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Discurso de Lula foi tentativa de ir além da base do PT, dizem analistas

Lula fez pronunciamento na internet no 7/9, atacou Bolsonaro e disse que o povo "cabe no orçamento". O ex-presidente tem chances para 2022?

Lula em pronunciamento na internet no 7 de setembro: discurso para se mostrar como candidato (Lula/YouTube/Reprodução)

Lula em pronunciamento na internet no 7 de setembro: discurso para se mostrar como candidato (Lula/YouTube/Reprodução)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 8 de setembro de 2020 às 17h45.

Última atualização em 8 de setembro de 2020 às 22h13.

O 7 de setembro, além das comemorações da Independência do Brasil, marcou uma oposição política clara. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro desfilava em Brasília e fazia seu discurso oficial em rede nacional, parte do eleitorado estava também atenta a um outro pronunciamento: o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gravou um vídeo de pouco mais de 20 minutos.

Em seu vídeo, Lula fala que é necessário "reconstruir o Brasil", conclama os trabalhadores a fazerem um pacto com base no voto e critica a gestão de Bolsonaro na pandemia.

Para Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva, o discurso do ex-presidente tem um tom amplamente diferente de suas outras aparições públicas recentes -- que se resumiram ou a entrevistas ainda na prisão ou a discursos para a militância fiel a ele. Dessa vez, Lula tentou falar para uma base eleitoral mais ampla, com o objetivo sobretudo de recuperar o eleitorado de baixa renda que vem perdendo para Bolsonaro.

"Há uma tentativa de fazer o Lula voltar a ocupar no imaginário das pessoas um papel de estadista, que por conta de todos os acontecimentos políticos recentes, ele foi perdendo ao longo do tempo", diz Meirelles. "O discurso foi simbólico não por ser um pronunciamento no 7/9, mas porque foi uma postura nos moldes que ele fazia quando era presidente."

Os dois discursos no mesmo dia, de Lula e Bolsonaro, antecipam os embates que se desenham para a eleição presidencial de 2022. Lula está proibido de se candidatar pela Lei da Ficha Limpa, mas diante da falta de lideranças no restante da esquerda e no centro, ainda aparece como principal opositor a Bolsonaro.

Em pesquisa Exame/IDEIA divulgada na semana passada, Bolsonaro seria reeleito em todos os cenários em 2022. No primeiro turno, ganha de Lula com 31% a 17% dos votos; no segundo turno, venceria por 42% a 31%. Outros nomes da esquerda e do centro, como Ciro Gomes e Luciano Huck, aparecem com menos de 10% dos votos.

Após o vídeo, Lula ficou entre os assuntos mais comentados no Twitter, e o tema reverberava ainda nesta terça-feira, 8.

"O Lula tem um problema sério em termos de opinião pública que é se manter relevante. Talvez a pior coisa que aconteceu a ele foi sair da prisão. O desafio é enorme contra Bolsonaro", diz Mauricio Moura, fundador do IDEIA, instituto especializado em opinião pública, e pesquisador na Universidade George Washington.

Falando várias vezes sobre a política econômica, Lula disse que seus governos mostraram que "o povo cabe no orçamento". Brigar com Bolsonaro no front econômico é uma tentativa de o ex-presidente de apelar para as boas lembranças que parte da população têm de seu mandato, o mesmo fator que o fez até mesmo liderar as pesquisas em 2018 antes de ser preso.

"O governo Lula representava a última memória de prosperidade econômica, principalmente para as classes mais baixas. Ele fazia parte da população recordar o período de maior bonança de renda, de consumo", diz Moura. "Muito do resultado do PT na eleição de 2018 foi capital político do Lula, e não do Haddad", diz.

No primeiro turno nas eleições presidenciais de 2018, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, teve quase 30% dos votos, sendo o principal candidato de oposição, ante 46% dos votos para o presidente Jair Bolsonaro. No segundo turno, Bolsonaro venceu com 55% dos votos.

Esse um terço do eleitorado em 2018, o "núcleo duro" da base lulista e da esquerda que ainda tem no PT o principal expoente, precisa ser expandido para que a frente de esquerda e de centro-esquerda consiga reagir à liderança de Bolsonaro nas pesquisas no momento.

"Se o Bolsonaro tiver que escolher um adversário, seria o Lula. Ele é a força capaz de manter o antipetismo maior que o antibolsonarismo, como foi em 2018", diz Meirelles.

Com Bolsonaro levando o crédito pelo auxílio emergencial de 600 reais e ampliando sua popularidade entre as classes mais baixas, o PT e Lula perderam parte de um eleitorado outrora tido como fiel. Ainda segundo a pesquisa Exame/IDEIA, 65% dos brasileiros consideram Bolsonaro o principal responsável pelo auxílio emergencial, e não o Congresso. Embora tenha dado declarações minimizando a pandemia, Bolsonaro também conseguiu descolar de si a responsabilidade pelos estragos econômicos do coronavírus.

"O que motiva um discurso como esse de ontem é o avanço do Bolsonaro nessa base eleitoral do Lula, o entendimento de que esse eleitorado está menos blindado do que eles imaginaram", diz Meirelles. "Ele fez um movimento de voltar a falar para o Brasil e voltar a colocar os temas que são de interesse de todos. E o 7/9 é uma data que combina com essa reapresentação do Lula como grande líder político", diz.

A esquerda nas eleições municipais

Por fim, a tentativa de retorno de Lula aos holofotes tem ainda as eleições municipais no horizonte. O presidente deve ser um importante cabo eleitoral em municípios pelo Brasil, sobretudo na região Nordeste. Mas a forma como os resultados das eleições deste ano vai se delinear será essencial para o papel político que Lula e o PT terão no Brasil e na esquerda nos próximos anos.

As eleições municipais mostrarão a força do PT e do campo da esquerda, elegendo prefeitos que servirão de palanque nas eleições para governadores e presidente em 2022. Mas, nesse sentido, Lula tem dois objetivos: se manter importante para eleger seus aliados nos estados mas também para a correlação de forças do PT dentro da esquerda.

"Se o Flávio Dino [do PCdoB], o Ciro Gomes [PDT], o PSB em Pernambuco, conseguem grandes vitórias em suas regiões neste ano sem grande participação da figura do Lula, a correlação de forças na esquerda muda muito. Agora, se eles ganham com apoio do Lula, é outra coisa", diz Meirelles.

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