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Eleições municipais: rumo à incerteza

Luciano Pádua  Com o noticiário dominado impeachment, Lava-Jato, Eduardo Cunha e Jogos Olímpicos terrorismo, a agenda das eleições municipais parece ter ficado no último plano das preocupações nacionais. Pois aí vai um lembrete: faltam três semanas para o início das campanhas que, neste ano, durarão apenas 45 dias (ante 90 das corridas anteriores). A essa altura […]

EDUARDO PAES, NO RIO: seu candidato a sucessor não lidera as pesquisas; a taxa de renovação pode ser recorde / Ricardo Moraes/ Reuters (Ricardo Moraes/ Reuters/Reuters)

EDUARDO PAES, NO RIO: seu candidato a sucessor não lidera as pesquisas; a taxa de renovação pode ser recorde / Ricardo Moraes/ Reuters (Ricardo Moraes/ Reuters/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2016 às 09h25.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.

Luciano Pádua 

Com o noticiário dominado impeachment, Lava-Jato, Eduardo Cunha e Jogos Olímpicos terrorismo, a agenda das eleições municipais parece ter ficado no último plano das preocupações nacionais. Pois aí vai um lembrete: faltam três semanas para o início das campanhas que, neste ano, durarão apenas 45 dias (ante 90 das corridas anteriores). A essa altura do caminho, a única certeza é que, além de pouco comentada, essa será a temporada eleitoral mais fragmentada e incerta de nossa histórias recente.

As eleições de outubro servirão como um termômetro para medir os dois anos de crise política na qual o Brasil está mergulhado. A população, e as pesquisas são certeiras ao mostrar, rechaça mais do que nunca os partidos políticos. Nas últimas disputas, 2008 e 2012, a fragmentação tem aumentado progressivamente. Neste ano, com as mudanças na legislação eleitoral, deve bater recorde. “Há uma insatisfação geral do eleitor com a política e os partidos políticos. Ninguém sabe dizer de que forma isso pode alterar na eleição”, diz o deputado federal Bruno Covas, do PSDB, vice na chapa de João Doria para a prefeitura de São Paulo.

Em oito das dez capitais mais populosas do país, as eleições tendem a ter uma combinação de muitos candidatos e partidos tradicionais em desvantagem. É o caso do Rio de Janeiro, onde o prefeito Eduardo Paes lançou o ex-secretário de Governo Pedro Paulo, que vai mal nas pesquisas. O senador Marcelo Crivella, do PRB, lidera, seguido de Marcelo Freixo, do PSOL. Em São Paulo, o atual prefeito Fernando Haddad teve resultado ruim nas últimas pesquisas do instituto Datafolha, que apontaram sua derrota em todas as disputas contra outros candidatos no segundo turno. Políticos tradicionais como Celso Russomanno, do PRB, que lidera, e Marta Suplicy, do PMDB, embaralham a disputa. O PSDB apostou no pouco conhecido João Doria.

Em Belo Horizonte, a ruptura do prefeito Marcio Lacerda, do PSB, com o PSDB deixou o pleito imprevisível e 16 pré-candidatos se apresentaram. Em Fortaleza, cinco dos oito pré-candidatos são nomes fortes e conhecidos do público. Entre eles, o atual prefeito Roberto Cláudio, do PDT. Em Manaus, 11 partidos têm pré-candidatos e cinco só anunciarão seu candidato no limite do prazo. O prefeito Arthur Virgílio Neto, do PSDB, terá concorrentes de peso e a disputa certamente irá ao segundo turno.

Em Curitiba, oito pré-candidatos aparecem com alguma chance, mas Rafael Greca, do PMN, lidera, seguido de perto de Gustavo Fruet, do PDT, e o deputado estadual Requião Filho, do PMDB. No Recife, DEM e PSDB romperam com o prefeito Geraldo Julio, do PSB, que tenta a reeleição, para enfrentá-lo com a candidatura do tucano Daniel Coelho. A disputa será apertada com a entrada do ex-prefeito João Paulo, do PT, na terceira colocação hoje. Para Geraldo Julio, os desdobramentos da operação Turbulência, que apura suspeita de lavagem de dinheiro em campanhas do PSB, podem dificultar a missão.

