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Educação pode (mesmo) aplacar a violência; veja como

Probabilidade de um indivíduo com até sete anos de estudo ser assassinado no Brasil é 15,9 vezes maior de outro indivíduo que tenha ingressado na universidade.


	 Ipea: para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma redução de 2% na taxa homicídio
 (Marcos Santos/USP Imagens)

Ipea: para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma redução de 2% na taxa homicídio (Marcos Santos/USP Imagens)

Valéria Bretas

Valéria Bretas

Publicado em 27 de maio de 2016 às 06h00.

São Paulo – Destinar mais recursos para a educação é caminho certo para a redução da taxa de homicídios. Pelo menos é o que diz a análise do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) divulgada recentemente. 

De acordo com o Ipea, para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma redução de 2% na taxa de pessoas assassinadas nos municípios brasileiros.

"Segundo as nossas estimativas, a probabilidade de um indivíduo com até sete anos de estudo ser assassinado no Brasil é 15,9 vezes maior de outro indivíduo que tenha ingressado na universidade, o que mostra que a educação é um verdadeiro escudo contra os homicídios no Brasil", afirma o responsável pelo estudo,  Daniel Cerqueira, doutor em economia pela PUC-Rio e técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea.

Cerqueira afirma que a melhora na qualidade dos serviços educacionais pode evitar que estudantes já matriculados abandonem a escola. Por consequência, isso reduz a necessidade do jovem se envolver em crimes.

“Com muitas portas fechadas, na família, no convívio social, na escola e no mercado de trabalho, a única porta aberta será o mercado do crime, com a possibilidade de retornos financeiros e simbólicos rápidos”, diz a nota técnica do Ipea. “Nesse momento, o crime sempre valerá a pena”.

No entanto, apesar do Brasil ser uma das nações que mais direcionam recursos para a educação, o país ainda patina quando se leva em conta o gasto por aluno da educação básica. 

De acordo com o relatório Education at a Glance 2015 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil gastou cerca de 3,4 mil dólares anuais por cada aluno da rede de educação básica. Enquanto que a média global ultrapassa os 9,3 mil dólares por estudante dos anos iniciais. 

O técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea explica que o gasto público com educação básica, por aluno, é equivalente a 1/4 do valor investido no ensino superior. "Ou seja, o Estado gasta muito com educação, mas não é para o ensino básico e não é para os pobres", diz Cerqueira. 

"O que fazemos hoje é oferecer uma escola que não motiva, que não estimula e que não conquista as mentes e corações dos jovens. São verdadeiras linhas de produção que procuram incutir na memória das crianças e jovens um incrível conjunto de informações enciclopédicas, que não dizem nada e não reconhecem suas trajetórias individuais e sociais", afirma o especialista. 

Veja a entrevista que ele concedeu a EXAME.com . 

EXAME.com: Qual é a relação entre a presença de um jovem na escola e a redução na taxa de homicídio? 

Daniel Cerqueira: Segundo as nossas estimativas, a probabilidade de um indivíduo com até sete anos de estudo ser assassinado no Brasil é 15,9 vezes maior de outro indivíduo que tenha ingressado na universidade, o que mostra que a educação é um verdadeiro escudo contra os homicídios no Brasil.

Nesse trabalho, fizemos um cenário contrafactual para estimar o efeito que haveria caso cada indivíduo com 15 ou mais anos de vida tivesse pelo menos ingressado no ensino médio. O resultado foi avassalador no sentido de mostrar como a educação é a grande pedra fundamental transformadora de nossa sociedade. Nesse cenário, em 2010, teríamos cerca de 22 mil homicídios a menos no país, ou uma diminuição em relação aos registros oficiais na ordem de 42%.

EXAME.com: Nesse contexto, qual é o perfil de uma “presa fácil do crime”?

Daniel Cerqueira: Existem teorias e evidências empíricas internacionais que mostram que o impulso ao crime não é uma constante na vida do indivíduo, mas segue um ciclo que se inicia aos 13 anos, atinge um ápice entre 18 e 20 anos e termina aos 30 anos.

