Érika Hilton: primeira veradora trans negra eleita para a Câmara de SP (Rafa Canoba/Divulgação)
AFP
Publicado em 16 de novembro de 2020 às 15h47.
Última atualização em 17 de novembro de 2020 às 20h10.
Se as últimas eleições foram marcadas pelos outsiders e pelo bolsonarismo, é possível dizer que as eleições 2020 ficaram marcadas não só pelo sucesso dos partidos centrão, mas também pela diversidade. No último domingo, os brasileiros elegeram 26 pessoas trans, 225% a mais que em 2016, quando 8 candidatos transexuais chegaram à administração municipal. Os números são da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que contabilizou 294 candid
Das 294 candidaturas de pessoas trans pelo país, algumas figuraram entre as mais votadas para a câmara municipal das suas respectivas cidades: Duda Salabert em BH, Linda Brasil (PSOL) em Aracaju e Erika Hilton (PSOL) em São Paulo. Para a última, a ascensão das minorias foi posta em cheque pela eleição de Bolsonaro em 2018, que agora sofre um revés nas urnas.
"A eleição de pessoas trans é uma resposta à micropolítica do Bolsonaro, que trouxe uma onda de temor e ódio à comunidade", disse Hilton, apontando que o próprio discurso conservador bolsonarista fez crescer no eleitorado a necessidade de uma política mais inclusiva. "Quando nos vimos um presidente dizer todas aquelas barbaridades, boa parte da sociedade começou a compreender a urgência de ter uma disputa mais representativa."
Eleita com mais de 50 mil votos na capital paulista, Érika promete legislar para a comunidade trans, aumentando o acesso à dignidade no trabalho, por exemplo, com a redução de impostos para empresas com programas de inclusão da população trans.
"Temos uma pequena entrada no mercado formal de trabalho, mas ainda temos muito o que avançar para que as pessoas trans tenham outra opção de sobrevivência além da prostituição", explica Érika, destacando não trabalhará apenas para a sua comunidade. "Quero trazer as questões raça, gênero e classe para o centro da discussão. Mas fui a mulher votada, e quero formar políticas para toda São Paulo."
A primeira eleição de uma transexual a um cargo político no Brasil aconteceu em 1992, quando Kátia Tapety foi eleita vereadora em Colônia do Piauí, quase 400km ao sul de Teresina. "28 anos depois, ninguém poderia imaginar que teríamos tanta representatividade numa forma de resistência efetiva, num espaço que sempre foi usado pra nos silenciar e negar oportunidades para pessoas marginalizadas e invisíveis", comenta Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra e responsável pelo levantamento dos números que você leu no começo dessa reportagem.
Para ela, a polarização minou a ideia de que a política muda a vida da pessoas, e a ascensão do conservadorismo no mundo todo, somado à crise do coronavírus, deixou a população trans "muito desacreditada". "Mas lograr êxito dá um gás à luta, acende de novo a chama de que nós precisamos participar da politica", completa Benevides.
Assim como Bruna e Érika, a professora, historiadora e ativista feminista e do movimento negro Ana Carolina Dartora (PT) - a primeira mulher negra eleita para Câmara de Curitiba - também acredita que "o Bolsonarismo tem sido pedagógico" ao provocar arrependimento naqueles que "deram projeção ao que ele representa". Mas, para ela, representatividade é só o começo.
"Tivemos bastante candidaturas, muitas eleitas, mas ainda não temos proporcionalidade - e essa deveria ser a meta. E isso serve para todas as minorias", explica Dartora. "Existe uma maior compreensão social de que, para que tenhamos uma cidade realmente democrática, essas assimetrias precisam ser superadas."