Após 12 anos, Porto Alegre pode voltar a ser governada por um partido de esquerda. Luciana Genro, do PSOL, lidera as pesquisas, seguida por Raul Pont, do PT, Sebastião Melo PMDB, Vieira da Cunha, do PDT, e o deputado federal Nelson Marchezan Junior, do PSDB. De todas essas capitais, Salvador tem o cenário mais previsível: o prefeito ACM Neto, do DEM, tem boa aprovação e aparece, em algumas pesquisas, elegendo-se no primeiro turno.

Os grandes na parede  

Toda essa indefinição acaba no dia 5 de agosto, quando termina o prazo para que os partidos formem coligações. As alianças políticas são essenciais para definir o tempo de TV de cada candidato. Em São Paulo, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin já costurou um acordo com nove partidos e garantiu mais de um terço do tempo do horário eleitoral a João Doria. No caso de Belo Horizonte, o número de pré-candidatos reduzirá drasticamente, uma vez que muitos lançam candidaturas para aumentar o preço de uma aliança.

Em eleições anteriores, siglas menores não tinham ímpeto para se lançar. Com a incerteza que permeia o pleito, políticos avaliam que vale a pena manter candidaturas até descobrir como se dará o desfecho. As coligações também garantem que os votos não se pulverizem entre vários candidatos de uma mesma faixa ideológica, por exemplo. “Nos últimos anos, acompanhamos a polarização entre PT e PSDB. Há uma grande incógnita sobre como o eleitor vai reagir a esses partidos, principalmente o PT. Com isso, várias candidaturas se tornam viáveis. Todos tentarão ser o candidato de cada lado”, diz o cientista político Glauco Peres, da USP e pesquisador do Cebrap.

O PT é o partido mais enfraquecido. Ferido gravemente com o afastamento de Dilma Rousseff e com denúncias de corrupção que envolvem o ex-presidente Lula e seus principais nomes, a legenda teme uma derrota acachapante nos municípios. Dos 638 prefeitos petistas, 135 se desfiliaram da sigla até abril deste ano. Como resposta, o PT tentará uma “volta às origens”, focando em temas como direitos humanos e questões trabalhistas. Para tentar renovar os quadros, os petistas encabeçarão a chapa em 20 capitais – maior número desde 2004. O ex-prefeito de Recife, João Paulo, e o ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, aparecem bem nas primeiras pesquisas.

PMDB e PSDB não escapam. Junto com o PT, são as maiores forças do país e definham na avaliação dos brasileiros. Uma pesquisa do Ibope de dezembro do ano passado perguntou a entrevistados de 560 municípios se eles votariam no candidato da oposição em 2016. Quando a prefeitura era do PMDB, o índice dos que votariam na oposição chegou a 49%, naqueles geridos por tucanos, 45%, e por petistas, 33%. O dado pode ter mudado de lá para cá, mas sua base é a mesma: as gestões PMDB e PSDB também não agradam.

Para o PSDB, apesar do descrédito, o objetivo é ampliar as 702 prefeituras que controla. Segundo o secretário-geral do partido, deputado Silvio Torres, os tucanos pretendem abocanhar 1.000 prefeituras em todo o país. Em 2012, foram cerca de 1.600 candidaturas. Neste ano, mais de 2.000 são esperadas. A ideia é investir em quadros para eleger deputados federais e estaduais em 2018. Torres reconhece que a meta já chegou a ser revisada por causa da pulverização do cenário eleitoral. “Essas eleições, nas circunstâncias que ocorrem e com as mudanças nas regras eleitorais, podem ser consideradas imprevisíveis até 15 dias antes da eleição”, afirma Torres.

Com 1.024 prefeituras, o PMDB tem capilarização pelo país que auxilia nas disputas. Na Fundação Ulysses Guimarães, seu braço de pesquisas, a avaliação é que as discussões locais serão nacionais. Os prefeitos terão de discutir problemas que não são necessariamente de sua alçada, como o desemprego, ao invés de falar sobre asfaltar ruas – o que também será cobrado. O foco da sigla é eleger mais prefeitos em cidades com mais 200.000 eleitores – onde acontece segundo turno. Hoje, o partido tem duas capitais e tentará a sorte em 18 capitais. O objetivo é a disputa presidencial de 2018.

A influência econômica

A economia é uma das grandes variáveis para se entender a eleição municipal. Em 1985 e 1986, o PMDB se sagrou como o grande campeão eleitoral: elegeu 22 dos 25 governadores e 19 capitais. Em 1988, a legenda perdeu 15 capitais, apesar de sair com mais 1.600 prefeitos Brasil afora. Em 1990, manteve apenas sete governadores. Isso sem um escândalo da proporção da Lava-Jato que pudesse enterrar a credibilidade do partido. Tudo se deveu à crise econômica e à inflação incontrolável no governo de José Sarney. No final dos anos 80, lideranças peemedebistas saíram do partido para fundar o PSDB e integrar o PSB.

