursar contra a corrupção e defender o projeto “Dez Medidas Contra a Corrupção”, proposto por um grupo de procuradores com ligação com a Lava-Jato. Goulart fazia parte da equipe do vice-procurador Nicolau Dino e estava cedido para trabalhar nas forças-tarefas das operações Cui Bono, Greenfield e Sépsis. “É preciso dar um basta neste tipo de conduta”, disse, referindo-se à corrupção que levava à prática de caixa 2.

Ele foi preso no último dia 18 de maio, acusado de receber 50.000 reais mensais para repassar informações sensíveis da investigação para a defesa do Grupo J&F. Ângelo foi denunciado nas delações premiadas de executivos do grupo e está no presídio da Papuda, no Distrito Federal.

No dia 4 de março, a empresária carioca Renata Monteiro postou em sua página no Facebook uma mensagem de apoio ao juiz federal Sergio Moro, dizendo que “de cabeça erguida iremos limpar o país”. Dez dias depois, foi levada a depor coercitivamente. Seu marido, Luiz Carlos Velloso, ex-subsecretário de Transportes do governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, foi preso no mesmo dia em um desdobramento da Lava-Jato que apura desvios na construção do Metrô do Rio.

Os investigadores descobriram que, ao longo de três anos, Renata gastou em seu cartão de crédito oito vezes mais do que o valor que declarou ter recebido. A operação também bloqueou 12 milhões de reais das contas do marido dela. Mais um caso em que o discurso não colou com a realidade.

O Rio de Janeiro é fértil em casos como este. Thiago Pessoa de Carvalho Campos foi servidor comissionado no estado, mas não sabia sequer onde trabalhava. Um relatório feito pela Polícia Federal durante a operação Calicute mostrou que, em cinco de fevereiro de 2016, Campos enviou mensagens de texto para Carlos Miranda, réu na Lava-Jato e apontado como operador financeiro do ex-governador Sérgio Cabral. Ele queria saber onde estava lotado para ver se tinha direito a um triênio adicional que é pago para funcionários públicos no estado. Em uma das mensagens, ele explica “Eu não aparecia. Então nem sabia onde era”.

Depois de Miranda dizer que também não sabia e que achava que o triênio só é pago para funcionários concursados, Campos concorda. “Eu também acho, mas queria ter certeza. Vai que rola, sei lá. Mas também fica feio eu solicitar e nem saber onde trabalhava na época”.

Concursado na Polícia Civil do estado desde 2014 – antes de fazer o pedido de informação ao réu da Lava-Jato, portanto -, Campos posta com frequência reclamações quanto à condição financeira do estado em suas redes sociais. Reclamou, por exemplo, do “estado falido, que sucateia seus serviços e não faz o básico: pagar salário”, esquecendo que, poucos anos antes, recebeu desse mesmo estado sem sequer trabalhar, contribuindo para a situação atual das finanças públicas.

Condutas como essas pipocam tanto nas investigações da Lava-Jato como em outras que correm pelo país e poderiam continuar sendo listados indefinidamente. Para sair da Lava-Jato, basta lembrar da deputada Raquel Muniz (PSD-MG), que dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, à honestidade do marido, então prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, preso pela Polícia Federal no dia seguinte suspeito de favorecimento de uma rede particular gerida pela própria família em detrimento aos hospitais públicos da cidade.

“Essa desfaçatez beira a psicopatia”, diz Praça. Retratos de um país chamado Brasil.

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