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Eike e o poder, uma história íntima

Lucas Amorim O pedido de prisão do empresário Eike Batista, expedido nesta quinta-feira, só confirma uma das mais deletérias características do capitalismo brasileiro. Mesmo Eike, um dos grandes defensores do mercado de capitais, que levou seis empresas à bolsa de valores, foi, pouco a pouco se beneficiando de uma íntima relação com políticos dos mais […]

EIKE BATISTA: o empresário Eike Batista deverá pagar uma fiança de 52 milhões de reais se quiser permanecer em prisão domiciliar / Fred Prouser / Reuters (Fred Prouser/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 11h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h13.

Lucas Amorim

O pedido de prisão do empresário Eike Batista, expedido nesta quinta-feira, só confirma uma das mais deletérias características do capitalismo brasileiro. Mesmo Eike, um dos grandes defensores do mercado de capitais, que levou seis empresas à bolsa de valores, foi, pouco a pouco se beneficiando de uma íntima relação com políticos dos mais variados matizes.

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Segundo a jornalista Malu Gaspar relata no livro Tudo ou Nada, a relação de Eike com o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, era um exemplo perfeito do ganha-ganha. Os dois se conheceram em 2006, durante a campanha para a sucessão de Rosinha Garotinho. Cabral, senador, havia se licenciado do cargo para disputar o governo. Naquela época, Eike se valia basicamente dos contatos políticos do pai, Elieser Batista, ex-ministro de Minas e Energia. Continuava, para o mundo político, a ser um ilustre outsider, conhecido mais por ser marido de Luma de Oliviera que por seus projetos. Seus poucos contatos políticos se limitavam aos senadores Delcídio do Amaral (PT) e José Sarney (PMDB).

Mas o sucesso das companhias fez um número crescente de políticos baterem à porta de Eike em busca de contribuições para campanhas. “Apesar do discurso do empreendedorismo puro que fazia para o público externo, não alimentava qualquer ilusão de que seus projetos pudessem deslanchar sem a boa vontade dos governantes”, escreveu Malu Gaspar.

Naquele ano de 2006, Eike foi a pessoa que mais doou a campanhas Brasil afora – 4,4 milhões de reais. Dois milhões foram divididos entre as campanhas de Lula e Geraldo Alckmin a presidente, e o restante foi para candidaturas estaduais, entre elas de Delcídio do Amaral, no Mato Grosso do Sul, e Sérgio Cabral, no Rio. Quando Cabral assumiu, Eike virou um dos empresários mais próximos do governo. A licença para o Porto de Açu, por exemplo, foi concedida depois que executivos do grupo X reclamaram da demora junto ao governador. Cabral ligou pessoalmente para o secretário do Meio Ambiente, Carlos Minc, que resolveu a questão. A partir daí, Eike ligava para o governador a cada nova etapa de seus projetos, e Cabral fazia questão de organizar uma solenidade, com discursos e elogias de parte a parte. Mais tarde, foi revelado que, durante seus mandatos no governo, Cabral utilizou jatinhos de Eike para fins particulares em ao menos 13 oportunidades.

Em 2008, Eike vendeu uma fatia de sua mineradora MMX para a multinacional Anglo American num negócio extraordinário, recebendo 5,4 bilhões de reais. Cabral fez uma cerimônia para homenageá-lo, num episódio que entrou para a história como ápice das relações espúrias entre governo e empresário. “Você é um brasileiro extraordinário, um carioca extraordinário”, disse Cabral a uma plateia de 200 pessoas. Eike caiu no choro.

No ano seguinte, o empresário doaria, a pedido de Cabral, 23 milhões de reais para a campanha do Rio para sede das Olimpíadas de 2016. Depois, ele e o prefeito Eduardo Paes (PMDB) foram a Copenhague, na cerimônia que definiu a vitória do Rio, no jatinho de Eike. O empresário doou ainda, a partir de 2010, 20 milhões de reais por ano para o programa de Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio. Enfim, Eike e Cabral viraram unha e carne. Mas, aos poucos, o empresário percebeu que precisava estender sua rede de contatos para além do Rio de Janeiro.