Em 2008, com o momento econômico ainda favorável no país apesar da crise internacional, 67% dos prefeitos que tentaram a reeleição continuaram ocupando suas cadeiras. Em capitais, 95% se reelegeram, o maior número que a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) já registrou. Em 2012, assolados pelos primeiros tropeços do governo de Dilma Rousseff, 55% dos prefeitos se reelegeram. Nas capitais, o índice ficou em 50%. Para este ano, as perspectivas até o momento são piores.

Cientistas políticos explicam o resultado de 2008 a partir do sentimento de bem-estar e otimismo no país e cofres cheios nos municípios durante o mandato de 2004-2008. A partir de 2009, o repasse da União para os municípios foi caindo na comparação com o ciclo eleitoral anterior. Com as finanças combalidas, prefeitos ainda arcaram com o impacto da desoneração do IPI, que custou mais de 5 bilhões de reais aos municípios, segundo estudo da CNM – 44% perdidos no ano eleitoral.

Os dados ajudam a entender o desafio para este ano. Em 2012, 16 prefeitos de capitais não tinham 40% de aprovação – taxa considerada mínima por cientistas sociais para conseguir se reeleger. A rejeição em capitais anda em alta e, apesar de não haver um compilado, é difícil crer que estejam melhores que em 2012. Além disso, o repasse do Fundo de Participação dos Municípios, que deveria ser de 3,4 bilhões de reais passou para 2,7 bilhões de reais. Em estudo publicado pela FGV, os cientistas políticos Antonio Lavareda, Bonifácio Andrade, Enivaldo Rocha e Bartira Lins avaliam que se 2008 foi o ano “celestial” para reeleição, 2016 tem tudo para ser “infernal”. A única variável que pode jogar a favor é nova lei, que proíbe o financiamento privado e diminui o tempo de campanha, o que pode ajudar os candidatos mais conhecidos.

Disputa fragmentada – e expressa

A fragmentação partidária, que vem crescendo desde 2012, será um dos grandes desafios. Hoje, o país tem 35 partidos, 25 deles representados na Câmara dos Deputados. Esse nível de pulverização partidária é inédito. De 1996 a 2012, a média foi de 26,7 partidos disputando, segundo uma pesquisa dos cientistas políticos Silvana Krause, Denise Paiva Ferreira, Pedro Floriano Ribeiro e Paulo Victor Melo para a FGV. Em 1996, os nove maiores partidos garantiram 92% dos assentos das Câmaras Municipais. Em 2012, incluindo-se um 10º partido à conta, o PSD, a taxa foi de 78%. Ou seja, o poder está mais espalhado.

Nas duas maiores capitais do país, São Paulo e Rio de Janeiro, o pleito é liderado por candidatos do PRB – Celso Russomanno e Marcelo Crivella, respectivamente. O partido, considerado médio e com pouca expressão nacional, dominaria assim 16% do PIB nacional. Ambos são figuras de votação alta e muito identificados com os eleitores. “A tendência dessas eleições vai ser crescimento da fragmentação. É mais uma janela que facilita essa instabilidade partidária”, diz a cientista política Denise Krause, da UFRGS.

Apesar de começarem em 16 de agosto, as campanhas passarão a valer, de fato, a partir do final do mês e início de setembro por causa do processo de impeachment no Senado, que deve acabar no final de agosto, e os Jogos Olímpicos, que terminam no dia 21. Antes disso, é difícil que os candidatos gastem seus recursos – escassos – em um ambiente no qual a opinião pública estará voltada para esses acontecimentos. “Como efeito da campanha curta, preocupa que os candidatos não tenham tempo de chegar aos eleitores e, com isso, aumentar muito os votos em branco e nulos, sobretudo para vereador”, diz o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.

Enquanto os partidos têm dificuldade em se decidir em meio a tantas possibilidades, e postergam as alianças para tentar tomar decisões mais claras, os eleitores ainda não parecem ter acordado para a disputa que se avizinha. Segundo a última pesquisa do Datafolha em São Paulo, 83% disseram não saber em quem votariam. Em 2012, esse número era 61%.

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