No Brasil, além da questão da juventude, os indivíduos que sofrem e que cometem homicídio possuem baixa escolaridade (não completaram sequer o ensino fundamental) e são moradores das periferias ou de comunidades pobres nas grandes cidades.

São jovens que tiveram a infância marcada por um aprendizado de violência doméstica e que, fora de casa, aprenderam na pele que os direitos de cidadania são para poucos. Esses jovens enxergam no crime aquilo que dificilmente conseguiriam de outra forma: bens materiais, respeito e status social.  

EXAME.com: Por que a qualidade do ensino pode ser um elemento de sucesso na redução de crimes violentos? 

Daniel Cerqueira: Porque escolas burocráticas geralmente terminam por expulsar - seja pela reprovação, seja pelo abandono -  aquele que deveria ser seu principal cliente: o aluno com maiores desvantagens sociais.

O ensino de qualidade não apenas oferece um passaporte para os indivíduos obterem um passaporte para melhores empregos, o que faz aumentar o custo de oportunidade para cometer crimes, como possibilita que se acirrem os elos de concordância do alunos com os valores sociais e civilizatórios. Com isso, esse menino deixa de ser o bandido de amanhã, para ser uma semente transformadora da sociedade.

EXAME.com: Que tipo de oferta de serviços educacionais pode evitar que os jovens abandonem os estudos?

Daniel Cerqueira: O que fazemos hoje é oferecer uma escola que não motiva, que não estimula e que não conquista as mentes e corações dos jovens. São verdadeiras linhas de produção que procuram incutir na memória das crianças e jovens um incrível conjunto de informações enciclopédicas, que não dizem nada e não reconhecem suas trajetórias individuais e sociais. 

Dentro disso, o currículo deveria contemplar um conjunto mínimo de matérias para desenvolver determinadas habilidades comuns a todos e um bloco de disciplinas que seriam escolhidas pelos próprios alunos, como as artes, o empreendedorismo, as matérias quantitativas, humanas.

Uma outra questão é trabalhar no desenvolvimento socioemocional dos alunos. É reconhecer que muitos jovens são de famílias com amplas desvantagens materiais e culturais, inclusive vítimas de ambiente doméstico hostil, onde prevalece a violência, alcoolismo e outras mazelas. É reconhecer que a escola não deve ser feita sob encomenda para receber alunos de uma pequena elite.

EXAME.com: Quais as referências para o Brasil nessa área? 

Daniel Cerqueira: Existem inúmeros exemplos de programas e ações orientados para o desenvolvimento na primeira infância e voltados para o ensino fundamental e médio.

Nos países desenvolvidos, esses programas foram, inclusive, avaliados quantitativamente e revelaram gerar o maior benefício econômico de cada dólar gasto. A efetividade de se investir em boa educação supera, de longe, qualquer gasto que se possa fazer em policiamento e encarceramento, que pouco resultado gera.

No Brasil há também boas experiências, como, por exemplo, do Espírito Santo que criou o programa Estado Presente, cuja linha mestra ia exatamente no sentido de criar oportunidades educacionais, culturais e desportivas para as crianças e jovens residentes das comunidades mais vulneráveis socioeconomicamente. 

EXAME.com: Que tipo de alternativa à escola convencional existe para reforçar a importância da educação aos jovens? 

Daniel Cerqueira: É importante que se diga que a escola convencional, ainda que seja totalmente reformulada e aprimorada, não atingirá um determinado de grupo de jovens. Afinal, são indivíduos que já trilharam uma outra trajetória apartada desse ambiente escolar tradicional. São jovens que tiveram problemas comportamentais e socioemocionais na primeira infância, que terminaram, inclusive enveredando no caminho das transgressões e crimes.

Para esses jovens, modelos alternativos têm que ser oferecidos. O bom exemplo é a “Escola da Tia Ciata”, um programa desenvolvido pela educadora Ligia Costa Leite, que nos anos 80 conseguiu por e manter dentro da escola meninos de rua, que em sua maioria conseguiram aprender a ler e escrever. 

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