Além do Rio

Foi por volta de 2007 que Eike se aproximou também do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, em busca de apoio para a liberação de licenças para a construção de um mineroduto no estado. Como contrapartida, Eike investiu 25 milhões de reais na reforma do Museu das Minas e do Metal, em Minas. Lula, como relata Malu Gaspar, era mais refratário ao empresário, que considerava um “oportunista”. Ainda assim, em março de 2009, Eike vendeu 12% de sua empresa de logística LLX para o BNDES por 150 milhões de reais. Para se aproximar de Lula, Eike chegou a doar 1 milhão de reais para a produção do filme Lula, o filho do Brasil, produzido por Luiz Carlos Barreto.

A esperada aproximação veio em 2009, quando o empresário apresentou ao presidente um ambicioso plano de comprar uma participação da mineradora Vale. Afirmou que, com ele entre os acionistas, a Vale não faria mais demissões em massa, como uma realizada poucos meses antes que enfureceu o presidente. A aliança foi selada quando o Rio foi escolhido sede dos jogos de 2016, e Lula telefonou para a agradecer a Eike, maior patrocinador da empreitada.

Depois, nas eleições de 2010, Eike doou 1 milhão de reais para a campanha de Dilma Rousseff, 1 milhão para José Serra e 500.000 reais para Marina Silva. Sérgio Cabral e Delcídio do Amaral seriam mais uma vez beneficiados. A amigos e aliados, defendia o apoio a Dilma que, para ele, seria a candidata dos sonhos do grupo X. “Nossos projetos estão em vários estados e não vão ficar parados por questões políticas”, afirmou, conforme relata a jornalista Malu Gaspar. Nessa época, Eike e Lula se aproximavam a ponto de o empresário cogitar convidar o político para o conselho de suas empresas.

Nos anos seguintes, como se sabe, Eike entrou numa ciranda que o levaria à ruína. Em 2012, procurou Lula para que a Petrobras alugasse sondas da enroscada OGX. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, era o presidente do conselho da petroleira. Ao longo dos anos, graças aos bons contatos, Eike conseguiu mais de 10 bilhões de reais em créditos aprovados no BNDEs.

Em janeiro de 2013, já nas cordas, o empresário foi recebido no Palácio do Planalto por Dilma Rousseff e por um grupo de peso que incluía a ministra do Planejamento, Miriam Belchiaor e o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Oliveira Passos. O objetivo era resgatar o grupo X. Dilma ordenou que o governo encontrasse uma forma de ajudar o estaleiro OSX. Na semana seguinte, Lula visitou o porto de Açu e, num discurso, admitiu que no passado via Eike como um falastrão mas que, ali, tinha a certeza de estar diante do “maior empresário do Brasil”, segundo relata Malu Gaspar.

Eike e Lula passaram a ter reuniões frequentes na sede do Instituto Lula, em São Paulo. As tratativas do governo não conseguiram salvar o empresário, mas ele e Lula continuaram próximos. Antes mesmo do pedido de prisão feito nesta quinta-feira, 26, as relações de Eike com o governo estadual e federal já haviam entrada no mira dos investigadores. Em maio 2016, Eike havia prestado depoimento voluntário à força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba. Declarou que, em novembro de 2012, recebeu um pedido do então ministro e presidente do conselho da Petrobras, Guido Mantega, para que pagasse 5 milhões de reais para o PT quitar dívidas de campanha.

Mantega teve a prisão decretada devido às declarações de Eike na fase Arquivo X, deflagrada no dia 22 de setembro de 2016. Eike também havia sido citado na Operação Calicute, que prendeu Cabral, por ter repassado 1 milhão de reais ao escritório da ex-primeira-dama do Rio, Adriana Ancelmo. Eike está em Nova York. Se de fato se entregar – e falar o que sabe – é mais um personagem que pode ajudar a implodir o mundo político, especialmente do PT e do PMDB.

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